Dia 13 de março eu voltava de uma viagem maravilhosa ao interior do país. Conheci as geleiras, fiz trecking (ok, subi uma montanha sem roupa e calçado apropriados) e me apaixonei por uma cidade pequena e super charmosa. Uma cidade cheia de turistas e zero protocolo, já que pouco se falava do Novo Coronavírus na Argentina.
Aliás, isso era algo distante e que não cruzaria fronteiras. Porém, já em casa e gripada, pedi para trabalhar remoto e assim estou até hoje, pois na semana seguinte recomendaram que todos ficássemos trabalhando em casa e o Presidente decretou a quarentena.
Isolamento social preventivo e obrigatório
No início eu pensei “Ok, vamos lá. Nos cuidamos entre todos e isso vai passar“. O governo lançou programas de ajuda financeira para os que ficaram sem qualquer renda, contribuição de 50% do salário para os trabalhadores de empresas cujo ramo foi diretamente afetado e proibiu demissões e suspensões, decreto que poucos empresários cumpriram. No caso dos aluguéis, proibiu despejos por falta de pagamento enquanto dure a quarentena e endureceu as leis e controles sobre os contratos. Passavam as semanas e todos comentavam o caso argentino que deu certo, com poucos contágios e mortes e um Estado presente que agiu cedo, fazendo de tudo para que as pessoas ficassem em casa.
A outra história argentina
A vida na Argentina não melhorou depois que escrevi este texto, portanto não é difícil imaginar que com a atividade econômica paralisada, a ajuda do governo para estes meses não seria suficiente. Começaram a questionar se, com os números controlados desse momento, valia a pena seguir com uma quarentena restrita.
Chegaram pressões de todos lados por algum plano de abertura, porque sinceramente parecia que a ideia do Comitê de Especialistas era ficar em casa até chegar a vacina como se não houvessem consequências em outros setores do país.
À medida que o comércio e algumas atividades foram abrindo, os contágios foram aumentando e infelizmente as mortes também. Como eu cumpro religiosamente a quarentena, pergunto: se ficamos tantos meses em casa para proteger e melhorar o sistema de saúde, onde então foi a falha? Ainda fazemos poucos testes e não isolamos os casos como deveriam. O que fizeram com o nosso tempo?
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De repente passamos de ser exemplo a ser um fracasso. O governo admitiu que não existe mais quarentena e sim distanciamento social, mas a verdade é que os muitas atividades ainda não voltaram como cinemas, teatros e academias, entre outras.
Os shoppings abriram com horário reduzido depois de 7 meses porque se aproxima o dia das mães aqui. Aeroportos operam somente para voos internos e apenas para atividades essenciais comprovadas e as fronteiras estão fechadas.
Turismo tanto externo quanto interno, não existe. Os restaurantes que podem, trabalham com Take Away e Take Away Plus, que nada mais é do que comer na calçada ou espaço externo com todos os protocolos e com limite de 4 pessoas por mesa, se não são do grupo familiar convivente. Apesar de parecer que o foco agora é a economia, nem o recente acordo da dívida externa, maior vitória do governo até aqui, parece melhorar os ânimos do mercado.
Pode piorar?
A Argentina hoje está subindo posições no triste ranking de países com mais casos e mortes no mundo e não vemos sinal de melhora em matéria sanitária. Se falamos de economia, seguem as más notícias: aumento das restrições para compra de dólares, inflação e o desemprego que só aumentam, e os indicadores sociais são cada vez piores já que, segundo última medição do INDEC (Instituto Nacional de Estatísticas e Censos), 40.9% dos argentinos estão na pobreza.
As confusões e discórdias políticas me fazem pensar que as prioridades dos que decidem sobre nosso futuro não são as necessidades urgentes do povo. A Covid-19 jogou uma luz sobre o quanto o país vem sendo mal administrado há anos.
Trabalho não registrado, falta de profissionais da saúde para o combate ao vírus e atraso tecnológico (já que muitas empresas não conseguiram ou demoraram colocar seus funcionários em modo remoto) e leis obsoletas só pra citar alguns problemas.
Com o crescente descontentamento social, o povo tem ido às ruas reclamar vários direitos, mas a verdade é que ninguém quer sofrer a pior perda que esse vírus trouxe e realmente tem sido muito complicado aceitar que a vida já não será como antes.