Roteiro pelo Marrocos: Marrakech antes do Saara
Os meus olhos têm andando muito, aprendido também, e os mais vividos hão de me entender que para olhos peregrinos: “Uau, nunca vi isso!” torna-se uma exclamação rara, até que você decide fazer um trekking no meio do Saara e não é que os olhos já rodados transbordam? De puro deslumbre pelo nunca antes visto. O texto de hoje conta a 1ª parte desta história.
O Marrocos
Há 1 hora e 15 minutos de avião de Lisboa, Marrakech está ao lado. O meu marido já tinha se arriscado por lá algumas vezes e, vira e mexe, partilhava experiências entre o pitoresco e o aventuroso que alimentavam minha imaginação e cutucavam a curiosidade. A Páscoa logo chegaria e queríamos passar o feriado em um destino quente, longe dos centros urbanos. Com a proximidade da capital portuguesa, era isso mesmo: tinha chegado a vez do Marrocos.
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Roteiro Pelo Marrocos
O Marrocos pode ser facilmente visitado no conforto de uma 4×4, e não faltam roteiros com sugestões de cidades e vilarejos lindos, distantes quilômetros uns dos outros, o que nos deu a sensação de que as paradas seriam meras pausas e a viagem feita na passividade do banco de passageiros. Não era isso o que buscávamos. Queríamos experimentar mais, chegar o mais perto possível de uma realidade diferente da nossa. O mundo anda tão padronizado e as filas para entrar em monumentos, tão massacrantes e longas, que procurávamos algo único, capaz de cumprir a promessa das grandes viagens aos seus tripulantes: percam-se, encantem-se e achem a saída para sempre voltarem! Como trilhas e longas caminhadas é um gosto compartilhado pelo casal, e ideia do trekking no meio do deserto veio em bom momento. Fomos ao seu encontro.
A Preparação
O nosso roteiro foi montado pela Moroccan Ventures e contamos com a experiência deles para planejar a mala, afinal, quando se pretende passar dias no meio do nada, você quer a certeza de que terá tudo que precisa, em tamanho e quantidade suficientes para caberem na mochila.
No deserto, há grande variação de temperatura. Os dias são escaldantes, mas as noites costumam ser frias, podendo nos meses do inverno chegar a 0º. Dormindo em barracas de acampamento, é importante levar o agasalho apropriado. No nosso caso, em abril, pegamos cerca de 30º durante o dia e uns 10º à noite.
Outra dica importante foi a de comprar no Souk da Medina, ainda em Marrakech, o longo lenço usado pelos africanos do norte, chamado tagelmust. Foi o item mais útil da viagem. Usamos diariamente durante a caminhada e rapidinho aprendemos a amarrá-lo em volta dos cabelos, deixando pano suficiente para um longo véu. O tagelmust protege a cabeça do sol e a sobra do pano pode ser enrolada no rosto, cobrindo nariz e boca durante as tempestades de vento. Foi assim, na prática e com areia nos olhos, andando contra o vendaval, que aprendemos que o véu é usado tanto por mulheres quanto por homens, possuindo finalidade mais funcional do que a religiosa.
Falando em religião, o Marrocos é um país muçulmano com certa abertura à cultura ocidental. Já visitei outros países muçulmanos e, enquanto mulher, achei fácil transitar entre os marroquinos. Notei que a maioria das turistas usavam o que queriam, fossem shorts, mini vestidos, ombros de fora. Como é proibida a visita às mesquitas a não muçulmanos, o lenço só é mesmo necessário na hora do deserto. De qualquer forma, minha opção foi a de deixar pouca pele à mostra.
Para complementar, levar kit de primeiros socorros e aqueles remedinhos para infecções intestinais. Não tivemos nada, mas há quem tenha. E ter a certeza de que está em boa forma, afinal, são 3 dias de caminhadas, 25 km por dia. Tudo pronto?, então prepare-se porque chegou a hora do deslumbre!
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Marrakech
Marrakech nos acolheu por uma tarde seguida da sua manhã. A cidade vermelha contrastava com o pico nevado do Atlas. O céu era doído de tão azul e, pelos canteiros, rosas imensas, montes delas, de todas as cores e com bom perfume, disputavam espaço entre cactos gigantes. A Cidade era um jardim, não imaginava. Do aeroporto até a praça Jamaa Lafna, a principal da Medina, o trânsito, engraçado de tão caótico, foi nos embalando por ruas cheias de comércios e das correrias da hora do almoço. Um senhor nos aguardava com um carrinho de mão, feito de madeira, para levar nossas malas até o Riad, enquanto o motorista era enxotado pelo funcionário do posto de gasolina, por ter estacionado a van bem na entrada. A partir dali, a passagem de carros é proibida e alguns hotéis mandam um funcionário ou carregador esperar pelos hóspedes para que estes não se percam entre o labirinto de pequenas ruas que cortam a Medina.
Na grande praça, cobras dançavam ao som de flautas e macacos andavam de coleira, vestindo a camisa do Messi, no Barcelona. Era colorido e bagunçado e cheirava a comida preparada na hora. No Riad, calmaria e chá de menta servido com docinhos marroquinos. O de mel e amêndoas ganhou a minha boca. Não tínhamos muito tempo em Marrakech e decidimos que o Souk nos bastaria. O restante que desejássemos visitar, ficaria para a volta do deserto. Foi uma decisão acertada, há muito para ver e cheirar e provar.
À primeira vista, deu vontade de embalar todas as cerâmicas, tapetes, lamparinas, cestas, especiarias e levar para casa. O árabe é o idioma oficial, mas o francês da maioria é fluente, sendo usado como tradução tanto em propagandas quanto em anúncios oficiais. Resquícios da antiga colônia. Vez ou outra, alguém descobria que era brasileira e me soltava um “obrigado!”, os brasileiros têm vindo mais, diziam.
Almoçamos bem o primeiro cuscuz da temporada, no terraço montado na laje de um restaurante legal, do tipo que encontramos em qualquer capital do mundo. Marrakech tem das suas contemporaneidades, e muitas. Não serviam álcool, mas como todo restaurante que prese pelo seu charme, ouvia-se música brasileira. Várias delas. Na saída, fiz uma tatuagem de rena. A tatuadora deu-me de presente o meu nome escrito em árabe, no pulso, depois de ter barganhado por quanto faria o desenho. Barganhar no mercado é obrigatório, adoram.
Com cerca de 1000 anos, o souk de Marrakech era usado como entreposto comercial pelas caravanas vindas do deserto a caminho do mar. É vivo e frequentado pelos marroquinos que lá compram roupas e utensílios de primeira necessidade, frequentam a feira de legumes, vão ao açougue. Não é só para turista ver e daí a sua capacidade de ainda contar pra gente um pouquinho de como aquela outra gente vive.
Vez ou outra, o canto chamava para a oração. Ao pôr do sol, a grande praça encheu-se novamente, em sua maioria, de marroquinos vindos de outras cidades. Eram férias escolares de primavera e muitos aproveitavam para passear na capital. Jantamos tranquilos e nos recolhemos cedo. O dia seguinte nos levaria ao deserto. No próximo texto chegaremos a ele. Aguardem!