Depois de quase quatro anos morando no Japão, fui atingida por um choque de realidade. Sou muito mais brasileira hoje do que eu era há alguns anos, quando sai com 22 anos da casa dos meus pais, no Rio Grande do Sul, para conquistar a minha independência nas terras nipônicas.
“Mais brasileira? Como assim?”, vocês provavelmente devem estar se perguntando. Tenho certeza que esse processo aconteceu com muita gente que foi para o exterior e vai acontecer ainda com muitos que carregam o sonho de deixar o Brasil.
Antes que alguém pergunte, não, isto não significa um desejo de voltar correndo para casa e ficar por lá. Apenas significa que nós saímos do Brasil, mas não necessariamente o Brasil sai de nós, e muitas vezes é preciso viver uma experiência em terras distantes para dar um pouco de valor às nossas próprias origens.
Eu nunca fiz o tipo patriota. Fiquei no Brasil até terminar a faculdade e nos meus anos de adolescência e início da vida adulta, eu era do tipo que torcia o nariz para comer feijão, odiava ouvir um samba ou pagode, queria desaparecer durante o Carnaval e ficava extremamente mal-humorada com as comemorações após vitórias de times de futebol.
Eu era extremamente crítica com a cultura do “pão e circo”, me incomodava profundamente com a situação política do Brasil e sentia uma dor profunda em ver a miséria do serviço público, enquanto tantos outros países apresentavam condições bem melhores para fazer a vida.
E é fato, ainda sou crítica do “pão e circo”, ainda sinto dor com relação ao governo brasileiro e ainda sonho em ver o Brasil crescendo de verdade e se desenvolvendo, se tornando um país com menos desigualdade, menos criminalidade e mais educação de qualidade.
Vir ao Japão não fez a minha essência mudar, mas mudou a minha opinião sobre muitas coisas que eu rejeitava, aprendi a ser mais brasileira, a valorizar a minha cultura de berço e a sentir orgulho de ser quem eu sou. De uma forma ou de outra, posso dizer que o Japão curou a minha síndrome de vira-lata e fez de mim uma defensora do país tupiniquim.
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Namoro um sueco há dois anos e nós vivemos em uma competição nacionalista, um apresentando ao outro as coisas boas de seu país. Não dá para o Brasil ganhar da Suécia por razões óbvias, mas eu não canso de mostrar a ele as belezas das praias brasileiras, o quanto a nossa comida é maravilhosa e o quanto os brasileiros são calorosos, carinhosos e atenciosos.
Vou listar aqui o que mudou em mim, como o Japão contribuiu para isso e o que eu acho que de fato aconteceu. Com outra mentalidade, hoje, só consigo me sentir grata ao Japão e em paz comigo mesma, pois não rejeito minhas raízes e guardo o meu coração brasileiro com muito orgulho e carinho.
Cultura brasileira
Quase ninguém percebe, quando nos mudamos para um país estrangeiro, ocorre um processo repentino de cortar o cordão umbilical com o país de origem. Estávamos acostumados com um tipo de alimentação, um padrão de comportamento, pessoas e lugares familiares. De repente, nos vemos cercados por um ambiente onde ninguém fala a nossa língua, ninguém se alimenta como a gente, ninguém se comporta como esperávamos.
É como nascer de novo de forma traumática e sem uma família para se apoiar. Os amigos passam a ser todos recentes e as relações superficiais. Ninguém ao redor te conhece há anos, não há um lugar para sentir-se em casa, na proteção do lar e das pessoas que amamos.
Depois de um tempo morando no Japão e vivendo no estilo japonês, eu passei a me esforçar para resgatar a cultura brasileira dentro de mim. Hoje eu tenho farofa, lentilha e feijão congelado em casa. Não recuso um convite para comer em um restaurante ou churrascaria brasileira e me sinto muito feliz com as oportunidades de falar português, qualquer estranho vira melhor amigo, desde que seja brasileiro como eu.
