Durante a primavera de 2016, minha vida estava indo de vento em popa. Eu estava terminando o primeiro ano do doutorado com um bom rendimento acadêmico, começando um relacionamento com um rapaz depois de estar solteira por um longo período, fazendo novos amigos, ia passar uns dias no Brasil para visitar minha família além de participar de um congresso internacional.
Ao chegar no Brasil, meus pais me recepcionaram com um belo churrasco. Reencontrei meus parentes, amigos da escola, do bairro e da faculdade. Na outra semana, estava indo para o Rio de Janeiro participar do congresso e renovar meu visto. No terceiro dia de congresso, a tarde era livre, pois havia uma “visita técnica” paga para fazer no Morro do Alemão, uma favela pacificada no Rio de Janeiro. Como não haveriam palestras na tarde daquele dia e meu orientador tinha acabado de chegar ao Brasil para dar uma palestra no dia seguinte, resolvemos fazer um tour pela orla do Rio. Fomos eu, meu orientador e dois amigos que eu tinha feito nos dias anteriores de congresso.
Almoçamos em um restaurante vegetariano, pegamos o metrô, descemos em Copacabana e fomos andando até o Arpoador para saudar o pôr do sol. Chegando no Arpoador, ao pular de uma pedra para outra, logo no início da trilha, eu levei um tombo. Levantei, voltei a andar e logo caí de novo. Levantei mais uma vez e caí novamente. Havia algo errado. Encostei em uma pedra e pedi para meus amigos chamarem o salva-vidas que me ajudou a subir para uma área mais aberta, mas o caminho até o final da trilha tinha uma ladeira de escadas.
Chamaram a ambulância, desci de maca com 6 pessoas me carregando, inclusive meu orientador. Fui para um hospital público, pois não tenho mais plano de saúde no Brasil e lá, fizeram um raio-X, mas não chegaram a nenhuma conclusão. Minha tia foi me buscar no hospital, voltei com ela para a casa da minha avó e fiquei em repouso. No dia seguinte, eu chorei pela primeira vez depois de muito tempo sem derramar uma lágrima. Chorava pela dor, chorava por não saber o que tinha acontecido e principalmente por ter que voltar a depender de alguém.
Dois dias depois do acidente, fui ao consultório de um primo que é ortopedista esportivo. Após ele analisar a ressonância magnética, confirmou que eu havia rompido o ligamento cruzado posterior do joelho além de ter fraturado um ossinho e estirado o ligamento lateral. Em outras palavras, eu teria que ficar um mês sem pisar no chão, andando de muletas. Passei um mês na casa dos meus avós. Era difícil. Só levantava para tomar banho, comer e ir ao banheiro. Contudo, o mais difícil foi estar dependente da minha avó, da minha tia e do meu avô. No entanto, foi uma época de muita reflexão. Minha mãe foi me visitar e me disse:
“Você estava vivendo a sua vida de uma forma muito independente. É importante ter uma independência financeira, maturidade emocional, mas não podemos nos esquecer de dar valor à família, pois é ela quem nos ajuda nos momentos que mais precisamos.”
Detestei ouvir aquilo, mas ela estava certíssima!
O acidente me fez considerar minhas decisões na vida. No dia do acidente, minha tia havia me chamado para sair com ela, mas preferi estar com meus amigos e no final, foi ela quem me cedeu sua cama, pois não podia subir escadas e nem dormir em uma cama baixa e também foi ela que foi me buscar no hospital. Minha avó, mesmo com idade avançada, cozinhava para mim e lavava minha roupa. Meu avô, apesar de todas as suas manias, conversava comigo e me contava suas histórias da juventude. Este intenso reencontro com a família deixou meu coração transbordar de gratidão.
Nos meses seguintes, já conseguia esticar um pouco a perna e fui para a casa dos meus pais em Macaé, onde comecei a fazer fisioterapia. Decidi que não iria operar o joelho naquele momento, pois estava com medo de perder a bolsa de estudos do Governo brasileiro devido ao longo período de recuperação da cirurgia. Meu médico disse que como eu podia levar uma vida limitada, era possível me recuperar com a fisioterapia. Claro que para resolver o problema total eu precisava fazer a cirurgia em algum momento, mas a fisioterapia me ajudaria a voltar aos meus estudos e ter uma vida normal.
Voltei para os EUA em setembro, com muitas dúvidas, medos e sem saber se eu teria estrutura para continuar a minha recuperação longe da família. Foi um período de altos e baixos. Assim que voltei para Portland, um amigo foi me buscar no aeroporto e me levou para fazer compras. No dia seguinte, o rapaz com quem eu estava saindo foi me visitar para informar que havia voltado com a ex-namorada. Fiquei triste, mas também não posso culpá-lo, pois viajei para o Brasil para ficar três semanas e fiquei três meses.
Procurei uma clínica de fisioterapia para continuar minha recuperação. Sempre soube que gastos com saúde são altos nos EUA, mas não imaginava que fosse ter que gastar US$100,00 em cada sessão de fisioterapia. Graças a Deus, consegui emprego com dois professores do meu departamento como professora assistente e vi todo o meu dinheiro indo direto para a clínica de reabilitação, mas ao mesmo tempo, estava feliz de estar nos EUA, por ser mais fácil utilizar o transporte público, pois os ônibus têm um sistema de suspensão que deixa ao nível da calçada, os prédios possuem elevador, as calçadas não são quebradas e irregulares e o nível de violência é menor. No Rio de Janeiro, eu morreria de medo de viver sem a cirurgia, pois ao descer as escadas de um banco degrau por degrau, seria um alvo fácil para bandidos. Além de não poder correr em uma situação de perigo, poderia estar vulnerável ao empurra-empurra de um metrô lotadíssimo.
Ainda não fiz a cirurgia devido ao longo período de recuperação. No Brasil, não tenho plano de saúde e teria que ficar longe dos meus estudos. Nos EUA, não tenho família para me auxiliar na recuperação e ainda preciso perder peso para que a recuperação seja mais eficiente.
Acredito que amadureci bastante após meu acidente. Aprendi que não escolhemos a nossa família, no entanto, devemos agradecer e preservar os nossos laços de sangue, pois eles são eternos e contribuem para o nosso bem. Também passei a ver o meu problema como uma benção porque poderia ter sido muito pior. No dia do acidente, lembro de ter perguntado ao salva-vidas se isso era normal no Arpoador e ele me disse haviam até casos de morte e de pessoas que ficaram paraplégicas ou tetraplégicas. No dia do acidente, me lembro que agradeci aos céus porque estava no Brasil, pois um passeio de ambulância nos EUA custa pelo menos uns US$500,00.
Hoje, não faço mais trilhas, snowboard e nem danço até o chão. Aprendi na marra que somos seres humanos frágeis e devemos dar valor às amizades verdadeiras, família e sempre ajudar o próximo.