No texto anterior, eu falei sobre as vantagens de viver no exterior. Já desta vez, quero falar a respeito das dificuldades neste processo de adaptação e pelo fato de ser imigrante na Itália.
1- Dificuldade em ter a cidadania reconhecida
Além do procedimento ser bastante burocrático e cheio de detalhes, a questão do prazo previsto em Lei não tem sido cumprida, nem pelos Consulados Italianos, nem pelos Comuni (prefeituras italianas). Eu estava na “fila” do Consulado aguardando o deferimento do meu processo desde 2006! E aguardei mais de sete meses para a conclusão do mesmo na Itália.
Hoje sei e, sem dúvidas, teria ingressado com uma ação na Itália questionando a ilegalidade da fila dos consulados, que já possui, até mesmo, decisões favoráveis nos tribunais italianos. Isso teria me poupado muita dor de cabeça.
Fiquei tão especialista no assunto que estou, inclusive, advogando para clientes que precisam da cidadania italiana e não querem ou não podem esperar a boa vontade dos funcionários públicos italianos.
2- Na Itália sou apenas mais uma imigrante
No Brasil, eu era advogada, gerente jurídica de um grande jornal, filha da Cleonice e do José, cliente especial de grandes bancos, com limites e créditos pré-aprovados e uma rede de contatos e amigos que hoje invejo muito.
Aqui sou apenas a Ana Paula, ponto final. Não tenho como ter referências pessoais, pois não conheço praticamente ninguém, não tenho histórico de crédito, não tenho emprego por prazo indeterminado (sonho de todo italiano). Ainda não tenho amigos, tenho apenas conhecidos. Aquele amigo de anos que você pode ligar de madrugada e contar em qualquer situação, boa ou ruim, simplesmente não existe mais. Claro que relações assim são possíveis em outro país, mas requerem tempo, doação e são construídas aos poucos.
3- A burocracia italiana é muito parecida com a brasileira
Na Itália também temos que superar a burocracia e tudo é muito difícil, ou parece mais difícil quando temos que fazer isso em curto prazo e outro idioma. Exemplo: você tem que (re)fazer todos os seus documentos – carta di identità (RG), codice fiscale (CPF) e tessera sanitaria (inscrição no INSS) e passaporte –, além de abrir conta em banco, traduzir e apostilar seus documentos, e fazer a equivalência do diploma.
Você perde uma quantidade de tempo absurda pesquisando e executando procedimentos para reiniciar a vida que já tinha superado no Brasil, e só se dá conta disso quando precisa de todos os documentos refeitos para ter uma vida como cidadão.
4- Dificuldade em alugar um apartamento
Este assunto merece um post à parte. Eu já tinha lido que na Itália (e até mesmo na Europa), não é fácil alugar um apartamento, mas a verdade é que muuuito mais difícil do que eu imaginava. Primeiro porque, inicialmente pedem um comprovante de renda na Itália, o que 99% dos imigrantes não têm.
Segundo porque, sem comprovação de renda, você tem que dar garantias de que tem como pagar o aluguel. Dar uma caução de 3 aluguéis é o mínimo. Geralmente pedem de 6 a 12 meses de aluguel de garantia, mais 1 aluguel adiantado e ainda mais 1 aluguel para o pagamento da imobiliária. E mesmo assim podem te recusar como locatário, sem cerimônia. Na maioria das vezes, os locadores preferem deixar o apartamento fechado a alugar para alguém sem renda comprovada.
E não dá para ficar fazendo muita conta, porque se você não quiser, tem uma fila de gente querendo. A verdade é que com o surgimento do aluguel por temporada (exemplo: Airbnb), a oferta de aluguel a longo prazo ficou muito menor. Consequentemente, seguindo o princípio de mercado, quando a oferta é menor do que a procura, os preços e as exigências aumentam consideravelmente.
Além disso, houve um aumento da imigração nos últimos 2 anos que inundou a Itália de imigrantes sem renda e, como consequência, aumentou substancialmente a quantidade de problemas de inadimplência imobiliária.
Some-se a tudo isso o fato de haver uma lei italiana que dificulta o despejo para casais com filhos menores de idade. Então resumindo, o italiano olha para você e vê: imigrante + ausência de comprovação de renda ou bens + filho pequeno = situação de risco = “No, grazie!” (Não, obrigado!)
Se você pensa em imigrar, pode se preparar para passar alguns meses pagando Airbnb até conseguir encontrar uma boa alma que aceite correr o risco de alugar algo a você.
Não acho que isso seja preconceito. Realmente é uma questão de se certificar para não correr risco. Coloco-me no lugar de um italiano e também teria medo de arriscar entregando o meu imóvel a alguém sem referências.
5- Preconceito
Nunca fui maltratada por nenhum italiano, mas ouvi de corretores que os locadores não queriam alugar os apartamentos para estrangeiros. Mais de uma vez.
Também notei alguns olhares tortos quando falava português com a minha filha em locais públicos, ou quando o meu acento denunciava não ser italiana. Tenho sorte de ser branca, ter bom nível cultural e econômico, senão, com certeza, a receptividade das pessoas teria sido completamente diferente.
6- Saudade
Este tema já é esperado e todos os imigrantes precisam aprender a lidar. Todo mundo sabe que morar fora faz a saudade pela família, pelos amigos, pela comida e pela música aflorar. Dá saudade também de ser a pessoa que você era antes de imigrar.
Mas, apesar dos pesares, ainda considero a vida aqui melhor e não me arrependo da minha escolha. Faria tudo de novo se fosse necessário.
Arrivederci!
16 Comments
A burocracia italiana não é parecida com a brasileira, é muito muito pior. É só não ter preguiça de estudar e achar que tudo é repetição.