Antes eu fugia do Carnaval, hoje vou com alegria quando há um evento brasileiro na cidade. Fugia da música, hoje acho divertido ouvir um samba em um restaurante, entrar numa loja e perceber que está tocando bossa nova. Quanto ao futebol, me desculpem, continuo com a mesma intolerância do passado (risos).
Diplomacia
É difícil manter uma imagem positiva do Brasil quando os próprios brasileiros, na sua maioria, são dominados pela síndrome de vira-lata – acham que vivem em um país inferior no mundo. Eu sei, o Brasil não é o melhor lugar para se viver, mas nós brasileiros temos uma miscigenação incrível, uma cultura e um jeito leve de ser e devemos nos orgulhar por tudo de bom que nasceu nas nossas terras.
Finalmente curada do meu “viralatismo”, hoje sou defensora das minhas origens e faço isso com muito orgulho. Quando conheço japoneses e estrangeiros, falo bem do meu país, das nossas conquistas, das coisas boas que temos. Não foco na violência ou nos problemas sociais, afinal não estaria contribuindo com nada de bom se me comportasse de forma negativa.
Saudades da terra
Como disse no início, ser mais brasileira hoje não me faz querer largar tudo e voltar. Estou seguindo minha vida do jeito que escolhi, tenho muitos desafios para vencer aqui e sei o quanto o Japão contribuiu e ainda vai contribuir com o meu crescimento pessoal. Mas agora eu não me desapego do Brasil por estar longe. Faço questão de acompanhar as notícias do país, estar por dentro do que acontece e ficar na torcida para ver notícias boas, que mostrem que o Brasil pode estar evoluindo e mudando (algo infelizmente raro de se ver).
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Nas raras oportunidades que tenho de voltar para a casa, sou tomada pela alegria de viver, mais uma vez, um pouco do que vivi nas duas primeiras décadas de vida. Ver os velhos amigos, ir nos restaurantes preferidos, desfilar com um chinelo havaianas nos pés, brincar com o cão da família, abraçar cada pessoa que morro de saudades.
Se eu ainda estivesse lá, poderia continuar mal-humorada e sem valorizar as coisas ao meu redor. Vir morar no exterior me fez abrir mão de muitas coisas essenciais que eram óbvias e eu não percebia. Hoje, faço questão de ser brasileira, sim, e convido a cada um que está no exterior a refletir afinal, negar as raízes e querer deixar o Brasil para trás não faz de ninguém uma pessoa melhor.
4 Comments
É exatamente como me sinto hoje. E defendo muito o brasil dos brasileiros que continuam la, negativos com o brasil. Tento mostrar q temos mta coisa boa sim, nos que temos que aprender a valorizar.
Oi Tabata, concordo com vc! Falar coisas negativas do Brasil não ajudam em nada né? Só piora a nossa imagem e a nossa autoestima como brasileiros.
Me vi muuuuuito no seu texto. Parabens! Expressou bem o sentimento de quem saiu do Brasil, mas nao deixou o Brasil sair de si.. grande abraco.
Eu já morei 1 ano e meio fora do Brasil. Antes de sair, eu nunca fui dessxs que só fala mal do Brasil. Acho que eu era meio neutra. Mas depois que sai, tive exatamente o mesmo sentimento que você… Saindo do Brasil, a gente dá muito mais valor ao povo brasileiro, a cultura, ao clima maravilhoso que temos (e diga-se de passagem, que os gringos moooooorrem de inveja). Temos uma das maiores reservas naturais do mundo. Não precisamos importar nada de primeira necessidade do exterior. O que plantamos aqui, cresce. As vezes, não temos essa noção sem sair do país. Do quanto somos abençoados e do quanto devemos agradecer por sermos brasileiros. Claro que não temos o melhor país do mundo, tem tanta coisa pra melhorar que as vezes desanimo quando começo a pensar. Mas é exatamente isso que você disse… se não não formos positivos e enaltecermos esse país maravilhoso que temos, quem fará por nós? Vida longa ao nosso amado e gigante Brasil! Obrigada por compartilhar esse texto! Mesmo!