Entrevista com Valéria Barros, executiva de RH.
Nós, do Brasileiras pelo Mundo, temos como uma de nossas missões levar as mais variadas informações sobre os países em que moramos. Somos mais de 150 colunistas de todos os cantos do mundo, contando, diariamente, sobre como é ser mulher, mãe, profissional, estudante e exploradora em diversos países.
Neste mês, entrevistei uma incrível brasileira que encarou o desafio de deixar o Brasil e construir sua carreira internacional como Líder e Executiva de RH. Valéria Barros morou em países com culturas totalmente contrastantes, retornou a terras tupiquinins e hoje atua como Consultora Senior de Gestão e Coach, ajudando outras pessoas em suas inquietações de carreira.
Como foi a decisão de sair pela primeira vez do país? E as vezes seguintes?
Sempre nutri um desejo forte de ter uma experiência fora do Brasil para acelerar o meu desenvolvimento. De longe, trabalhar fora fomenta o aprendizado em vários campos: idioma, cultura, carreira. Quando trabalhava na Danone, havia um projeto mundial, todos já sabiam do meu interesse em ter uma experiência em outro país, apareceu a oportunidade e o primeiro projeto foi em Moscou.
Depois, lembro de ter cada vez mais vontade de viver outras experiências que permitissem contato com novas culturas e, de repente, eu me vi morando em quatro países ao longo de dez anos.
Em quais países você já morou e o que fazia?
Primeiro em Moscou, Rússia, depois em Montreal no Canadá, nos quais ocupei o cargo de Gerente de Projeto de Processos e Sistemas em RH na Danone, naquela época a empresa estava em plena expansão, estabelecendo-se em diversos países.
Em seguida, fui promovida para gerenciar mundialmente o projeto. Após dois anos nessa posição, tive um novo desafio como Gerente de Desenvolvimento Organizacional na França. Lá minha principal missão foi facilitar um projeto mundial de mudança com respeito ao reposicionamento da função de Pesquisa e Desenvolvimento.
Foram 3 anos em Paris e retornei para a Danone Brasil. Fui promovida como Diretora de RH no Chile, no qual morei um ano em Santiago.
Qual país você mais e menos se identificou? Por quê?
Acho que me identifiquei mais com Canadá e França. Canadá devido o estilo de vida ser prático, seguro, as pessoas serem abertas, havia uma leveza no cotidiano. O único contra foi o clima, pois vivi os seis meses inteiros de inverno.
França devido os diálogos profundos, o valor da palavra e seus significados, a dialética que permeava as conversas fez com que crescesse muito. Admiro a estética dos franceses: arquitetura, moda, pensamento (filósofos). O dia-a-dia é pesado, pois os franceses são, no geral, ranzinzas e sempre estão dispostos a criticar, por criticar, a vida.
O que menos me identifiquei foi a Rússia, talvez porque quando fui, estava ainda muito próximo da ocorrência da Perestroika, 12 anos depois, o que política e economicamente não é nada. Lá vi o boom do capitalismo, o alto turn over de jovens nas grandes corporações. Por outro lado, os russos são intelectualizados, racionais, as mulheres são lindas e sofriam com a cultura machista. Último e não menos importante, a noite em Moscou é maravilhosa.
Como a mulher é vista nesses países?
Vi machismo em praticamente todos os países, o que difere, a meu ver, são:
- frequência;
- tipo e sua expressão (do mais rude ao mais sofisticado);
- nacionalidades que povoam o ambiente de trabalho;
- cultura organizacional aberta à diversidade e políticas de inclusão.
Países como o Brasil, a Rússia e o Chile percebi maior presença de sexismo. Canadá, aparentemente, não há uma frequência alta.
Quais as principais diferenças de trabalhar no Brasil e no exterior?
A principal diferença diz respeito as culturas. O Brasil tem um estilo mais informal, afetuoso, criativo, as pessoas confiam para depois desconfiar. O conceito de tempo é flexível, diferentemente de países como EUA, Inglaterra, Alemanha que tem menos tolerância com atrasos.
