Eu nunca fui muito apreciadora de listas, porque elas me parecem pouco poéticas e estão mais relacionadas às compras, às tarefas cotidianas… Assim, num primeiro instante, fazer uma lista de motivos para morar na Suíça me soou perturbador mas, com o tempo, a ideia ficou razoável, porque eu pensei que seria uma forma de tirar da gaveta do esquecimento todos aqueles sentimentos que eu tinha em relação ao país. Veja abaixo as razões para não se desdenhar da Suíça:
1) Um país multifacetado – ou onde o internacional encontra o local e há muito mais do que a vida na cidade
Num país onde existem quatro línguas oficiais e 25% da população é composta por estrangeiros , é praticamente impossível não crescer com os aprendizados e as boas experiências. E essa exposição às línguas e culturas está na vida cotidiana, como na eventualidade de se estar num restaurante cercada por amigos de distintas nacionalidades e, de repente, perceber que, de uma forma ou de outra, todos se comunicam e descobrem uma língua em comum; ou na possibilidade de, ao fazer uma aula de yoga, você se deparar com uma instrutora americana e com alunos dos mais distintos lugares – e sentir que, quando fechamos os olhos e nos colocamos na postura de shavasana, a auto-consciência não tem barreiras linguísticas. Com essa cultura multifacetada, a Suíça vem a ser um país oposto à tendência mundial da padronização; muito embora as intolerâncias também existam.
Por outro lado, ainda que houvesse essa pluralidade toda, quando morava no Brasil, eu me considerava uma “garota da cidade” e, por isso, no começo da minha experiência por aqui eu achava bem chato que aos domingos o comércio costumava fechar, que praticamente não existia shopping centers, que haviam poucas pessoas na rua neste dia, que muitos restaurantes não abriam… Mas, aos poucos, fui descobrindo que existia, sim, vida fora da cidade – uma vida ao ar livre – nos parques, nas piscinas, nos churrascos nas montanhas, nos lagos, no Rio Reno, nos esportes de inverno, nas trilhas, etc… Enfim, apenas caminhar por essa paisagem, seja no inverno ou no verão, já é um privilégio.
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2) Democracia Direta
Apesar de pessoalmente eu não poder votar, eu sou uma admiradora desse mecanismo de poder que a população daqui guarda em suas mãos – o referendo. Inclusive, acho incrível que a votação possa se dar por correspondência. Nesses casos, os envelopes são enviados às casas das pessoas e contêm a cédula de votação, folhetos com a legislação a ser alterada e um resumo dos argumentos favoráveis e contrários de cada proposta. Respeito muitíssimo que, desde 1891, os cidadãos também possam exigir uma mudança na constituição por meio de referendo, lançando a chamada “iniciativa popular”.
É evidente que a democracia direta daqui não está livre de controvérsias, como no caso da decisão de banir os minaretes (2009) e do projeto anti-imigração (2014); ou mesmo pelo fato que o direito de voto feminino somente se iniciou em 1971, mas ainda assim ela tem sido um marco característico do país.
3) Segurança e Transporte
Numa noite fria de novembro, eu estava voltando sozinha de Genebra para Basiléia, era para ser uma viagem de duas horas e meia com uma única troca de trem. Mas, o inesperado aconteceu: problemas técnicos no sistema de transporte. Imediatamente, ainda dentro do trem, apareceu um fiscal tentando auxiliar cada um de nós a encontrarmos a melhor alternativa para chegarmos ao nosso destinto, ainda que o aplicativo do sistema de transporte local seja muito eficiente. Eu acabei parando numa estação de trem minúscula e desconhecida, esperei por uns 40 minutos, peguei um outro trem. Depois, decidi descer antes da estação principal de Basel, e pegar um bonde para, talvez, chegar mais rápido até em casa. Como era tarde da noite, o próximo bonde “só” passaria dali há quinze minutos, então, achei melhor seguir a pé mesmo, puxando minha mala morro acima. E, com tudo isso, apesar do frio, dos contratempos e da mansidão noturna, eu segui meu caminho sem receio.
O que posso dizer é que a vida na Suíça não é estressante muito por causa da sua organização e do tamanho das cidades, naturalmente, as pessoas tendem a agir de forma mais despreocupada em relação aos problemas comuns, e a segurança do país e a eficiência do transporte público contribuem muito para essa qualidade de vida. Isso não quer dizer que não existam furtos, roubos e violências, mas os índices são incomparavelmente menores do que os do Brasil.
4) Nível de confiança
A Suíça, em geral, oferece às pessoas um nível de confiança elevadíssimo. Quem é recém-chegado se surpreende com o fato de que uma consulta médica só será cobrada semanas depois por meio de uma correspondência contendo um boleto bancário; isso porque, na Suíça, pressupõe-se que, por uma questão ética, o cliente pagará pelo serviço que recebeu em tempo hábil, porque essa é a coisa certa, e porque é isso que as pessoas fazem. Simplesmente, confiar que os outros farão a coisa certa demonstra um nível de dignidade que todos nós aspiramos.
Um dia, eu saí de casa pela manhã para levar meus filhos à escola, e no caminho de volta resolvi abastecer o carro. Como aqui não existe a figura do frentista, eu mesma fui até a bomba de combustível, completei o tanque, e quando fui até o carro para pegar a minha carteira e pagar: “Cadê a minha bolsa? Na pressa matinal, eu tinha esquecido a bolsa em casa!”. Seguiram-se aqueles segundos de pavor: “E agora? Não tenho como devolver o combustível na bomba e também não tenho dinheiro para pagar na hora…”. Nem celular eu não tinha para ligar para alguém e pedir ajuda; eu não tinha nem relógio para oferecer em penhor… Na verdade, eu só tinha o meu caráter para garantir que voltaria mais tarde para pagar. Com o rosto lívido, eu fui até o caixa e expliquei para a senhora o que estava acontecendo. Houve aquela troca de olhares e algo como: “Ok, eu não tenho porque duvidar da sua palavra”. Com um sorriso, a senhora me disse que eu poderia pagar mais tarde. Quando eu voltei, eu vi um alívio no rosto dela como se me falasse: “Obrigada por manter o nível de confiança da Suíça!”.
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5) Silêncio
Já no primeiro dia em que eu cheguei à Suíça me passaram aquela lista enorme de “erros comuns” ou de “não ouse fazer isso” e, entre eles estavam inúmeros conselhos sobre o respeito ao silêncio – não use a descarga após as 22hs, não ande de salto alto dentro de casa, não escute música alta, não converse alto no bonde, não use o celular no trem, etc. Confesso que aquilo tudo me deu uma sensação de sufocamento; e digamos que meu “treinamento” foi árduo. Mas, hoje, eu dou meu braço à torcer – não é lei do silêncio – é direito à serenidade.
A Suíça tem me proporcionado o direito à introspecção – uma regra de ouro para quem vive nestes tempos modernos de desassossego e imediatismo. Outro dia desses, eu li que ficar em silêncio é importante para se alcançar a saúde mental, então, pensei: esses suíços sabem das coisas…