Cinco problemas que a comunidade brasileira enfrenta no Japão.
Se tem uma coisa que eu consegui fazer muito bem nesses quatro anos de Japão, foi mergulhar profundamente nas questões que envolvem a comunidade brasileira. Esses problemas estão invisíveis para quem é de fora, incluindo os brasileiros que não vivem nas regiões onde se encontram a maioria dos conterrâneos.
Passei mais de três anos na cidade de Osaka, onde a comunidade brasileira não é expressiva e, mesmo assim, consegui me envolver com muitos casos, entrevistando famílias e investigando a situação de crianças como jornalista. Nos últimos meses, me mudei para a cidade de Hamamatsu, na província de Shizuoka, que abriga quase 10 mil brasileiros.
Vamos começar com algumas explicações para aqueles que não estão por dentro do assunto. A vinda de brasileiros para o Japão começou há quase 30 anos, quando a lei de imigração do país mudou e os descendentes de japoneses, que ganharam facilidade com o visto, vieram ao país em busca de trabalho e com a intenção de fazer um pé de meia antes de voltar ao Brasil.
Esses descendentes ficaram conhecidos como “decasséguis”, uma adaptação da palavra japonesa dekasegi (出稼ぎ) que se refere ao ato de sair de sua terra para juntar dinheiro em outro local. O fluxo migratório cresceu nos anos 1990, até atingir um pico de mais de 300 mil brasileiros. Porém, em 2008, a crise econômica mundial resultou na demissão da maioria dos brasileiros e o número de residentes caiu mais da metade.
No entanto, o número de brasileiros no Japão vem crescendo nos últimos anos e hoje a comunidade está na média de 200 mil pessoas. A maioria é descendente de segunda ou terceira geração, que vive em regiões de fábricas, onde o trabalho é intermediado por empreiteiras.
Muitos estão aqui há 10 ou 20 anos e não falam japonês, mas contam com as facilidades que a comunidade conquistou com o tempo (e depois de muito sofrimento). Em cidades como Hamamatsu, o idioma não chega a ser uma dificuldade, já que é possível encontrar intérpretes na prefeitura ou em hospitais. A cidade também possui placas em português nas ruas, avisos em português (relacionados ao lixo, por exemplo) e escolas brasileiras.
Toda essa facilidade não significa que a vida dos tupiniquins seja um mar de rosas. Os brasileiros enfrentam problemas relacionados a educação, ao trabalho, ao idioma e as diferenças culturais. Felizmente, a maioria desses problemas já chamou a atenção do governo e de instituições sem fins lucrativos, que realizam trabalhos com o objetivo de melhorar a vida das comunidades estrangeiras.
Mesmo assim, os problemas são antigos e alguns bastante graves, principalmente os que envolvem educação. Confira a lista abaixo.
Idioma
Viver em uma cidade dominada por brasileiros e com tantas facilidades de idioma faz parecer que não há necessidade de aprender japonês, mas a verdade é bem diferente disto.
Por mais que tenham intérpretes em alguns locais estratégicos, os brasileiros que não dominam o idioma estão sempre dependendo de ajuda, não conseguem ler avisos e ficam confusos ou angustiados quando um desastre acontece, como um terremoto, por não conseguir entender as informações oficiais nos noticiários ou emitidas pelas prefeituras.
A vida no Japão sem saber japonês também é bastante limitada. Utilizar um serviço requer ajuda de alguém que entenda ou o brasileiro fica limitado aos serviços oferecidos por outros brasileiros. O problema também limita as opções de emprego e as amizades, já que fica muito difícil socializar com os nativos.
Educação
Dava para fazer uma lista de 10 itens apenas para falar de educação. No caso das crianças, há dois cenários: o dos pequenos que “emudeceram” o português e dos brasileirinhos que sofrem nas escolas japonesas. O primeiro caso se refere aos brasileiros que nasceram no Japão, aprenderam português em casa, mas “desaprenderam” depois de entrar na escola japonesa.
