O texto de hoje sobre a Dinamarca e os estereótipos dinamarqueses tem inspiração na Grécia. Calma, queridos leitores! Eu prometo que o vinho ainda não comprometeu tanto assim minha sanidade, e vou explicar tudinho para vocês.
Bem, eu tenho um casal de amigos gregos aqui na Dinamarca, e volta e meia me surpreendo pela influência da língua deles em nosso querido português. Eis que, certa noite, conversávamos sobre palavras de origem grega, e ao me dar conta que a palavra “estereótipo” vem do grego, significando “impressão sólida”, passei a pensar sobre quais são os estereótipos mais comuns na Dinamarca. Após intensa pesquisa informal entre meus amigos dinamarqueses, selecionei dois dos principais estereótipos do país para esclarecer aqui: os “Brians” e as “Princesas do Bloco”. Entretanto, antes de iniciar o texto, gostaria de deixar claro que ele tem intuito meramente informativo, e que transmite impressões colhidas entre dinamarqueses e em sites da Dinamarca. Nem todo Brian é um “Brian”, e nem toda a jovem do conjunto habitacional é uma “princesa do bloco”, e mesmo que fossem, não há nada de errado nisso. Bem, depois desse disclaimer, é hora de descobrir um pouco mais sobre estes personagens do folclore cotidiano-contemporâneo dinamarquês.
O “Brian”
Para entender o significado deste estereótipo, é preciso voltar um pouco no tempo e lembrar do pós-2ª. Guerra Mundial, quando a hermética Dinamarca entrou em contato mais profundo com outros países – em especial com a influência da mídia americana- e, como resultado, muitos pais e mães dos anos 60, e especialmente aqueles com condições sociais não tão favoráveis, batizaram seus filhos com nomes americanizados, como Kenneth, Tommy, Danny, Connie, Randy, Lizzy e Brian.
Não demorou muito para que estes nomes fossem associados com pessoas de baixa instrução, e muitos dinamarqueses de meia-idade carregam este estigma até os dias de hoje, independentemente de seu sucesso profissional ou pessoal. De todas as variações de prenomes americanizados, os Brians receberam uma conotação especialmente negativa, e dizer que alguém “é um Brian” na Dinamarca tem um significado bastante específico, uma expressão que integra o discurso cotidiano de tal forma que é possível ler nos jornais manchetes como “A estrela do reality show afirmou: eu não quero um Brian para mim”.
Essencialmente, ser um “Brian” aqui significa ter baixo nível de instrução, gastar quase todo seu tempo e dinheiro rebaixando seu carro e instalando luzes neon hipnóticas no veículo, dirigir rápida e perigosamente enquanto escuta música alta, e estar frequentemente envolvido em brigas de bar.
Além disso, sites dinamarqueses elencam mais características ao modo “Brian” de ser, como usar regata mais de 60% do verão, seja na academia, na discoteca ou no trabalho, geralmente acompanhada de um Nike Shox, de um boné flexfit com a aba levantada e devidamente coordenada com uma bermuda cargo de estampa camuflada. Um legítimo “Brian” é sempre acompanhado do seu possante, o Brianbil (literalmente, “carro Brian”), um veículo esportivo, geralmente azul-calcinha cintilante, com aerofólio traseiro e rebaixado, no qual eles cruzam as ruas da cidade compartilhando seu gosto musical duvidoso para quem queira – e para quem não queira – ouvir. O amor do “Brian” por automóveis extravagantes é tão grande que muitos se mudam para a Suécia para se beneficiarem de impostos menores sobre seus veículos.
“Brians” são considerados baderneiros, causadores de confusão em bares ou partidas de futebol, e ostentam tatuagens com dizeres transcendais, como “no regrets”, “never a failure, always a lesson” e outras frases de efeito que podem ser atribuídas a Clarice Lispector. Para manter seus Brianbodies, eles frequentemente recorrem a esteróides e anabolizantes (afinal, não é fácil ostentar regata o tempo todo sem muito Crossfit e Primobolam), conquistando os corações do segundo estereótipo dinamarquês a ser analizado: as princesas do bloco!
