Como é a relação entre os suíços e os estrangeiros?
No imaginário popular a Suíça é lembrada pelos queijos e chocolates, pelos Alpes, pela democracia direta, pela estabilidade econômica e social, pela eficiência do seu sistema de transporte, pelo elevado nível de segurança etc. Mas, certamente, a realidade da Suíça é bem mais intrincada do que essa descrição utópica. Por baixo desse véu existem, sim, episódios um tanto que incômodos; um deles é como se dá a coexistência entre suíços e estrangeiros. Assim, sem vitimizações, este post se propõe a destrinchar um pouco essa prática de convivência, que envolve respeito à diversidade e combate a intolerância, enfim, pontos que têm se tornado polêmicos nos últimos tempos no mundo todo.
Para se pensar nesse tema, o primeiro desafio é definir quem exatamente representa o homem/mulher suíço(a) médio(a), pois existem quatro culturas e idiomas diferentes que compõem o país. Em 2018, de acordo com números oficiais aproximados, cerca de 64% dos suíços falam alemão (ainda que usem dialetos para a conversação), outros 22% falam francês, 8% falam italiano e 2% falam romanche (romansh). Diante deste cenário multifacetado, há quem diga que o suíço estaria acostumado a conviver com culturas diferentes, o que tenderia a relativizar questões ligadas à xenofobia, uma vez que a composição do país, com uma experiência antiga de integração, facilitaria a aceitação de estrangeiros.
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Sob outro ponto de vista, a população suíça hoje conta com 25% de estrangeiros e muitos deles descrevem o país como sendo extraordinário, apesar de relatarem que têm problemas para fazerem amigos por aqui. De acordo com a pesquisa Expat Insider 2017 – que entrevistou 12.519 pessoas representando 166 nacionalidades – os estrangeiros na Suíça têm poucas coisas positivas para dizer sobre a população local, pois esta seria reservada (78%), distante (57%) e, tradicional (64%). E, 68% dos entrevistados concordaram com a afirmação de que fazer amizade com os suíços é difícil.
De fato, na minha percepção, os suíços têm uma cultura introvertida, eles são cordiais mas, na realidade, não estão ávidos para fazerem novas amizades. Outro dia, li uma comparação interessante que descreve bem esse sentimento: da mesma forma como, historicamente, os suíços se dizem neutros em suas relações internacionais, eles aplicam esse mesmo patamar de neutralidade em relação aos seus vizinhos expats. A meu ver, é um misto entre distanciamento e preservação da intimidade, por um lado, e receio quanto à concorrência no mercado de trabalho e salvaguarda da própria identidade, por outro.
Apesar dessa conjuntura, na minha convivência com os vizinhos, eu já vivi altos e baixos: olhar de reprovação por causa do barulho das crianças e sorrisos ternos enquanto elas voltavam da escola; discurso enfático sobre a coleta do lixo e convite simpático para um almoço enquanto eu me esvaía para limpar o jardim; reclamação pela arrumação da casa “justo” na véspera do Natal e distribuição de frutas frescas e silvestres durante a primavera. Enfim, é uma empreitada que leva tempo e aceitação de ambos os lados.
Como resultado desse reconhecido isolamento suíço, a mesma pesquisa Expat Insider 2017 apontou uma realidade comum: a maioria dos expats (52%) acaba tendo como amigos outros estrangeiros. Isso também tem o seu lado bom e ruim pois, ao mesmo tempo em que leva, inevitavelmente, à formação de pequenas comunidades vivendo apartadas à sociedade; acaba por fomentar uma experiência cultural enriquecedora e um aprendizado formidável.
Esta possível vida “insular” também vem sendo mapeada pelo governo suíço, ao reconhecer que a presença de muitos grupos sociais é uma característica que, apesar de ser admirável é também desafiadora, uma vez que o contato com tantos costumes diferentes pode levar a conflitos de aceitação, rejeição e integração. Neste sentido, o governo desenvolve uma pesquisa sobre diversidade e coexistência na Suíça, que permite o monitoramento do racismo, xenofobia, hostilidade e discriminação, e toca em pontos delicados como: os imigrantes estão integrados na Suíça? O racismo é um problema sério no país?
