Já viu?
Eu já. Terminei de ver no fim de semana passado. Não achei incrível nem nada parecido, mas valeu para passar o tempo nesta quarentena que não termina nunca – Corrientes recentemente retrocedeu de fase e mais uma vez tivemos que ficar trancados em casa por dias 🙁
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Mas por que mesmo te fiz essa pergunta? Porque por aqui essa minissérie está fazendo um sucesso tremendo. Tem semanas que é um dos programas mais vistos na plataforma de streaming. . . e tudo isso graças ao fato de que a atriz principal Anya Taylor-Joy viveu durante sua infância uns anos em Buenos Aires.
Eu sou a última bolachinha do pacote
É provável que você já tenha ouvido falar na fama que o argentino tem de “se achar a última bolachinha do pacote”, não?
Sem dúvida – na minha opinião – essa fama tem fundamento. No entanto, eu corrigiria, em vez de argentino, eu diria porteño.
Embora os argentinos levem toda a culpa, é o estilo do porteño* (quem nasceu na cidade de Buenos Aires) que mais contribui para o estereótipo do “típico argentino” conhecido no Brasil.
* Óbvio que não se pode generalizar, nem todos os porteños são assim. Do mesmo modo que nem todos os brasileiros nasceram no Rio, comem feijoada, dançam samba, pulam carnaval e jogam futebol.
Fenômeno Anya Taylor-Joy
Desde que a série estreou não se fala de outra coisa se não dessa jovem atriz que – apesar de ter nascido em Miami – fala perfeitamente castelhano, adora empanadas e churros com dulce de leche e vem visitar Buenos Aires de vez em quando.
Ainda que isso não fosse o bastante, agora os jornais também falam do pai da atriz. Quem é. O que faz.
Como foi sua passagem por Buenos Aires, seus amigos, seus adversários, seus prêmios…
Família Taylor, morte do Maradona (foi negligência ou não?), coronavírus (e a dupla pandemia & quarentena) e votação da lei de descriminalização do aborto é só o que se vê, escuta e fala por aqui, nesses dias.
Um país que deu certo
Certamente não é de hoje que venho observando uma necessidade de mostrar os argentinos que “deram certo”. Talvez para inspirar a outros, ou talvez para disfarçar a realidade de que a Argentina não é o país que todos acreditam que é.
E que país é esse, então?
Antes de mais nada, deixo claro que é só a minha opinião baseada na minha experiência por aqui.
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Mesmo com grande parte das pessoas “se achando”, aos meus olhos, a Argentina se mostrou um país bastante burocrático e pouco eficiente. Apesar de extenso, tudo está centralizado em Buenos Aires.
Não há conexão cultural, comercial, nem aérea entre as províncias. Por importar quase tudo, paga-se muito por produtos de baixa qualidade.
E como as regras mudam rapidamente e sem aviso prévio, o que se conseguiu antes, amanhã pode ser que não se consiga mais.
Conclusão – a Argentina dos edifícios de estilo parisino, dos cafés em cada esquina, dos restaurantes de carne de primeira qualidade e dos parques arborizados é só um pequeno recorte de alguns bairros caros de Buenos Aires.
E as montanhas cobertas de neve com resorts incríveis e estações de esqui, outro recorte de Bariloche e de Mendoza.
As notícias que chegam ao Brasil
Outro dia desses estava lendo notícias do Brasil quando vejo um artigo elogiando a Argentina pelo plano de vacinação contra o coronavírus, por aprovar uma lei que taxa grandes fortunas e por discutir a descriminalização do aborto.
Fiquei surpresa.
Embora seja verdade que aqui se fala em um plano de vacinação, que se tenha aprovado um imposto de riqueza e há anos se fale em descriminalizar o aborto, estamos longe, bem longe, de resolver esses problemas.
Como disse anteriormente, a infraestrutura argentina é bastante desorganizada em questões básicas, como emissão de documentos. Imagina na implementação de um plano de vacinação pelo qual todos estão aguardando ansiosamente?
Quanto à lei que taxa grandes fortunas tenho ressalvas.
Primeiramente, gostaria de explicar que, por mais absurdo que pareça, mesmo com uma das taxas mais altas de inflação do planeta, o governo a ignora completamente e mantém os índices de imposto de renda iguais, ano após ano.
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Ao meu ver é de propósito para alcançar cada vez mais contribuintes. Portanto, se isso acontecer também com esse novo imposto, pessoas que nem têm fortunas tão grandes assim acabarão pagando a conta.
Sem falar na situação em que estamos de quarentena eterna com aumento de desemprego e empresas multinacionais saindo do país. Não sei se este era o melhor momento para afugentar a quem poderia investir no país.
Enquanto a discussão descriminaliza ou não, o aborto apenas começou. Por mais que os argumentos apresentados sejam válidos, a maioria dos argentinos é católica e sabemos que a religião tem um peso importante neste tema.
Mesmo sabendo que abortos acontecem e que mulheres morrem, os lenços verdes e azuis, vistos pelas cidades do país, não mostram indícios de que chegarão logo a um acordo.