Se você tiver a oportunidade de visitar o Museu Nacional, que fica em Zurique, além de ter uma ótima oportunidade de aprender sobre a história da Suíça, visitando algumas das exibições como a ala dedicada à história dos bancos e das indústrias do país você também poderá ter uma visão geral de como o poder econômico tem um peso forte num país com escassos recursos minerais, sem acesso ao mar e com uma geografia pouco favorável à agricultura. E, consequentemente, você poderá identificar, no seu cotidiano de consumo, como a correlação de forças entre consumidor e fornecedor ainda permanece bastante desequilibrada na Suíça, inclusive, essa constatação já foi amplamente alardeada. Logo, este post visa mostrar algumas dicas simples para que você evite situações desagradáveis quando for às compras na Suíça.
Tendo em mente essa ideia prévia, é bom deixar de lado aquela salutar experiência brasileira dos quase 30 anos de existência do Código de Defesa do Consumidor e do esforço do PROCON e de tantas outras instituições de proteção ao consumidor. Na Suíça, aquele jargão de que “o consumidor sempre tem razão” ou a interpretação do consumidor como sendo hipossuficiente ou parte vulnerável da relação de consumo não é a filosofia local. Por exemplo, uma vez, no recheio do sanduíche do meu filho veio um pedaço de isopor, ao reclamar com a atendente e pedir a substituição do lanche, ela me indagou: “Como eu saberei se você não está mentindo?”. Enfim, para evitar aborrecimentos é melhor estar atento e tratar cada situação como única, isto porque, apesar de existirem inúmeras normas de proteção ao consumidor, elas estão dispersas em mais de 60 leis diferentes, e na maioria dos casos é possível que o comerciante/fabricante/fornecedor estabeleça suas próprias regras distintas da legislação, comprovando, assim, a influência do poder econômico na tomada de decisão em relação à política de proteção ao consumidor.
Assim, não se iluda, aqui como no Brasil, você poderá ficar horas falando com um atendente de telemarketing de empresas de telefonia ou de serviços de internet sem conseguir resolver o seu problema ou, então, descobrirá no mês seguinte que a fatura chegou com cobranças de pacotes de serviços que você não havia escolhido, ou com tarifas que não lhe foram explicadas corretamente. Neste ponto, você pode até ter atravessado um oceano físico, mas as agruras continuam as mesmas.
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Nas prestações de serviços domésticos como de eletricista, encanador, etc. é bom ficar atento e ter um bom dinheiro provisionado, pois estes serviços não são cobrados por empreitada e não se costuma fornecer um orçamento prévio que vincularia o contrato. Na Suíça, o mais comum é que esses servicos sejam cobrados por hora de trabalho, e é muito raro que o prestador de serviço te assegure quanto tempo ele irá gastar para trocar uma tomada, instalar uma luminária, desentupir um ralo. Assim, a “surpresa” (a prestação de contas) chegará pelo correio, às vezes, até um mês depois do serviço prestado.
Da mesma forma, os serviços médicos e odontológicos são cobrados por hora de trabalho dos profissionais, e a tabela de custo não fica afixada na sala de atendimento, e também não é praxe que a secretária informe ao telefone quanto custa quinze minutos de atendimento daquele determinado especialista. Apesar de você não ter que desembolsar nada na hora do atendimento – uma vez que os serviços também são cobrados posteriormente, e que uma vez pagos, você possa solicitar o reembolso à sua empresa de seguro médico – essa falta de transparência prévia quanto ao serviço foi algo que me saltou aos olhos. Não é que haja desconfiança ou exploração – longe disso – mas é que, ao me ver, falta aquele dever de informação adequada e precisa ao consumidor.
Para saber mais sobre planos de saúde na Suíça, clique neste post do BPM.
Quando se tratar de aquisições em lojas físicas, antes de comprar qualquer item é altamente aconselhável perguntar qual é a política de troca da loja, isto porque não há uma padronização, logo, cada comerciante estabelece os seus próprios padrões. Por exemplo, o tempo para que a troca seja feita, que pode variar entre 7 e até 30 dias. E, também cada estabelecimento pode regular de forma distinta a possibilidade ou não de simplesmente se devolver a mercadoria e receber o extorno do dinheiro (mera desistência da compra), enquanto em outros casos é apenas permitida a troca por erro de numeração (para maior ou para menor) ou o recebimento de um cupom para ser utilizado numa compra futura. Na minha experiência por aqui, quanto maior for a loja, mais clara e respeitosa será essa política de troca.
