Há mais de três anos que eu moro na Suíça, nem é tanto tempo assim para se dizer que a vida no exterior não causa mais surpresas, mas já é possível ter aquela sensação de se viver numa zona de conforto, num mar de tranquilidade diante da perspectiva daquele velho ditado do “começar de novo”, que toda experiência longe da nossa terra natal nos proporciona. Assim, o objetivo deste post é o de comprovar que ninguém está sozinho neste estranho mundo da adaptação ao estrangeiro, e a prova disso vem com a resenha que farei aqui do livro “The Trailing Spouse Reimagined – Stories of People Transported by Love”, de Adriana Quarck, Rylla Resler e Francesca Incocciati, respectivamente uma brasileira, uma americana e uma italiana que vivem há muitos anos na Suíça. E, quem já leu outros posts meus aqui no BMP sabe que eu sou uma fã curiosa de livros relacionados à Suíça e do mundo dos estrangeiros que vivem por aqui.
Bem, a proposta de “The Trailing Spouse Reimagined” é expor, por meio de mais de doze entrevistas com mulheres e homens que deixaram seus países e seus cotidianos a fim de acompanharem seus cônjuges em novas empreitadas profissionais na Suíça, como esssas pessoas fizeram para superar os primeiros desgastes culturais, as decepções, os desafios; e como cada delas com tão distintos históricos de vida se assemelham muito quando se trata simplesmente de olhar para frente, construir o futuro e deixar o papel de vítimas para trás.
Um dos pontos fortes do livro, ao meu ver, dá-se pelo fato de que as entrevistadoras conhecem o tema por suas próprias experiências pessoais e, com isso elas intercalam suas reflexões ao longo das narrativas de seus/suas convidado(a)s – e lentamente, os relatos vão mostrando a vida real de uma adaptação no exterior, ou seja, nessa leitura não espere encontrar aquela panacéia plastificada que muitas vezes surgem nas redes sociais onde, por trás de sorrisos postados em pontos turísticos, existe muita dor, silêncio e mágoas.
Com isso, ainda que mantendo o anonimato das pessoas, Adriana, Rylla e Francesca nos remetem àquelas pessoas que estavam no auge de suas carreiras e que chegaram à Suíça sem nenhum plano nas mãos; que se depararam com as tarefas domésticas e a solidão; que passaram apuros com a barreira da língua; que aceitaram trabalhos nos quais não tinham aptidão ou para os quais eram infinitamente super qualificados; que tiveram filhos ou estavam com bebês muito pequenos; que se defrontaram com doenças ou perdas na família enquanto estavam longe; que se separaram ou se casaram novamente na Suíça, enfim, que vivenciaram os ciclos normais da vida, com acréscimo de que tudo isso ocorreu num momento em que elas estavam longe de suas raízes, ou ao mesmo tempo em que se acostumavam com um novos hábitos.
Por mais complexos e profundos que sejam esses temas, as autoras de “The Trailing Spouse Reimagined” conseguem encontrar um equilíbrio entre a dramaticidade dos fatos – que envolvem a própria emancipação da mulher num país ainda refratário à muitas questões ligadas à independência feminina (sobre este tema leia aqui o texto “Como me tornei uma feminista na Suíça”) – e a leveza de que, apesar dos percalços, quando essas pessoas conseguiram ressignificar suas vidas tudo voltou a um eixo estável e protegido, porque segundo as autoras o que sempre esteve por trás de cada uma dessas odisséias era o amor tanto pelo cônjuge, quanto pelos filhos, pelos amigos e pela própria trajetória de vida de cada um daqueles indivíduos.
Marcou-me também que, ao final de cada uma das entrevistas, as pessoas eram instigadas a ponderar sobre quais conselhos dariam a elas mesmas se fosse possível olhar para trás, naqueles primeiros meses de adaptação turbulenta, e com isso confortarem seus ânimos e acalmarem-se diante dos seus erros. Esses trechos do livro, principalmente, vão e voltam à minha mente a todo momento, já que é muito penoso se expor dessa forma, utilizando a autocrítica com responsabilidade ao mesmo tempo em que você guarda a ternura das escolhas que cada um faz para si mesmo.
Este tipo de pergunta – que até pode causar um mal-estar nas pessoas que não toleram desaprovações – me vem à tona exatamente agora quando faltam poucos meses para que eu retorne ao meu país e deixe de ser uma “brasileira pelo mundo”… Então, o que eu poderia dizer sobre a minha experiência inicial na Suíça e o que eu aconselharia à mim mesma, se eu pudesse voltar no tempo? Primeiro de tudo, eu diria para não temer a viagem no sentido figurado da travessia, da passagem para dois mundos tão distintos que se conformam tanto no Brasil quanto na Suíça, pois apesar daquele desejo instintivo de voltar, quando você está aberto à tudo o que vem de novo, as chances de você se firmar e de explorar o mundo ao seu redor aumentam consideravelmente.
Depois, eu seria mais bondosa comigo mesma naquele primeiro ano de vida no exterior; eu me cobraria menos; eu não ficaria mais furiosa com os intermináveis trabalhos domésticos, com as caixas de mudança para desempacotar; eu não buscaria a todo custo ter um projeto profissional integral e mirabolante para mim; eu não me irritaria com os costumes locais e com um cotidiano não globalizado, enfim, eu aceitaria uma vida mais frugal e mais conectada com tudo aquilo que eu sempre fui, mas que as camadas e mais camadas de verniz social estavam me impedindo de viver e perceber. Quando o meu último véu social caiu, e eu me deparei comigo mesma, no meu silêncio e na minha liberdade, a Suíça se transformou, tornou-se algo como a esquina de casa lá do interior aonde eu passei a minha infância; e eu fiz de Basiléia a minha “Brasiléia”.
Aliás, como a originalidade desse termo não é minha! Deixo aqui a dica do Museu Brasilea, em Basel, que honrando o nome a que faz jus, oferece um paralelo da arte brasileira na Suíça, e está localizado num local muito especial às margens do Rio Reno. Veja aqui um video inspirador.
E, eu não poderia terminar este post sem deixar de dizer que a sororidade fez toda a diferença nestes três anos – o aprendizado com as novas amizades, com as mulheres que me apoiaram, que não me deixaram quieta num canto, que me trouxeram tantos insights e questionamentos – tudo, me ajudou a voltar à escrita feita de distintas formas, ao trabalho voluntário, aos direitos humanos, à meditação, à deixar de ser uma mãe super protetora, enfim, aos tempos sabáticos que eu tanto sonhava. Tanto que, algumas passagens dessas experiências estão aqui.
Obrigada por este ano de trocas que a escrita no BPM me proporcionou, afinal, foi inestimável para mim poder compartilhar com vocês as minhas anedotas e o meu olhar sobre a Suíça; e desejo que cada uma de nós continue a criar a sua própria “Brasiléia” aonde quer que estejamos – é com este espírito que eu levantarei âncora muito em breve, e buscarei um novo porto seguro.