Da Romênia para Portugal – Adaptação em um novo país.
E chegamos em Portugal! Instalados em nosso novo lar, desfizemos as malas, desempacotamos os móveis, fizemos as primeiras compras para a casa e, sem amarras e de boa vontade, abrimos nossas vidas para o que as terras portuguesas nos trarão.
Sim, muito promissor e inspirador. Mesmo quando despidos das idealizações que gente escolada em se mudar termina perdendo pelo caminho, o perfume da vida pseudo nova traz sempre um cheiro fresco. Esse aroma costuma ser leve, amortecendo qualquer chegada e jogando a parte dura para daqui a pouco, quando a vida velha pede passagem para continuar em um mundo ainda desconhecido, percorrido meio às cegas, com algum nível de desorientação.
Tem quem mal assente acampamento e já pretenda dominar a área, na expectativa por vezes frustrada de voltar a ter seus rumos imediatamente sob controle. Conto uma vertente dessa estória, ao falar sobre carreira profissional na vida de expatriada. Já fiz isso, ou tentei e, como não funciona tão bem, agora dou-me o respiro de adaptar-me, sem pressas que não dependem de mim ou cobranças além de minhas possibilidades.
Integrar-se a um país estrangeiro é um período de passagem imposto a qualquer recém-chegado e exige a paciência nem sempre encontrada entre as caixas da mudança. É preciso recomeçar do zero, tudo, guiados pelo GPS da vida na direção de endereços desconhecidos; na procura de afinidades e sinais de amizade entre gente nunca antes vista; na burocracia em busca de vistos que nos permitam trabalhar ou mesmo ganhar o simples título de residente e o direito de permanecer em nossa nova morada, por tempo maior do que o permitido pelo visto de turista. A lista do que há a ser refeito é longa e nem sempre simples.
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O que será que facilita ou dificulta esse processo de adaptar-se a um novo país? Algumas ideias surgiram ao partilhar certas lições aprendidas durante a expatriação. Mas, melhor detalhando, por mais pessoal que essa experiência possa ser, pensei nas nuanças de diferentes adaptações, contrapondo, especialmente, as mais recentes. O que diferiu da minha adaptação na Romênia, há dois anos, com esta agora, em Portugal? Cheguei a algumas conclusões. Vamos a elas!
Culturas similares
Após ter vivido em um país essencialmente estrangeiro, Portugal me dá o confortável sentimento de ter chegado em casa. E digo isso porque, apesar de diferentes, nossas culturas têm vários e inegáveis pontos de toque que remontam não apenas ao passado colonial, mas também aos laços econômicos e culturais mantidos de forma contínua entre nações diplomaticamente tratadas como irmãs.
Da facilidade em encontrarmos produtos brasileiros, cortes de carne “à brasileira”, sem esquecer dos sabores da culinária local, principalmente quando falamos dos frutos do mar preparados e temperados no Sul e Sudeste do país de maneira praticamente igual à do nosso Nordeste; passando por artistas nossos, sejam eles cantores, atores, escritores que fazem sucesso neste pedaço do mundo e, o mais importante, a cortesia e a hospitalidade tão características da nossa gente e também encontradas por essas bandas, facilita, muito, a imersão no cotidiano português.
No contexto das duas adaptações, por mais que a Romênia reivindique sua ascendência latina, existe uma distância imensa em termos de costumes entre o leste e o sul da Europa. Se tive dificuldades em me adaptar aos modos romenos, posso afirmar que o jeito português não me causa estranhamento algum, ao contrário, acolhe-me.
A Ana Tavela compartilha experiência semelhante, ao contar como encontrou o Brasil em Portugal.
A língua
Claro, nada disso seria possível sem compartilharmos o mesmo idioma. Muda o sotaque, esqueçamos o gerúndio; mudam expressões e também os nomes de algumas coisas: canudo é palhinha, trem é comboio e bunda, rabo (!), mas o “vernáculo” segue o mesmo e nada se compara à possibilidade de nos expressarmos em nossa língua materna.
