Dia dos Mortos no México.
Quando eu me mudei para o México há seis anos, justamente no final de outubro, a Cidade do México e o país inteiro estavam em festa. Todos se preparavam para viver o Dia dos Mortos.
Perguntei a um amigo o que significava tudo aquilo e ele me respondeu:
– No dia dos mortos as almas dos mortos vêm nos visitar; elas têm autorização para voltar e conviver conosco nesta festa.
– E de onde elas vêm? Onde elas estão? – perguntei.
– Em Mictlan – respondeu ele.
Foi o suficiente para eu que eu passasse horas na frente do computador pesquisando sobre tantas novidades.
O México é um país que, como o Brasil, era povoado por indígenas, onde já existia uma sociedade, porém completamente diferente das sociedades de onde vieram os colonizadores europeus. Os indígenas mexicanos tinham toda uma cultura rica em costumes e tradições, inclusive em vários pontos muito mais avançadas que a dos próprios espanhóis.
Para o povo mexicano pré-hispânico, a morte não era uma tragédia. Era parte do binômio vida-morte, ou o início de uma viagem que durava quatro dias para Mictlan, um lugar sem localização geográfica, mas com governantes: o reino dos mortos desencarnados, ou o lugar dos mortos, para descansar ou para ser castigado.
Em Mictlan não existe luz ou janelas; é um lugar escuro, e grande onde não se pode entrar e, quando se entra, não se pode sair por vontade própria. Chegando lá, as almas se encontravam com os senhores do lugar: Mictlantecuhtli (senhor dos mortos) e a sua companheira Mictecacíhuatl (senhora dos mortos) e lhes ofereciam presentes.
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Depois os mortos eram enviados, acompanhados dos seus cachorros mortos, a uma das nove regiões do baixo mundo, para passar um período de prova de quatro anos antes de continuar sua vida em Mictlan e, assim, chegar ao último estágio, o lugar do descanso eterno.
A morte no período pré-hispânico era um troféu. Os guerreiros guardavam os crânios e ossos dos inimigos, que eram mostrados em rituais que simbolizam a morte e o renascimento. Estes rituais no futuro se converteriam no dia dos mortos, que antes da colonização se comemorava durante todo o mês de agosto.
Os religiosos colonizadores foram obrigados a aceitar que cultura mexicana já existia e com a intenção de “ganhar” os mexicanos, misturaram a cultura e religião espanhola com a indígena mexicana. Assim, a partir do século 16, nasceu o dia de todos os santos no dia 01 de novembro para comemorar os restos mortais dos santos espanhóis, e o dia dos mortos mexicanos no dia 02.
Atualmente, a festa dos Mortos dura 3 dias: começa no dia 31 de outubro e termina no dia 02 de novembro. Nessa época acredita-se que as almas tenham autorização para sair de Mictlan e visitar os vivos e, por isso, são feitos altares para os mortos. Segundo a crença, as almas chegam pouco a pouco, de acordo com o tipo da morte que tiveram e como se comportam depois dela. Quem morreu um mês antes do dia 02 de novembro, por ser uma morte recente, não pode pedir autorização para vir à festa, mas pode ajudar as outras almas a participarem.
No dia 28 de outubro se festeja quem morreu assassinado ou de maneira violenta; nos dias 30 e 31, as crianças que não foram batizadas, e no dia 1º de novembro se comemora todas as pessoas que tiveram uma vida impecável e também as demais crianças. O dia 02 é o ápice da festa, o Dia de todos os Mortos, quando as famílias comem as oferendas colocadas nos altares das casas e visitam os cemitérios.
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Como é um altar para os mortos e por que é feito?
A festa mexicana do dia dos mortos é Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO desde 2003, devido à sua importância cultural. O maior símbolo dessa festa é o altar dos mortos.
Considera-se que neste dia as almas dos mortos visitam a família e convivem com os vivos para os consolar, para se divertirem e aliviarem a tristeza da perda do ser querido.
O altar de mortos muda com a região do país, porem a tradição diz que deve ser feito com sete degraus, cada um representando uma etapa do caminho para Mictlan, com sua respectiva oferenda. Na atualidade podem ser de 1, 3 ou quatro degraus e são feitos de caixas de papelão ou algum material resistente; o importante é que seja firme.
Todo o altar deve ser coberto por um pano branco e negro, simbolizando o céu e a terra. Lenços laranja e roxo também são colocados para que fique mais colorido e bonito. A beleza é um ponto chave da decoração.