Sinto muito, ficou meio suspeito essa de “clientes que precisam da cidadania italiana e não querem ou não podem esperar a boa vontade dos funcionários públicos italianos”. Como assim?! Tipo, fazer processo de cidadania relâmpago e com “short-cuts”, para os que tem pressa em sair da Itália assim que o vigile passar?
Ana,
Quem me conhece e conhece o meu trabalho sabe que o seu comentário seria um pouco ofensivo.
No entanto, partindo do pressuposto que você não me conhece, vou explicar: Como advogada não faço nada contra a lei, não quis entrar no mérito nesse texto mas ainda pretendo abordar no BPM temas sobre cidadania italiana e esclarecer, por exemplo, como fazer valer os direitos dos ítalo-brasileiros que estão há anos na fila do Consulado Italiano aguardando a confirmação da cidadania que já deveria ter sido, inclusive, deferida, segundo previsão da própria lei italiana.
Existem meios legais de se resolver esse e outros problemas, sem jeitinho ou atalho como você cita.
Um advogado conhece a lei e conhece os mecanismos para que ela seja cumprida, essa é a diferença 😉
Um abraço,
Ana
Obrigada pelo esclarecimento Ana Paula! Ótimo saber que você preza pela ética e trabalha de acordo com as leis. Em um meio onde, para muitos, reconhecimento de cidadania parece ter virado um comércio lucrativo onde vale tudo e tudo pode, está cada vez mais difícil encontrar profissionais e (até mesmo) clientes interessados em utilizar meios totalmente legais para fazer a coisa.
Olá, Ana
Realmente, existem muitas pessoas agindo sem escrúpulos e contra lei.
Mas creio que, felizmente, essas pessoas não prosperam por muito tempo.
Tudo de bom para você.
Um abraço,
Ana
Ola, Ana! Me identifiquei muito com seu texto.
Tb sou advogada e resido na Inglaterra, Londres.
Em relacao a aluguel de imoveis aqui o procedimento e identico! Sendo que nao existe Lei que proteja o locatario com filhos pequenos.
Eu amo a Italia, qdo tenho folgas aqui no Reino Unido escapo pra ai, mas fica bem claro o quanto seria complicado ser estrangeiro na terra da minha Nona querida.
Prego, ciao!
Olá, Mônica!
Obrigada por compartilhar sua experiência em Londres.
No meu próximo texto eu vou, inclusive, falar como morar em Londres abriu meus olhos para várias coisas.
Foi um divisor de águas na minha vida!
Esses perrengues fazem parte do pacote de imigrar e depois que a gente passa fica uma lembrança até engraçada de tudo que aconteceu.
Quando vier para as bandas de Milão, me avise e vamos tomar um café.
A presto,
Ci sentiamo!
Ana
Não entendo como resolveste morar na Itália tendo uma boa posição no Brasil.Acho que queres viajar e ter experiências mas……viste as dificuldades não ? GOSTARIA de ter uma residencia no Exterior mas não definitiva pois sei de muitas diferenças e dificuldades inclusive na Europa e Estados unidos.Louvo a tua vontade de ajudar e esclarecer inclusive advogando para os brasileiros etc……..
Obrigada, Solon, realmente não é fácil, mas a experiência é realmente muito enriquecedora e te faz olhar para dentro.
Você cresce, vê o mundo de outra forma e descobre que existem várias formas de viver a vida.
Recomendo essa experiência uma vez na vida.
Um abraço,
Ana
Ana, estou de mudança para Itália, sou casada com um italiano há quatro anos, que tentou muito se adaptar aqui no Brasil, por 3 anos, porém, a violência acabou com o sonho dele em viver no Brasil… Então, chegou minha vez de tentar e retribuir… Estou indo… Chegando lá, vou correr atrás do visto permanente, com base no casamento que já é reconhecido, e toda a documentação necessária. Deus no comando…. Arrivo a presto. Grazie.
Olá,Isolina,
Infelizmente o Brasil não tem tratado bem os seus cidadãos e muito menos os seus visitantes.
Espero que essa realidade mude no curto espaço, pois o povo brasileiro merece muito mais.
Apesar de ter saído do país, torço muito para que as coisas deem certo.
Seja bem vinda na Itália, é um país maravilhoso, com pessoas muito bacanas.
Tenho tido sorte e espero que você também tenha.
Ci sentiamo,
A presto!
Ola. Ana . Estou planejando tirar minha cidadania italiana. Minha tia ja tirou, mas pelo Brasil. Demorou um poucado. Eu estou querendo ir na Itália, sei que existe algum a detalhes a seguir. Um amigo ja cidadão italiano está indo agora em fevereiro, quero ficar na casa dele para da entrada. Eu irei como visto de Turismo, o.melhor caminho eh esse mesmo.ne? Dando entrada pela.italia a chance de sair antes de 1 ano eh grande me?
Ana Paula, vc conhece o Druida? ele mora por estas bandas também, mas tem uma visão diferente da sua, Abraço
Oi Ana Paula.
Fiquei interessada na parte onde fala das ações judiciais para ingressar na Italia e assim conseguir diminuir esse tempo de espera.
Gostaria de conversar com você.
Olá Leidjane,
A Ana Paula Ganzarolli, infelizmente parou de colaborar conosco.
Obrigada,
Edição BPM
Olá Ana! Gostaria de saber como se faz a equivalência do diploma brasileiro para usar na Itália? Tenho desejo de morar na Itália visto que tenho cidadania italiana. Obrigada.
Olá Aline,
A Ana Paula não faz mais parte do nosso time de colunistas. Procure por textos mais atuais das colunistas da Itália e reenvie essa pergunta.
Talvez alguma delas possa lhe ajudar.
Equipe BPM