Para a Coluna do Clube do Bolinha, o BPM apresenta David Motta, um dos bailarinos de maior destaque no renomado Teatro Bolshoi, em Moscou. Ele foi o primeiro brasileiro a estudar na Escola de Balé do Bolshoi em Moscou. No ano de 2016 ele finalizou seus estudos e, aos 19 anos, foi imediatamente contratado pelo teatro, estreando em papéis de destaque nos balés mais famosos dos palcos do Bolshoi.
Para o mês do “Clube do Bolinha” entrevisto esse menino prodígio que, além de grande estrela, é meu amigo pessoal e uma pessoa incrível.
BPM – Com quantos anos você começou a dançar balé? Como começou?
David – Comecei a dançar com 10 anos de idade. A minha prima já dançava e, certo dia, ela me chamou pra acompanhá-la em uma aula. Eu fui com ela e, enquanto ela fazia aula, eu fiquei olhando pela porta do estúdio, que estava aberta. Durante a aula, a professora observou que eu estava assistindo e, assim que terminou, veio até mim e me perguntou se eu gostava de dançar ou se já fazia balé. Eu respondi que nunca tinha visto balé antes. Ela então perguntou se eu gostaria de fazer uma aula. Eu fiz a minha primeira aula de balé, a professora disse que eu tinha um bom físico e que gostaria de trabalhar comigo, já que ela estava precisando de rapazes.
BPM – Como foi sua chegada a Moscou?
David – Minha chegada a Moscou foi muito rápida, foi uma mudança bem radical. Em 2010 eu participei de uma competição muito conhecida no mundo da dança, o “Youth American Grand Prix (YAGP)”, as semifinais desse concurso acontecem em grandes cidades de todo o mundo e a grande final ocorre na cidade de Nova Iorque, com semifinalistas de todo o mundo. Eu fui selecionado pra grande final, mas, infelizmente, por motivos de erros nos documentos, não pude embarcar e participar da tão esperada final. Naquele momento eu achei que o meu futuro no mundo da dança tinha acabado. Eu tinha me preparado muito para essa competição, pois as melhores escolas de balé do mundo vão à procura de novos talentos e estudantes nesse concurso. Mas, passados alguns meses, a minha professora recebeu um e-mail da diretoria da Escola Bolshoi em Moscou dizendo que professores da escola tinham visto o vídeo da minha variação e que gostariam de me ver. Eles me convidaram para participar do Curso de Verão que a escola Bolshoi tem em Nova Iorque, o “Bolshoi Ballet Academy Summer Intensive” . Então, em junho de 2010 eu participei do curso de verão e, ao fim do curso, eu fui convidado pelos professores e diretores da escola para me tornar mais um estudante da tão prestigiada Escola Bolshoi de Moscou. Em novembro eu já estava viajando para Moscou.
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BPM – Como foi chegar aqui sozinho, aprender russo e estudar no Bolshoi, tudo ao mesmo tempo? Quais as foram as maiores dificuldades e surpresas?
David – O mais difícil foi ficar longe da minha família, eu tinha apenas 13 anos. A língua também foi uma grande dificuldade, porque não conseguia me comunicar com ninguém ao precisar de ajuda, conversar com as pessoas, fazer novos amigos e até mesmo entender os professores. Mas acabei dominando rápido a língua russa. Por ser o único a falar português na escola e não saber falar inglês, a necessidade me ajudou bastante. As dificuldades de não saber a língua, estar em um país onde não conhecia ninguém e estar longe das pessoas que mais amo foram muito grandes e eu tento superá-las todos os dias, até hoje. Uma surpresa maravilhosa é que passei momentos e vivi experiências que nenhum adulto ou qualquer outra pessoa ou jovem jamais pensaria em passar. Isso sem falar nas amizades, amigos que se tornaram família e que levarei para o resto da vida comigo.
BPM – Qual a sensação de estrear como primeiro bailarino nos palcos mais famosos do mundo?
David – É uma sensação inexplicável. Ser o primeiro brasileiro formado pela Escola Bolshoi aqui na Rússia, no meu primeiro ano no teatro e poder fazer o papel principal no balé em um teatro com uma história tão rica e com grande peso na cultura mundial é simplesmente um momento único. É uma responsabilidade bem grande, mas o prazer de estar no palco é imensurável, realmente mágico.
