Dote e Conversão ao Islamismo na Turquia.
Falar sobre esses assuntos tão complexos não é fácil e toda tentativa de explicá-lo será sempre parcial. Com ajuda de uma colega brasileira muçulmana e muita pesquisa, pude entender um pouco mais do assunto e trago aqui um entendimento bastante resumido e muito provavelmente simplista mas que pode te ajudar a entender melhor a cultura turca e a construir um entendimento sobre esses temas.
Há necessidade de se converter ao Islã para se casar com muçulmanos?
Essa foi umas das perguntas que me fizeram quando falei em casamento com um turco. Eu não escolhi meu esposo baseada em sua nacionalidade ou religião, mas essas diferenças despertam a curiosidade, rejeição, preocupação ou dúvida em muitas pessoas.
Os muçulmanos possuem diversas “linhas” de entendimento sobre a religião. Existem diferentes interpretações do alcorão, o livro sagrado muçulmano, podendo ser mais ou menos conservador.
A necessidade da conversão religiosa para se relacionar com um muçulmano depende do entendimento que o noivo e sua família possuem sobre o assunto.
A sura (capítulo) 5:5 do Alcorão, diz o seguinte:
… Está-vos permitido casardes com as castas, dentre as fiéis [Muçulmanas], e com as castas, dentre aquelas que receberam o Livro antes de vós [Cristãs e Judias] …
As famílias mais conservadoras tendem a não aceitar o casamento com pessoas de diferentes crenças religiosas mas a sura acima é o argumento defendido por aqueles que entendem que é possível casar-se com mulheres de religiões diferentes, desde que acreditem no mesmo Deus.
Mas não se engane ao pensar que somente a família turca pode fazer tal restrição ou questionamento. Tenho uma amiga religiosa, com família ortodoxa conservadora que não concorda com seu namoro com um rapaz muçulmano, assim como a família dele também não aprova o relacionamento, tudo devido as suas diferenças religiosas. Eles ainda namoram, mas cientes de que esse relacionamento não terá um futuro, já que ambos não pretendem enfrentar a desaprovação familiar para ficarem juntos.
Leia também: casamentos na Turquia
Tornar-se muçulmano implica em aderir diversas praticas no dia a dia. Se não for por desejo próprio, quem pode fazer uma pessoa jejuar 15-18 horas por dia durante o mês do Ramadã? Acredito que conversão religiosa por solicitação ou até imposição alheia não é viável, pois é impossível seguir os pilares da religião sem se ter fé.
No meu ver, a religião é muito mais uma questão cultural, pois desde criança somos ditos no que devemos acreditar. Da mesma forma que nós brasileiros não sabemos nada do islamismo ou outras religiões, eles por aqui não sabem nada do cristianismo, exceto se for um estudioso no assunto.
Não temos a chance de aprender sobre diferentes crenças e religiões para então decidir qual desejamos seguir, se é que desejamos seguir alguma. Simplesmente somos ditos no que devemos acreditar para “não queimarmos no fogo do inferno” e outras crenças são sempre apontadas como “coisa do maligno”.
Raras são as pessoas que realmente escolhem a sua fé depois de aprenderem diferentes visões e se questionarem espiritualmente, de duvidarem e procurarem respostas por sí e tirarem suas próprias conclusões. Na dúvida e no medo é mais fácil aceitar do que questionar.
Minha família turca ou meu esposo, mesmo sendo religiosos, nunca me falaram algo sobre eu me tornar muçulmana. Aprendo constantemente sobre suas crenças e estou sempre questionando o porque das coisas, o que faz com que ele também pesquise e aprenda mais sobre suas praticas religiosas.
Admito que enquanto algumas respostas aos meus “porquês” fazem sentido para mim, outras são difíceis de entender e até de aceitar. O que eu procuro praticar é o respeito e empatia, independente de concordar ou não.
Mas há também quem realmente deseje se tornar muçulmano, e neste caso, o imam (equivalente ao padre e pastor no cristianismo) solicitará que a chahada seja proferida, que são palavras que expressam a crença em um único Deus e nos ensinamentos do profetá Maomé. Apesar de não ser obrigatório, geralmente quem se converte ao Islã escolhe também um novo nome. Desta maneira os muçulmanos são facilmente identificados entre sí.
