Decorando com o lixo de Nova Iorque.
A primeira vez que vim aos Estados Unidos, há mais de dez anos, me espantei com a quantidade e a qualidade de lixo que deve ser coletado pelas companhias de limpeza urbana. Eu estava passando um tempo em São Francisco e, durante as minhas longas caminhadas pela cidade, comecei a prestar atenção ao que as pessoas deixavam nas calçadas.
Muitas vezes, precisei me desviar de berço, geladeira, fogão, armários, mesas e brinquedos. Eu me surpreendi porque, no país onde morava na época, tudo aquilo ainda teria muita utilidade e não seria descartado assim. Algumas coisas ainda funcionavam e estavam em bom estado. Aos poucos, fui vendo que o destino de tudo aquilo era mesmo o caminhão de lixo, que esmagava cada peça impiedosamente.
Nos Estados Unidos, móveis e eletrodomésticos costumam ser mais baratos do que no Brasil. Torna-se menos custoso comprar coisas novas do que consertar as velhas.
Anos mais tarde, quando vim morar em Nova Iorque, passei a ficar atenta ao lixo. Estava montando uma casa do zero. Por causa da grana curta e porque aqui em casa não curtimos uma vida de muito consumismo, decidimos caminhar pelas ruas do bairro em busca de achados. E encontramos.
Leia também: Quanto custa fazer supermercado nos EUA
Ao longo de dois meses, montamos a casa com muitas peças achadas pela rua e recicladas por nós, ou compradas muito barato em vendas de garagem. Uma mudança de tecido, uma pintura mais colorida, um verniz aqui, um brilho acolá e pronto. Lixo para uns, tesouro para outros.
O que não encontramos, compramos na IKEA. Uma cadeira antiga, deixada na esquina de casa, recebeu um novo estofado, bem colorido, e é uma peça da nossa sala. Um forninho da marca Cuisinart foi limpo mil vezes e agora faz inúmeros pratos. Um abajur encontrado na lixeira do prédio deu um ar mais íntimo para nossa sala. Uma fruteira virou um suporte de plantas que fica no banheiro.
A escrivaninha antiga, de madeira, recebeu puxadores coloridos e novos pés. Hoje o móvel guarda toalhas de mesa, guardanapos, envelopes de cartas e papéis de desenho reciclados. Uma estante de madeira recebeu pintura amarela e hoje guarda shampoos e cremes no banheiro. Até sapateira encontrada no lixo trouxemos para casa! Como tudo estava em bom estado, só uma boa limpeza e pronto.
Até o zelador, um polonês que costuma ser bem sisudo, começou a olhar com atenção o lixo do prédio e passou a me avisar quando via algo “valioso” para nós. Outro dia, apareceu na minha porta com um espelho antigo, que eu arriscaria dizer que é dos anos 40. Claro que ficamos com o espelho.
O melhor é que renovar cada uma dessas peças foi uma diversão para nós. Escolhemos as cores, passamos tempo juntos refazendo cada peça e reinventamos novas utilidades para os objetos.
O que não pegamos no lixo de Nova Iorque
Apesar da abundância de algumas peças nos lixos, nós nunca pegamos sofás, colchões, almofadas ou malas de viagem nas ruas por uma questão de higiene. Temos pavor de infestação de percevejos, conhecidos como bed bugs.
Eles são bichinhos muito pequenos, que ficam escondidos em colchões, tapetes, tecidos em geral, e podem sobreviver até seis meses sem se alimentar. Causam coceira e manchas na pele e são difíceis de exterminar. Então, alguns artigos para casa preferimos comprar novinhos em folha.
Em Nova Iorque, a regra diz que só se deve colocar o lixo na rua após as cinco da tarde, um dia antes de o caminhão de lixo passar. Quem não cumpre a lei, pode receber uma multa de cem dólares. Então, para quem quer passear pelos bairros garimpando o lixo, deve caminhar sempre depois dessa hora, e dar preferência ao dia anterior à coleta de recicláveis.
A cidade produz 10 mil toneladas de lixo por dia e quase 2 mil toneladas de material reciclável, segundo a revista Yale Environment 360, da Universidade de Yale. Existe um plano para diminuir 90% dessa quantidade até 2030, mas seria preciso mudar muita coisa por aqui para conseguir isso. O consumismo desenfreado é característica inerente da sociedade americana.
Leia também: A política do Fast-Fashion norte-americano e suas consequências
A cidade ainda não sabe como lidar de forma efetiva com a quantidade de detritos que produz. É quase impossível viver aqui sem pensar nisso. É comum se deparar com montanhas de lixo acumulado nas calçadas por todas as partes da cidade.
É por isso que o artista plástico Justin Gignac pega resíduos nos sacos de lixo de Nova Iorque e os coloca em cubos de plástico transparente. Desde 2001, ele vende esses recipientes como lembrança. São datados, numerados e autografados. Justin afirma que já vendeu mais de 1.300 cubos e diz não ter dúvidas de que o lixo de Nova Iorque está espalhado por 30 países. Os preços são salgados e variam entre US$ 50 e US$ 100 dólares.
Pensando com meus botões, com esse dinheiro da obra do Justin Gignac, eu poderia comprar uma mesa por US$ 100 dólares. Ou, com um pouco de paciência, achar uma no lixo de Nova Iorque.
2 Comments
Uma atitude sustentável!
Sustentável para todos: para natureza e para nosso bolso! 🙂 Ganhamos todos com isso, não é mesmo? Um abraço.