O primeiro degrau tem a foto do santo protetor do morto; o segundo é para que as almas que estão no purgatório possam ir à festa; o terceiro significa a purificação e nele é colocado sal; no quarto degrau é colocado o que todos, vivos e mortos adoram: o pão dos mortos, um pão doce, redondo, com ossinhos feitos da mesma massa, colocados em forma de cruz com uma bolinha no meio representando o crânio, cobertos com açúcar ou gergelim. Este pão é para alimentar as almas dos mortos que nos visitam, e pode ser acompanhado de chocolate quente. No quinto degrau estão as frutas que o morto gostava de comer. Como o altar é feito para honrar quem já morreu, no sexto degrau são colocadas todas as fotos dos nossos mortos. No ultimo degrau é colocada uma cruz, que pode ser feita de sementes, frutas, sal ou cinzas.
Esta é a formação básica de um altar, porém outros elementos podem ser acrescentados em cada degrau de uma maneira específica.
Somente as fotos dos mortos podem ser colocadas no altar. No alto do altar coloca-se um arco feito com cravos de defunto (crisântemos), aquela florzinha alaranjada, simbolizando a entrada no mundo dos mortos. O perfume desta flor também atrai os mortos para a festa. Incenso e copal purificam o ambiente e representam o ar, assim como as bandeirinhas de papel de seda, cortadas com desenhos que podem ser de caveirinhas.
Representando a luz e o fogo, quatro velas são colocadas em forma de cruz, simbolizando os quatro pontos cardeais, para que a alma possa se localizar.
As caveirinhas representam a morte, lembrando-nos que ela está sempre presente, e podem ser feitas de açúcar, de barro, de chocolate ou de gesso, e são decoradas com muito glacê colorido. Recipientes com água estão presentes no altar porque, além de simbolizarem este elemento, as almas chegam com muita sede ocasionada pela viagem.
Nessa festa não pode faltar a tequila ou a bebida alcoólica que o morto gostava, que é servida em copinhos tequileiros, parecidos com os nossos rabo de galo. Também se serve ao morto sua comida favorita.
Mariachis são contratados para animar a festa e cantando, espantam os males; se por acaso não puder tê-los ao vivo, um bom disco resolve – o importante e ter música para cantar.
O altar dos mortos também representa, como dizem por aqui, uma metáfora sobre a morte: um dia você é anfitrião e, no outro, você é convidado.
O dia dos mortos não é um dia para chorar como no Brasil. Ele representa a nova etapa do morto que está a caminho do descanso eterno. Claro que às vezes a tristeza, que nunca é convidada, aparece sem pedir licença, e agüita (entristece) um pouquinho a festa, ainda mais se a morte foi recente.
Não posso deixar de falar dela: a famosa Caveira Garbancera, criada por José Guadalupe Posada, que ficou conhecida como “La Catrina” por Diego Rivera. Chamavam-se garbanceras as pessoas que tinham sua origem indígena, mas que queriam ser como as europeias, com seus vestidos, espartilhos, chapéus e sombrinhas de renda.
A Catrina representa justamente a igualdade da condição da morte que, mais cedo ou mais tarde, nos convidará para a festa, sejamos indígenas, europeias, mexicanas ou brasileiras.
Vivendo estes anos no México, confesso que o dia de finados para mim, hoje, é diferente, e deixou de ser aquele dia triste e sombrio. É um dia de alegria, de cores e de vida. Aprendi a fazer o pão de morto, que levei um ano para poder ter coragem de comê-lo!
Se as almas dos mortos estão presentes neste dia, eu não tenho certeza – o que tenho certeza é que todos os nossos mortos queridos estão vivos na nossa memória!
Feliz dia dos Mortos!
6 Comments
Muito interessante!
Obrigada Juliana! E ainda faltaram coisas para explicar!
Nos vemos no próximo post!
Sempre admirei como os mexicanos comemoram esse dia. Na verdade, para mim é um encantamento!
Obrigada Simone por compartilhar a cultura do México!
Me dá mais paz ao aceitar a ida de minha mãe há pouco mais de 15 meses.
Ana querida! É verdade, é um encanto, venha algum ano para ver tudo de perto! Agora que você conhece mais, que tal fazer um altar para Mainha ano que vem? Beijão!
Adorei o seu relato! Sou encantada pela forma alegre que celebra-se a morte ai no Mexico =) Moro na Polonia atualmente, e essa data é bastante tradicional, mas um pouco mais sombria do que a que você descreveu.
Abraço
Olá Thais, fico feliz que tenha gostado! Realmente é bastante alegre aqui no México! Quando puder comenta alguma tradição do dia dos Mortos da Polonia para nós.
Nos vemos no BPM!