Entrevista com Ingrid Silva, bailarina do Dance Theatre of Harlem.
O icônico bairro do Harlem, em Nova Iorque, conhecido por aparecer em muitos vídeos, filmes e séries de TV, possui um espaço cultural importantíssimo, fundado em 1969, chamado Dance Theatre of Harlem – DTH – criado com o objetivo de ser a primeira companhia de ballet negra dos EUA. Dada a relevância do local no cenário artístico, a companhia, que sempre apostou na diversidade, conta, há 10 anos, com a bailarina brasileira chamada Ingrid Silva, que eu tive o prazer de entrevistar. Acompanhe a entrevista!
BPM – De que parte do Brasil você é?
Eu sou de Benfica, zona norte do Rio.
BPM – Como você chegou no DTH? Como foi essa seleção? Fale-me um pouco dessa trajetória.
Eu cheguei aqui através de uma professora que se chama Betânia Gomes. Uma amiga dela que dava aula no projeto Dançando para não dançar foi assistir a uma aula nossa, gostou muito do meu trabalho e falou: “A gente tem que mandar um vídeo dela”. Eu nunca tinha ouvido falar sobre o DTH. Foi a primeira vez e meu primeiro contato foi através dela. A gente mandou o vídeo em 2007/2008 e eu vim fazer um summer (temporada de verão) com eles antes de ter vindo para a companhia. Em 2008, eu voltei definitivamente para ficar com a companhia, com a escola, com o diretor, conheci o fundador, foi uma experiência maravilhosa.
BPM – Você nasceu no Rio de Janeiro, começou a dançar depois de ter participado de um projeto social. Que lembranças você tem desse período? Por quanto tempo você fez parte desse projeto?
Eu entrei no Dançando para não dançar com 8 anos e fiquei lá até os 18 anos. Eu fiz um estágio em uma companhia de dança antes de ter vindo para os EUA, que foi o grupo Corpo. Fiz um trabalho com eles bem antes de vir para cá, de vez; e estou aqui até hoje.
BPM – Você começou a dançar aos 8 anos de idade?
Sim, e eu considero a melhor idade, porque quando você começa muito novo, você está simplesmente brincando e correndo em volta, você não está realmente focado e fazendo o que tem que fazer.
BPM – Aos 8 anos, era algo que você já sabia que gostava? Ou sua família falou: vou colocá-la no projeto para ela ter uma atividade extra.
Eu nunca sonhei em ser bailarina, essa não era minha ideia. Na verdade, um mestre-sala que ia na Mangueira, amigo da família, falou: “Vai abrir um projeto Dançando para não dançar e lá tem ballet, vocês se interessam?” Eu já fiz todos os esportes que você imagina na vida. Comecei aos 3 anos na natação. Quando o ballet entrou na minha vida, foi muito difícil porque eu tive que escolher qual eu queria e foi bem complicado, porque eu amava natação, eu já estava competindo e ganhava medalhas. O ballet toma todo o seu tempo e precisa de dedicação. Foi quando eu troquei e escolhi o ballet.
BPM – Quais foram as maiores dificuldades ou desafios que você encontrou quando chegou aqui?
Eu acho que a língua e tentar fazer amizade com as pessoas, porque você tem que se comunicar e eu, claramente, não estava me comunicando muito bem. Eu conhecia todo mundo do ballet, mas fora eu tive que aprender a me virar. Nos primeiros anos, eu comecei a trabalhar em restaurante e eu sempre tinha uma amiga que traduzia para mim e falava: “você fala assim e assim para a pessoa”. Eu também fui para o curso de inglês, mas eu aprendi mais falando com as pessoas, ouvindo música e vendo filme. Eu acho que as maiores dificuldades foram a língua, a comida e o frio que eu odeio.
BPM – A comida também pegou para você?
Pegou, nos primeiros meses, porque eu acho que, no Brasil, a gente é sempre mais saudável. A comida aqui é muito pesada, foi bem difícil. Eu até ganhei uns pesinhos, mas até você se acostumar e saber como é que funciona, foi bem complicado.
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BPM – A profissão de bailarino tem um tempo útil?
Eu acho que isso é mais mito, hoje em dia. As pessoas dançam até quando elas quiserem. Eu acho que tudo depende da alimentação, de como você se cuida e que tipo de exercício você faz. Antigamente, as pessoas só faziam ballet e hoje a gente faz ballet e yoga. Tem sempre um exercício do lado para ajudar a conseguir resistência e manter o condicionamento do corpo. As pessoas hoje vão para o gym (academia); então, tem todo um processo. Tem gente que dança até os 50 anos. Eu achei que estaria nesta fase cheia de dor porque você começa muito nova, não é uma agressão ao seu corpo, mas é um trabalho muito árduo.