Especialmente, nas compras online é preciso ter mais cautela ainda, pois se a loja virtual for estabelecida na Suíça (se a extensão do endereço virtual terminar em “.ch”) não há a obrigação de que o lojista simplesmente aceite a desistência da compra e faça a devolução do pagamento – como é usual nas lojas online da União Européia – ou seja, aquela ideia de que eu não sou obrigada a ficar com um item se eu não gostar da qualidade ou da modelagem, ou aquela política da devolução com frete grátis não existem por aqui.
Por outro lado, se ao fazer uma compra online, você receber em casa um produto com defeito, você terá 3 opções: (a) cancelar a compra; (b) solicitar uma redução no preço e ficar com o produto ainda que defeituoso ou (c) solicitar a reposição do produto. O problema, porém, é que essas 3 opções não são obrigatórias para o comerciante, ou seja, elas apenas se aplicam se o vendedor não tiver estabelecido regras diferentes para o seu próprio negócio online. Por isso, mais uma vez, é sempre recomendável verificar os termos e as condições de venda de cada site de comércio eletrônico sediado na Suíça.
Ainda sobre a questão de um produto com defeito, a Suíça adota uma regra bastante prejudicial ao consumidor, isto porque a responsabilidade pelo resolução do problema cabe ao comerciante e não ao fabricante]. Contrariamente, no Brasil, tanto o comerciante quanto o fabricante são solidariamente responsáveis pelo produto defeituoso, o que favorece o consumidor na defesa dos seus direitos, evitando-se assim, por exemplo, que um eventual fechamento da loja impeça o consumidor de fazer valer os seus direitos, uma vez que ele poderá buscar o saneamento do problema junto ao próprio fabricante.
Quanto à garantia do produto, na Suíça, a regra geral é de 2 anos de garantia para produtos novos, e 1 ano de garantia para produtos usados. Mas, podem existir casos em que o vendedor estabeleça regras distintas.
Se, com todos esses cuidados, ainda assim você precisar de ajuda para a solução de algum conflito de consumo, a sugestão é acessar a plataforma criada por uma fundação de defesa do consumidor (Stiftung für Konsumentenschutz – SKS), que visa aproximar clientes insatisfeitos e empresas, a fim de evitar diálogos desgastantes e ineficazes. Para saber mais sobre a plataforma Beschwerdeleicht, clique aqui. Igualmente, outra instituição chamada Federátion Romande de Consummateurs (FRC) fornece uma série de modelos de cartas de reclamações de consumo, veja aqui.
Muitas dúvidas também poderão ser esclarecidas no site mantido pelo Confederação Suíça a respeito das regras de consumo, basta clicar aqui. Ou, existe também um fórum a respeito das relações de consumo que presta várias informações detalhadas.
1 Comment
Olá Lúcia Bastos!
Tudo bem? Encontrei essa página navegando na internet. Desde já parabenizo-a pelas informações postadas.
A empresa suíça de venda de ingressos chamada VIAGOGO me causou um prejuízo considerável. Fiz dois relatos sobre o fato no site brasileiro reclameaqui (www.reclameaqui.com.br). Adquiri 4 ingressos para assistir com esposa e amigos ao show dos Rolling Stones em Miami no mes de abril/2019. Pois bem, o show foi adiado em virtude de tratamento de saúde do vocalista, tendo sido remarcado em maio/2019 para o dia 31 de agosto de 2019. Dois dias antes da data agendada, a citada empresa comunicou que o show fora antecipado para o dia 30 de agosto devido à passagem do furacão Dorian pela Flórida.
Resultado: Consegui a muito custo vender dois dos quatro ingressos por um valor muito abaixo de preço de compra. Os outros dois ingressos restantes não consegui vender, mesmo chegando a anunciá-los pelo valor de R$ 500 reais cada. Vale salientar que os quatro ingressos me custaram pouco mais de R$ 5.400,00 (cinco mil e quatrocentos reais).
São inúmeras as reclamações no site acima indicado contra essa empresa, que não tem sede no Brasil e, portanto, não respeita as regras brasileiras no tocante ao direito do consumidor.
Sendo assim pergunto:
Existe algum órgão de defesa do consumidor suíço onde possa buscar amparo? Caso positivo, esse órgão é atuante e tem interesse em solucionar o imbróglio?
Desde já agradeço a atenção.
Atenciosamente,
Gibran
Residente em Natal/RN
gibrangalvao@hotmail.com