A primeira dessas pesquisas, em 2014, concluiu que, em geral, 1 em cada 4 suíços tem opiniões negativas sobre estrangeiros. Ao investigar sobre a mentalidade dos cidadãos suíços face aos residentes estrangeiros, a pesquisa buscou identificar expressões sistemáticas de xenofobia, tais como: a forma como as pessoas se sentiam em relação aos seus vizinhos, como expressavam livremente suas opiniões em público, como se sentiam diante dos “outros” e quais estereótipos negativos possuíam em relação a eles. Por sua vez, os resultados de 2016 não são alentadores, uma vez que houve a indicação que um terço da população (30%) não se sente confortável na presença de pessoas que são identificadas como “diferentes”.
E, então, uma vez mapeado o cenário, como lidar com a situação? Se eu já fui alvo desse sentimento de desconforto que os suíços têm em relação aos estrangeiros? Claro, que sim. Num primeiro momento esta hostilidade, ainda que velada, me aborreceu. Mas, o fato é que o próprio tempo me compeliu, a natureza lá fora me chamou e, eu pensei que não valia a pena ficar me remoendo. Assim, eu tomei três atitudes. A primeira delas foi fazer a minha parte e me esforçar para abrandar este sentimento, digamos, de “mal-estar” que os suíços têm quando estão diante de um estrangeiro. Eu passei a aceitar que eu sou mesmo a estranha no ninho e, como forasteira, eu me tornei menos crítica em relação aos olhares das pessoas ao meu redor (e como elas nos olham!); e muitas vezes eu deixei de ser relutante e fiz aquele primeiro aceno a fim de fazer amizades – apesar do vídeo hilário da Swissinfo (How to make friends with a Swiss person) dizer para não se fazer este primeiro contato! Ao mesmo tempo, eu reduzi meu nível de expectativas, ou seja, deixei de esperar muito retorno das pessoas; e com isso, naturalmente, eu me senti mais tranquila: eu acato o tom reservado do outro e respeito a minha própria identidade.
Segundo, eu comecei a me colocar no lugar do “outro” quando ouvia um comentário irônico ou tendendo à discriminação. Usando a empatia, eu me perguntava se não poderia estar sendo apenas um péssimo dia para aquela pessoa, e ela estaria unicamente descarregando seus problemas em mim. Além do que, eu deixei de pressupor que todos os suíços têm uma vida mítica: sem drama familiar, sem tristezas, sem desemprego, sem violência, sem doenças, sem saudades e; absolutamente, o nível educacional nem sempre se reflete em indulgência para com o próximo. Nesses momentos, eu me lembrava das charges do Chappatte sobre o relacionamento entre os suíços e os estrangeiros – um oásis de sagacidade! Por último, eu me empenho para seguir a etiqueta local pois, apesar de não serem tão comunicativos, os suíços prezam as saudações formais, as diretrizes sobre disposição do lixo, sobre o barulho em casa e na rua, sobre a pontualidade…
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E a terceira atitude que eu tomei foi a de me informar e desvendar o que estava por baixo desse manto idealizado. No final das contas, antes de simplesmente julgar um fato, é preciso compreendê-lo. Todo mundo sabe que a vida no exterior é um caminho árduo, e que este é apenas um dos inúmeros desafios de quem mora no exterior. Dizem que, Einstein já lastimou o fato de que seria mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo. Bem, o átomo já foi quebrado há um bom tempo, logo, romper o preconceito é um esforço que depende de todos nós …
2 Comments
Excelente texto. Vivo na Suíça e com o tempo fui organizando o pensamento e sentimentos em relação a esse convívio com os suíços. O texto traduz em palavras muitas das minhas impressões. Parabéns !
Olá Larissa,
Obrigada pelo comentário! É muito bom poder compartilhar esse tipo de sentimento e, principalmente, saber que é algo comum, que muitas de nós enfrentamos nesta experiência de vida no exterior. Diante das adversidades: saibamos, todas, nos reinventarmos!