O brasileiro tem um pouco mais de dificuldade em planejar e se ater a processos. Em países como a França, há um espaço claro que se respeita entre o profissional e o pessoal.
Quais os maiores desafios que você experienciou morando fora?
Profissionalmente, o grande desafio foi me adaptar rapidamente em países com culturas muito distintas e entregar resultados num curto prazo.
Pessoalmente, conectar com os locais e estabelecer vínculos além dos profissionais. Entender o estilo de vida e experienciar o cotidiano sem muito desconforto.
Você já presenciou/experienciou algum preconceito por ser estrangeira/mulher fora do Brasil?
Sim, uma vez um executivo de nacionalidade européia, na Rússia, fez um comentário se referindo ao fato d’eu ser brasileira, sugerindo que as pessoas tem uma visão de que são “fáceis”, para eu tomar cuidado.
Conta pra gente uma situação inusitada que você já viveu fora do Brasil?
Fui jantar com a equipe toda de um projeto em Istambul, na Turquia, estávamos todos super felizes, local lindo, na beira do Bósforo. Quinze minutos depois, aquela voz linda no microfone: “senhoras e senhores, por favor deixem o local pois há suspeita de bomba”. Tudo que é bom dura pouco. Risos.
Como foi a sua volta para o Brasil?
Voltei em dois momentos. O primeiro, tive uma dificuldade de readaptação. Vim da França e existem algumas diferenças culturais que para mim foram muito expressivas:
- as refeições tem um ritual e são momentos de real conexão com outras pessoas;
- os franceses falam baixo. Falar baixo é sinônimo de boa educação; os brasileiros falam alto e isso é sinônimo de segurança pessoal;
- o brasileiro, em sua maioria, não utiliza “por favor, “licença”, utiliza-se de recursos tonais para externar a intensidade do que sente. Na França, o tom é contínuo, não tem grandes variações e a palavra tem um valor imprescindível;
- o francês se preocupa em designar uma palavra para seu real significado; no Brasil, as pessoas parecem não se importar com o uso de algumas palavras, apropriam-se de algumas como: “assertividade” para expressar “efetividade” e, assim, não ligam muito para o efeito disso na comunicação.
No segundo retorno ao Brasil, após a vivência no Chile, foi uma espécie de alívio, pois decidi dar uma parada na carreira e estar próxima da família.
O que você faz hoje e qual foi o impacto da sua vivência internacional na Valéria de hoje?
Meu propósito é ajudar pessoas em suas inquietações, especialmente, de carreira. Minha experiência me permitiu um vasto repertório de significados.
Protagonizei todas as minhas decisões, as que me deram profunda satisfação e aquelas mais duras – que me fizeram crescer, vivi crises de identidade, tendo tantos lugares pra chamar de meu e, ao mesmo tempo, sem fixar-me neles. Hoje, com toda essa experiência, posso auxiliar pessoas em seus ritos de passagem e mudanças mais radicais.
Você tem alguma dica pra dar para as brasileiras e brasileiros que querem mudar para algum desses países?
Sugiro pesquisar sobre outras culturas, conversar com pessoas que já viveram lá, ou até passar uma pequena temporada ou fazer um Treinamento Intercultural.
Escrevi um artigo em 2014 sobre viver em outro país, na época da Copa do Mundo, em que ‘todos’ os brasileiros queriam morar na Alemanha. Se quiser ler o artigo, clique aqui.
Qual conselho você daria às brasileiras que estão morando fora, enfrentando dilemas profissionais ou pessoais?
Que se apoiem mutuamente. Aconselho que sempre que se virem diante de dilemas, que busquem ajuda, com algum(a) mentor(a), com parentes ou amigos. Que troquem idéias com pessoas que já viveram em outros países, pois é uma experiência muito específica. E se quiser se aprofundar na busca do autoconhecimento, estou aqui. Contem comigo em seus crescimentos pessoais e profissionais!
O BPM agradece à entrevistada por sua colaboração. Valéria discute e escreve sobre conteúdo relacionados à carreira e comportamento no Instagram e LinkedIn.