Leia também: relacionamentos e casamentos na Turquia
É muito forte a cultura de ajuda mútua entre os muçulmanos e há uma diferença no tratamento quando se fala de “muçulmano para muçulmano”. Um exemplo é de uma colega brasileira, que mora na Turquia há quatro anos e se converteu ao Islã há dois.
Durante uma entrevista de emprego ela disse ao entrevistador que precisava muito daquele trabalho pois havia perdido sua bolsa de estudo, e quando o entrevistador notou que ela era muçulmana ela relata que: “O rumo da entrevista mudou na hora e logo ele me deu uma resposta positiva de que o trabalho seria meu”, conta ela.
Essa mesma colega conseguiu uma ótima negociação no preço de um hotel aqui na Turquia depois de dar seu nome muçulmano na hora da reserva, fato que fez o dono ceder na negociação, mas somente depois de saber (através de seu novo nome) que ela havia se convertido ao Islã.
O dote
O dote é uma antiga tradição que se realiza na fase do casamento em várias culturas, como a Índia, China, Tailândia, em cada uma delas, o dote tem uma história, um formato e um objetivo diferente.
Na Turquia, o dote é uma quantia em gramas de ouro que a noiva solicita ao noivo no momento do casamento religioso. O mehir, como é chamado em turco, é uma pratica de origem religiosa ainda muito comum na Turquia e o valor depende da condição financeira da família do noivo.
É realmente uma negociação feita de maneira informal entre os noivos e suas famílias. O ímam vai perguntar ao noivo qual o valor do dote (que já foi estabelecido entre o futuro casal anteriormente) e a noiva confirma se aceita ou não. Apesar do acordo ficar registrado em papel comum, onde os noivos, o imam e as testemunhas assinam, é levado bastante a sério por ter sido feito perante Deus. É uma questão moral e de consciência religiosa para eles.
Conforme uma colega brasileira muçulmana me explicou: “Esse dote iniciou porque antigamente, principalmente na região pré-arabica na época do profeta Mohammed (por volta de 500, 600 DC), as mulheres não trabalhavam, não tinham direito algum, eram como mercadoria e escravas.
O islã adotou o dote como uma forma de proteção dessas mulheres caso algum dia viessem a se divorciar, ficar viúva, ou algo similar. Esse dote é pago a noiva mas há casos em que o dinheiro vai para a sua família”, ela me disse quando eu busquei informações sobre a experiência de outras brasileiras em relação a cerimônia religiosa e ao dote.
Hoje em dia não se faz tão necessário, já que as mulheres são mais independentes e possuem mais oportunidades e condições de proverem por sí mesmas. Mas se mantém pela questão cultural e tradição.
É uma das poucas situações em que a noiva tem alguma vantagem em ser mulher dentro da sociedade e por isso imagino não terem nenhuma intenção de abrir mão desse direito, mesmo que muitas vezes não sejam valores muito expressivos.
Para se ter uma ideia, uma grama de ouro vale hoje em torno de 45 USD. Se a noiva pede 100 gramas de ouro, equivale a aproximadamente 4.500,00 dólares americanos, em torno de R$15 mil reais. A data do pagamento fica acordada junto com na negociação do valor, que pode realizado a qualquer momento, do dia do casamento ao divórcio.
A pobreza faz, infelizmente, com que muitas mulheres sejam negociadas por suas famílias. Essa pratica é mais comum nas regiões próximo a fronteira com Síria. A Turquia tem hoje 3,6 milhões de refugiados sírios registrados.
Uma vantagem para os homens que se casam com as sírias é em relação ao baixo valor do dote solicitado em relação ao que seria exigido por uma mulher turca.
Em grande parte, essas mulheres possuem pouca ou nenhum instrução. Elas se tornam também segunda esposa, assunto que falarei mais no próximo post – Poligamia na Turquia.
Fontes: huffingtonpost.com e newdeeply
2 Comments
Oi Rúbia. Você ainda está casada com o turco? Vcs moram na Turquia?
Olá Nathalia,
Sim estou casada, oficializamos recentemente nossa união. Logo logo estaremos de mudança para fora da Turquia.