BPM – O DTH recebe bailarinos do mundo inteiro. Você acha que tem espaço para novas bailarinas brasileiras?
Bom, eu acho que tem espaço para bailarinas brasileiras em qualquer ramo da arte, não só aqui. Eu não sou a única bailarina brasileira na companhia, hoje em dia. Tem um menino, também, o Dylan. Então, a companhia sempre teve essa história de diversidade, de ter bailarinos de todos os lugares do mundo. Eu acho muito importante você sair do seu país e trabalhar em outros lugares; até porque, no Brasil, as pessoas não estão nem aí para a arte. É muito triste. O mercado brasileiro da arte é muito pequeno. Quem está, não sai; e quem é novo, não tem espaço.
BPM – Existe um intercâmbio ou projetos no DTH que possam trazer novos bailarinos ou bailarinas para fazer parte do grupo?
Ninguém ainda fez nenhum trabalho como esse e eu acho que seria muito legal se alguém fizesse. As pessoas que conhecem o grupo, ou vem para cá através de bolsa de estudo em competições – esse é o único meio que elas têm de vir – e é meio complicado, porque nem todo mundo tem oportunidade de pagar por uma competição de dança, é muito caro. Por isso, você manda um vídeo e reza para ser escolhido entre milhares de pessoas. Quando eu fiz audição, fiz com 200 pessoas. Eu e mais alguns fomos os escolhidos, mas não é fácil.
BPM – Aos 8 anos de idade você precisou fazer escolhas até chegar o momento de mandar um vídeo, alguém olhar e gostar. Como você se sente fazendo parte do DTH?
Às vezes, eu acho que é surreal porque de onde eu vim, é um em um milhão, você não tem esse tipo de oportunidade. Não é sempre que você consegue ter um trabalho como esse, ter uma oportunidade como essa, é gratificante saber que eu cheguei aqui, por isso que hoje em dia eu uso minhas redes sociais para falar bastante sobre isso, para falar sobre a oportunidade na vida de alguém e eu acho que isso pode mudar a vida da pessoa, sabe? Não é todo mundo que tem a oportunidade de sair da zona norte do Rio de Janeiro e entrar para uma companhia de ballet. É muito difícil. Não é uma coisa real, as pessoas não veem isso acontecendo sempre, mas não é impossível porque olha eu aí, né?
BPM – Quais são seus próximos planos?
Eu criei um projeto com minha sócia que se chama Empowherny – uma rede colaborativa onde mulheres se unem para se conectarem através do Instagram entrando na nossa rede para contar suas histórias: o que elas estão passando na vida, como ser mãe, como ser solteira, como ser avó, como é estar morando em outro país e ter dificuldade, diversos assuntos. Tudo através do Instagram e a gente está crescendo bastante.
BPM – Qual foi o momento mais marcante da sua carreira?
Acho que foi agora nessa última season (temporada) porque eu tive a oportunidade de dançar um ballet que se chama “O Corsário” com padede (expressão aportuguesada de Pas de Deux) e foi um dos momentos mais importantes porque você não tem essas oportunidades sempre. Então, quando você tem, você segura. Óbvio, você faz sempre o seu melhor, mas é diferente, sabe?
BPM – Para você ser bailarina e brasileira que faz parte de um grupo da importância do DTH é…
Eu acho que é uma responsabilidade muito grande estar em uma companhia dessas que é uma das primeiras companhias do mundo que tem a diversidade e a prioridade para bailarinos negros. Às vezes, é inexplicável. A gente vai em tanto lugar que as pessoas acham que você vai fazer uma coisa, você faz outra e elas saem do teatro assim: “uau, foi minha primeira apresentação.” Você toca a vida das pessoas, você muda a vida das pessoas de alguma forma e eu acho que fazer essa mudança, fazer com que elas vejam de uma forma diferente é gratificante demais.
BPM – Que recado você gostaria de mandar para os leitores do Brasileiras Pelo Mundo?
Eu acho que é muito importante elas acreditarem em si mesmas, acreditarem no seu grande potencial, acreditar que elas podem conseguir, sim, os sonhos que elas lutam, porque ter autoconfiança em si mesmo é o primeiro passo. Quando você acredita em você, outras pessoas começam a acreditar em você e quando você ama o que você faz, ou você gosta do que você faz, é muito mais importante, é divino, você coloca todo o seu coração e sua alma naquilo. Quando consegue e mostra para os outros que é possível, os outros também percebem que é possível e inspiram você a chegar lá.
Nós agradecemos a gentileza da Ingrid Silva em nos conceder esta entrevista e aproveitamos para desejá-la muito sucesso!
A entrevistada autorizou a publicação de sua foto, bem como a circulação do conteúdo da presente entrevista através das mídias digitais.