Desde que comecei meu novo trabalho como pesquisadora na Holanda, estou participando de um programa de desenvolvimento de carreira para mulheres acadêmicas e de diversas atividades extras relacionadas ao assunto. Neste texto, compartilho a estrutura do programa e aprendizados mais importantes que tive até o momento, oferecendo “um gostinho” do que está rolando agora aqui!
Programa de desenvolvimento de carreira para mulheres acadêmicas
O programa do qual participo tem a duração de 9 meses e é oferecido pela própria universidade. Ele é voltado para atender as necessidades de mulheres acadêmicas em todas as áreas – em particular, postdocs e professoras – e objetiva nos oferecer recursos e treinamento para chegarmos onde queremos nas nossas carreiras.
Apesar de ser um programa para mulheres acadêmicas, os materiais que temos discutido são praticamente todos vindos da área de negócios, administração de empresas e liderança corporativa – e preciso dizer que estou um tanto perplexa ao agora ver as similaridades entre o mundo acadêmico e o corporativo.
O programa tem três componentes principais:
1. Mentoria. Cada uma de nós foi pareada com uma mulher acadêmica em posição mais sênior. Minha mentora é uma professora já aposentada na área de sociolinguística que é parte da Associação Holandesa de Mulheres Professoras e se dedica à mentoria de mulheres em diversas universidades do país. Nos encontramos a cada 6 semanas para discutir como as coisas estão indo no trabalho – desafios, soluções, ideias e objetivos. Ela tem sido genial em conselhos sobre como lidar com diversas situações e tem me puxado a orelha para manter o foco no que realmente vai me levar a alcançar meus objetivos.
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2. Grupo de apoio. Uma vez por mês, todas as participantes do programa (20 mulheres) almoçam juntas para conversar sobre como as coisas estão indo. Quando uma de nós está passando por algum problema ou não sabe como agir em alguma situação, discutimos possíveis soluções e compartilhamos nossas experiências com o assunto. É incrível ver que todas nós passamos por situações bastante similares apesar de sermos de áreas completamente diferentes. Temas como discriminação, machismo e maternidade são bastante comuns.
3. Workshops. Uma vez a cada 2 meses, temos um dia completo de workshop. O programa contrata uma mulher coach especializada em determinado tópico para ministrar uma palestra, discussão e atividades. Já tivemos um workshop sobre planejamento estratégico de carreira e networking, e outro sobre balanço entre vida pessoal e profissional. Ainda teremos um sobre marketing pessoal e um sobre negociação.
Algumas lições principais até o momento
A importância de networking – de desenvolver relações pessoais com colegas e pessoas na nossa área – foi um dos temas mais explorados até agora. Tanto na área corporativa quando acadêmica, contratações e promoções são fortemente influenciadas por essas relações interpessoais. Como parte do primeiro workshop que tivemos (por Dione van der Heiden) , lemos o livro “Stratego for Women” de Monic Bührs e Elisa de Groot, que foca em análises de network.
Nós desenhamos a nossa própria rede de pessoas, buscando identificar quem fazia parte dela, quem tinha o poder de decisão sobre o que queremos, quem tinha objetivos em comum ou conflitantes com os nossos, se todas essas pessoas eram nossas “aliadas, parceiras de coalisão, adversários ou inimigos” (minha tradução livre da linguagem do livro), como eram as relações entre essas pessoas e as personalidades delas. O objetivo dessa análise foi identificar estratégias e pessoas-chave nas nossas carreiras para o nosso próprio benefício.
No workshop de balanço entre vida pessoal e profissional, umas das primeiras coisas que a ministrante (Samula Mescher) mencionou é que aquele não seria um workshop sobre como administrar melhor o nosso tempo e ser mais eficaz. Ela disse que, como acadêmicas, provavelmente já temos excelentes habilidades nessas áreas – mas que nosso trabalho nunca acaba, e que, se abrirmos um espaço no nosso dia, o preencheremos com mais trabalho.
A grande mensagem desse workshop foi que devemos priorizar atividades que terão o maior impacto em avançar nossas carreiras (tanto cada dia quanto na semana e no mês). Precisamos aprender a dizer não para tarefas que chegam de última hora, e, caso isso não seja possível, negociar tal tarefa com quem a pede. Aprendemos a usar nossos valores e sinais que nosso corpo nos manda como bússola para guiar nossas decisões – a palestrante reforçou que devemos confiar na nossa intuição.
O nosso corpo manda sinais quando outras pessoas ou nós mesmas ultrapassamos nossos limites – de um peso no peito, mãos e estômago gelados e coração acelerado até enxaquecas e dificuldades de dormir. A gente precisa reaprender a prestar a atenção nas sensações do nosso corpo durante o dia. Ela recomendou fazer meditação e exercícios de mindfulness, nem que seja 3 minutos no início do dia, para treinar esta habilidade.
No quesito de dizer não, a palestrante conversou sobre quatro estratégias para dizer não. A primeira é o não bastante direto: “Obrigada pelo convite para jantar hoje de noite. Vou recusá-lo, pois estou priorizando passar tempo com minha família todas as noites”. Ou melhor ainda, dizer não sem explicação, o que passa ainda mais poder e estabelece mais ainda limites.
O segundo não é aquele não difícil de dizer na hora que alguém pede só “um favorzinho fácil de fazer”, mas que não está dentro das suas prioridades. Neste caso, um bom não é o “me dê 5 minutos para consultar a minha agenda”, o que compra tempo para respirar fundo e formular como você dirá o não para aquela pessoa.
O terceiro não é aquele em que não é possível dizer não para um pedido de última hora do seu chefe, por exemplo, então você negocia a qualidade, o prazo ou os recursos para fazer tal tarefa com quem a pede. “Não posso encaixar no meu calendário este relatório com facilidade. Posso, ao invés de um relatório completo, te entregar uma lista de pontos principais que devem estar neste relatório dentro deste prazo (qualidade)”. “Se você puder me dar um mês ao invés de 4 dias, posso te entregar um relatório completo (tempo)”. “Ou se você colocar mais duas pessoas trabalhando nesse relatório comigo, posso entregá-lo em 2 semanas (recursos)”. “Se você realmente precisa que eu sozinha faça este relatório completo em 4 dias, vou deixar de executar o projeto X para poder entregá-lo.” Nessa última opção, você põe na mão da pessoa a responsabilidade pela decisão da execução de uma tarefa versus a outra!
A última estratégia é lembrar para quem você está dizendo sim quando está dizendo não. No caso do primeiro não, você está dizendo não para um janta de trabalho para dizer sim a sua família – ou a você mesma! Nós mulheres tendemos a colocar as necessidades dos outros na frente das nossas, e muitas vezes abrimos mão de nós mesmas. A gente tem que parar de fazer isso e incorporar a mensagem que somos intituladas ao nosso próprio tempo, corpo e vida, e que cada um é responsável por atender suas próprias necessidades – e nós temos todo o direto de atender as nossas. (Recomendo os livros “Lean in” de Sheryl Sandberg e “Nice girls don’t get a corner office” de Lois P. Frankel nesse quesito em particular.)