Portugal anda inundado por turistas. Pois bem, se estou numa fila de compras, atrás de algum grupo de estrangeiros faladores de outra coisa, basta chegar a minha vez para quem quer que esteja por trás do balcão voltar a falar português, ou seja, eles sabem, de alguma maneira, que falamos a mesma língua e esse reconhecimento corriqueiro, no meio da multidão, dá-me o gosto de fazer parte do grupo.
A Lyria Reis faz uma reflexão interessante sobre a língua portuguesa, falada pelos dois países.
Cheguei na Romênia sem nunca ter ouvido uma palavra em romeno. A estranheza é natural e se não fosse certa facilidade em encontrar fluentes em inglês e francês, o que já foi difícil teria sido mais duro.
Falar a língua local, diria eu, é o primeiro aproximador. Estou deliciada em voltar a falar português todo dia, mas essa aproximação já é sentida ao manejarmos, com certa fluência, o idioma de nossos anfitriões, seja ele qual for.
Quer uma prova? A Viviane Naves, fluente em espanhol, mudou-se de Lima para Havana e tem se sentido em casa, como conta ao compartilhar conosco a sua chegada em Havana.
Facilitadores
Pelas relações estreitas entre os dois países, algumas questões burocráticas se tornam menos complicadas. Darei dois exemplos, o primeiro deles, a possibilidade do cidadão brasileiro com residência em Portugal tirar a carteira de motorista portuguesa, sem precisar submeter-se a testes, desde que respeitados prazos e requisitos legais.
A Priscila Maranhão nos explica mais sobre como trocar a carteira de motorista em Portugal.
E o segundo é a possibilidade do advogado brasileiro se inscrever na ordem portuguesa, tema já abordado pela Adriana Couto.
Rotas aéreas para o Brasil
Sem voo direto para o Brasil, Bucareste é o oposto de Lisboa, que oferece linhas diárias para diferentes capitais brasileiras. Sim, esse detalhe ajuda também. Seja na tristeza de doenças e falecimentos que pedem a nossa presença ou na alegria de receber amigos e familiares com maior facilidade e menor custo, o tipo de ligação aérea existente costuma ser bastante útil durante essas idas e vindas.
A sensação de pertencer
Na Romênia, eu era a moça exótica vinda de um país quente e distante. Com cerca de 200 brasileiros inscritos na Embaixada, em Bucareste, não me impressionava a surpresa de muitos ao descobrirem sobre a minha nacionalidade. Já em Portugal, sou apenas mais uma, em meio de mais de 100.000 imigrantes brasileiros. Entendem a razão de não me sentir estrangeira por essas paragens? E digo-lhes, é muito bom voltar, de alguma forma, a pertencer, encontrando paralelos entre esses dois povos além da língua e da história compartilhadas.
Resumindo o dito com uma estória curta, dia desses, após um almoço tranquilo de domingo, fomos visitar o Cabo da Roca, ponto mais ocidental do continente europeu. No monumento em meio às belas falésias, abrem-se aspas para Camões :
Aqui onde a terra se acaba e o mar começa
Cerca de 5.736 km, em linha reta por esse mesmo mar, chega-se à Ponta dos Seixas, o ponto mais oriental do continente americano. A casa da minha avó, neta de portugueses, lá em Recife, fica a 126 km do Seixas. Se esticar a mão mais um pouquinho, consigo tocar a dela.
4 Comments
muito bacana e muito útil teu artigo.
Obrigada, Solom!
Olá. Fiz um comentário em outro artigo seu pedindo informações, você me passou este link e aqui estou.
Obrigado pela atenção e por me responder tão gentilmente. Neste artigo, além das boas informações, percebi que sua redação é quase poética, uma delícia de ler. Parabéns e obrigado, mais uma vez.
Que bom ler isso, muito obrigada, Nestor, e espero ter sido útil! Abraços