Os primeiros casos de coronavírus nas Ilhas Maldivas foram anunciados no dia 7 de março; dois expatriados que trabalhavam em um dos muitos resorts daqui. Foi descoberto que eles tiveram contato com um italiano que testou positivo ao retornar à Itália. O governo agiu rapidamente colocando a ilha em lockdown, passando a monitorar todos os hóspedes e funcionários do resort.
Logo começaram a surgir casos suspeitos em outros resorts, e no dia 12 de março foi decretado, pela primeira vez na história do país, estado de emergência em saúde pública. Medidas de restrições de viagem entre as ilhas foram impostas, mas os turistas continuaram entrando. Logo as escolas e universidades foram fechadas.
Em meados de março, alguns países começam a pedir que seus cidadãos retornassem aos seus países o mais rápido possível. A grande maioria conseguiu embarcar a tempo, mas muitos acabaram ficando literalmente ilhados aqui quando os voos começaram a ser cancelados.
Até o dia 14 de abril, com apenas 20 casos confirmados e somente 4 ainda ativos, a situação parecia completamente controlada. Todos os voos comerciais já haviam sido cancelados, e somente voos de repatriação estavam entrando no país. Como precaução todas as pessoas estavam sendo submetidas a uma quarentena compulsória de 14 dias em um dos locais designados pelo governo.
Focos de transmissão em Malé
Mas eis que no dia 15 de abril acontece o que todos nós temíamos: o primeiro caso de transmissão local em Malé. Até então todas as pessoas que haviam sido diagnosticadas com COVID19 haviam sido contaminadas em resorts, ou então eram casos de maldivianos repatriados que estavam trazendo o vírus de outros países. Aqui inclusive, demorou até termos o primeiro maldiviano com COVID19, e parte da população chegou a acreditar que talvez fossem imunes ao vírus. A partir desse momento o problema se agravou muito.
Malé é uma das capitais mais densamente povoadas do mundo! Imagine uma ilha com pouco mais de 9km2 e uma população de mais de 133 mil habitantes. E é uma ilha que não tem nada do glamour que nós vemos nas revistas de turismo. São inúmeros edifícios, ruas estreitas e um trânsito de cidade grande. Muitos imigrantes, principalmente do Bangladesh, Sri Lanka e India, vivem em situação precária, dividindo um pequeno quarto com muitas pessoas. Ou seja, condições mais que perfeitas para que o vírus se espalhasse rapidamente.
O governo logo iniciou o rastreamento de todos os contatos desse primeiro caso de transmissão local, e descobriu-se que em apenas cinco dias (tempo estimado entre a contaminação e a procura por atendimento) essa pessoa teve contado com mais de 200 pessoas. E a partir daí podemos estimar que dessas 200 pessoas algumas foram infectadas e já transmitiram o vírus para outras muitas pessoas. Já foram detectados diferentes focos de transmissão na cidade e esses grupos estão sendo monitorados. Agora já existem casos aparecendo em outras ilhas locais; a situação realmente é preocupante.
Hoje, dia 2 de maio, quando escrevo esse artigo, já são 514 casos, somente 17 recuperados e uma morte. E os números continuam aumentando diariamente; sendo a maioria dos novos casos na capital.
Economia
Não vou entrar em detalhes em relação às medidas econômicas que o país vem adotando, mas gostaria de salientar que a economia do país gira em torno do turismo. Sem turistas e com resorts fechados não há fonte de renda, salvo poucos que ainda sobrevivem da pesca. Por isso acredito que não tenha sido fácil fechar as fronteiras, mas o governo vem desde cedo priorizando a vida. No momento, ouço conversas sobre uma possível reabertura parcial em meados de julho, com retorno às atividades turísticas em outubro. Por enquanto são apenas especulações, pois não há como prever o que ainda vem pela frente. As decisões serão tomadas de acordo com a desaceleração e controle da doença.
E a vida nos resorts?
Eu continuo no resort onde trabalho, e por enquanto me sinto segura aqui, mas assim como a rotina de milhões de outras pessoas espalhadas pelo mundo, a nossa também mudou bastante.
Como já quase não há turistas, estamos trabalhando em reformas, manutenção e limpeza da ilha e do resort. Alguns poucos funcionários ainda mantém as suas funções, pois ainda temos 4 hóspedes que não conseguiram retornar aos seus países antes desses fecharem as fronteiras. Estima-se que há ainda cerca de 500 turistas espalhados por vários resorts aqui nas Maldivas. A maioria impossibilitada de retornar aos seus países de origem, e alguns que decidiram permanecer aqui por se sentirem mais seguros dentro do confinamento luxuoso de um resort nas Maldivas. Os dois casais que ainda permanecem aqui conosco, estão aqui há mais de um mês e meio. Imagino que para os abastados a situação não seja nada má, dias de sol e tranquilidade em um dos destinos mais paradisíacos no mundo. No entanto para outros, esses devem ser dias de muita angústia, pensando na enorme dívida que terão pela frente, afinal um resort nas Maldivas não é barato nem em tempos de pandemia.
Eu sigo acompanhando as notícias e tentando controlar a ansiedade. Não é fácil estar longe da família numa hora desses, a sensação é de extrema impotência. Sei que estou em posição privilegiada, tendo o mar como refúgio e não estando confinada entre quatro paredes como a maioria dos meus familiares e amigos. Assim como todos vocês espero que tudo isso passe o mais rápido possível. Seguimos com esperança, porque é o que nos resta. Termino com um apelo aos que puderem, por favor, respeitem a quarentena e fiquem em casa, por amor à sua vida e à do próximo.
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Foto: acervo pessoal