BPM – Em todos esses anos de Rússia, você sofreu alguma dificuldade ou preconceito por ser brasileiro?
David – Se eu falasse que não, estaria mentindo, mas é outro tipo de preconceito. Eu diria que é ciúme, porque “como pode um brasileiro se formar em uma escola russa como um dos melhores formandos do ano e depois se tornar o mais novo contratado do teatro e tomar um lugar de grande destaque que todo bailarino sonha desde quando começa a dançar?” Mas, graças a Deus, isso nunca me afetou.
BPM – Como é a sua rotina o Bolshoi?
David – A minha rotina é bem puxada. Eu entro no teatro às 10 horas da manhã e só saio quando termina o espetáculo, às 22 horas. Meu dia de trabalho começa na aula de balé, às 11 da manhã. Durante o dia, tenho ensaios nos quais me preparo para o espetáculo da noite (o balé que está em cartaz durante a semana) e também preparo o balé da semana seguinte. Eu chego a ensaiar até 3 balés diferentes no mesmo dia. Muitas vezes, durante o dia eu ensaio um balé e à noite eu danço um balé totalmente diferente.
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BPM – Depois de tanto tempo morando na Rússia, o que você mais gosta e menos gosta por aqui?
David – O que eu mais gosto aqui na Rússia é o teatro, eu passo a maior parte do meu dia lá. Até no meu dia de folga eu vou para o teatro ensaiar sozinho, estudar um balé novo. O teatro me renova. Apesar de ser um trabalho bem desgastante e bem estressante, quando estou no teatro eu me desligo completamente do mundo lá fora, eu me sinto em outro mundo. Eu fico muito focado no meu trabalho, em cada passo, como efetuar cada movimento, cada gesto. Isso me faz esquecer todos os problemas da vida normal por algumas horas. Já o que eu menos gosto é o frio (risos). Eu acho que, para mim, chega a ser pior do que a comida, que é bem especifica, ainda mais vindo do Brasil, um país de calor durante todo o ano. O frio é um dos meus pontos fracos aqui em Moscou.
BPM – O que mudou da Moscou de 7 anos atrás para a de hoje?
David – Uma coisa que notei, por ser estrangeiro e visitar outros países, é que Moscou ficou mais acessível para estrangeiros. Nas ruas existe mais sinalizações em inglês, na maiorias dos pontos turísticos sempre tem um ponto de Wifi e de ajuda de localização e, em boa parte dos estabelecimentos, alguns funcionários falam um pouco inglês, o que já ajuda bastante.
BPM – Do que você mais sente falta do Brasil?
David – Eu sinto muita saudade da minha família e amigos, claro, mas a praia e a comida brasileira realmente fazem muita falta. Andar na praia à noite, aquele mergulho em um dia de calor e comprar um cachorro quente com batata palha na barraquinha do vovô no fim da praia, além do famoso churrasco no domingo com a família.
BPM – Que conselho você daria para os jovens brasileiros que sonham em ser grandes bailarinas(os) no Brasil?
David – O preconceito contra o bailarino homem no Brasil é muito grande. Infelizmente, a sociedade brasileira e o próprio governo não apoiam essa profissão artística tão árdua e que precisa de um suporte e incentivo especial. Meu conselho é que jamais desistam dos seus sonhos porque, apesar da falta de apoio em todos os sentidos (principalmente da família), e com todas as dificuldades possíveis, eu consegui vencer e chegar onde estou. Então o maior incentivo, ajuda e conselho só vem de você mesmo.
BPM – Para quem do Brasil você quer mandar um beijo?
David – Essa coisa de mandar beijo nunca termina bem (risos), porque a gente sempre se esquece de mandar aquele beijo pra sua tia ou pra prima que depois fica chateada. Em especial, eu mando um beijo para as minhas professoras no Brasil, Ophelia e Regina Corvello, que sempre me ajudaram, e para minha mãe, que sempre me apoiou em todos os momentos até hoje.
2 Comments
Que legal essa história, muito inspiradora! Parabéns para o David e a você, Renata, pela entrevista!
Erika querida!
Obrigada!
A história do David é inspiradora mesmo. E ele é um menino incrível, querido e talentosíssimo!!!
Abraços!