Essas crianças geralmente entendem o português dos pais, mas não falam. Isto gera problemas de comunicação nas famílias e confusão mental para as crianças. Já os pequenos que nasceram no Brasil, estudaram alguns anos e vieram ao Japão, enfrentam um problema inverso: eles são jogados na escola japonesa sem saber o idioma, tem dificuldade de aprendizado, não conseguem fazer amigos, sofrem com as diferenças e as vezes são tratados como autistas, mesmo sem ter o transtorno.
A educação também é problema para os adultos. Muitos vieram ao Japão apenas com o ensino médio ou sem cursar o ensino médio e entraram nas fábricas. Sem saber o idioma e com a rotina intensa de trabalho, é difícil continuar os estudos. Alguns jovens acabaram rumando para o mesmo caminho, largando a escola para entrar nas fábricas e reduzindo as oportunidades de fazer um curso superior.
Discriminação
A discriminação não é um problema apenas dos brasileiros, mas dos estrangeiros no geral, que enfrentam o fato de que o Japão ainda tenta se manter alheio as influências do exterior. Ainda há estabelecimentos que não aceitam clientes estrangeiros e os residentes “de fora” possuem muita dificuldade de alugar apartamento, pois muitos proprietários não querem inquilinos não-japoneses.
Leia também: Discriminação contra brasileiros no Japão
A questão pessoal dos brasileiros está mais presente nas cidades onde a população já se acostumou com os tupiniquins. Brasileiros são alegres e “barulhentos” por natureza, possuem dificuldade em separar o lixo e em compreender algumas regras dos japoneses e, obviamente, isto gera confusão e as vezes deixa uma impressão nada agradável entre os nativos.
Dificuldades com as regras
E por falar em regras, vamos lá. O Japão adora regras, elas estão por todos os lados e muitas vezes são invisíveis. As regras são tão importantes que os japoneses não atravessam no sinal vermelho mesmo se a rua estiver deserta e ninguém se atreve a tomar banho de mar em junho, mesmo que esteja 40°C, pois a temporada inicia apenas em julho.
Para os brasileiros é difícil entender regras que eles nunca ouviram falar no Brasil e que muitas vezes se quer parecem fazer sentido. Como um amigo jornalista costuma dizer “todo o ano morre brasileiro na praia de Hamamatsu, não adianta colocar placa em português dizendo que é proibido entrar no mar, eles entram”.
A falta de obediência às regras pode gerar acidentes graves e também problemas com os nativos. Mas, por outro lado, acho que os brasileiros também podem mostrar para os japoneses que “afrouxar” as rédeas de vez em quando faz muito bem e viver com tantas regras pode tornar a vida profundamente estressante.
Questões trabalhistas
Como jornalista de uma revista feita para a comunidade, eu acompanho muitas mensagens de leitores que envolvem questões trabalhistas. Infelizmente, não são poucos os casos de brasileiros enganados nas fábricas, que não tomam medidas de segurança em trabalhos arriscados por não entenderem as orientações, ou que não recebem os benefícios que tem direito após um acidente de trabalho.
Estamos sempre tentando orientar esses casos através de reportagens específicas ou encaminhar para órgãos que prestam este serviço de orientação. De qualquer forma, informação é sempre a melhor saída para solucionar os problemas e se for considerar todas as melhorias nessas 30 décadas, podemos acreditar que muitas dessas questões serão resolvidas com o tempo e é claro, com o crescimento da comunidade.
4 Comments
E os problemas que os japoneses enfrentam por causa dos brasileiros indisciplinados e malandros?
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/06/150518_decassegui_violencia_et_lab
Obrigada pela esclarecedora reportagem. Estou estudando essa parte social brasileira no Japão e quem sabe não te procuro novamente para uma troca de ideias.
Gostei do post. Poderia fazer uma matéria específica sobre a questão escolar das crianças, brasileiras e também surgiu outra curiosidade: como as fábricas, empregadores japoneses lidam com a questão da mulher que é mãe, sei que existe “ajuda” do governo para quem tem filhos, mas e os patrões? Enxergam com bons olhos a funcionária que tem filhos e quer continuar a trabalhar?
Obrigada pela sua mensagem Hatsumi, falarei sobre as crianças brasileiras na próxima coluna!