“Princesas do Bloco”
Quando eu iniciei minha carreira na Dinamarca, eu trabalhava em Høje Taastrup, pegando o trem às sete da manhã. Aos poucos, comecei a observar os outros passageiros, e percebi a presença de muitas jovens que, no Brasil, pertenceriam a uma tipologia borderline entre piriguete e drag queen. Elas ostentavam um bronzeado laranja-Trump o ano inteiro, apesar dos meses seguidos de neve, e suas longas unhas postiças, pintadas em cores de espectro radioativo, fariam Wolverine sentir inveja. O visual era complementado por longuíssimas extensões capilares no mais legítimo tom “loira de farmácia”, e seus lábios devidamente preenchidos, transbordando gloss com glitter, eram um elemento de equilíbrio para os cílios-aracnídeo e as finíssimas sombrancelhas de circo dos horrores dos anos 50. Os peitos, inflados por próteses, quase chegavam na altura do queixo, e as combinações de roupa eram nada menos do que alegóricas.
Anos mais tarde, me deparei com um documentário chamado “as princesas do bloco”, que explicava o estilo de vida destas meninas cujo lema era “quanto mais falso, melhor”. Oriundas de áreas menos favorecidas, geralmente conjuntos habitacionais, estas jovens criaram uma estética própria e, segundo elas, a adoção deste padrão, que nos parece extremamente artificial e provocativo, as empoderava e as tornava mais fortes, ajudando-as a lidar com uma realidade dura e implacável. Muitas delas sofreram abusos na infância e, tal como os “Brians”, ocupavam posições que requerem pouca instrução, intercalando a rotina de bronzeamento artificial e unhas de gel com injeções de substâncias ilegais para acelerar o bronzeamento, sem muita perspectiva de um dia efetivamente serem aceitas pelas parcelas mais tradicionais da sociedade dinamarquesa.
O documentário me ajudou a ter outra perspectiva sobre a vida e a realidade das “princesas do bloco” e, por extensão, dos “Brians”, descortinando um mundo bem diferente da tão celebrada igualdade social dinamarquesa. Sim, a Dinamarca é um país amplamente igualitário, mas isto não significa que parcelas da sociedade não sejam excluídas, julgadas e estigmatizadas por não corresponderem ao padrão nórdico-clean-alto-loiro-vestido-de-preto, e eu mesma confesso que, antes de entender o fenônemo, engrossava o coro do preconceito. Hoje, contudo, entendo que ser um “Brian” ou uma “princesa do bloco” é algo tão válido quanto ser um estereótipo de dinamarquês “Mads Mikkelsen em propaganda da Carlsberg”, elegante, bebendo chá na sua xícara da Royal Copenhagen e assoando seu nariz no lenço Georg Jensen Damask. Em uma sociedade que se torna cada vez mais excludente, espero por um mundo no qual cada um possa ser o que quiser, e que sejamos menos ávidos para julgar do que para compreender o que nos cerca.
10 Comments
Muito legal o seu texto, Camila! A gente muitas vezes pensa que certos tipos de comportamentos só existem aqui no Brasil, e inclusive julgamos as pessoas sem conhecer suas histórias.
Obrigada, Bruna!
É interessante perceber que certos comportamentos não têm fronteiras 🙂
Beijos
Olá Camila! Com vai?
Texto muito bem escrito, parabéns, aliás, todos os seus textos são demais, sempre os acompanho!
Sou estudante de Relações Internacionais e desejo muito um dia morar aí na Dinamarca também.
Oi Adriano, tudo bem ?
Fico super feliz em saber que você me acompanha aqui no BPM 🙂 Eu lecionei Direito Internacional para Relações Internacionais, e desejo muita sorte na sua caminhada – e que ela te leve até aonde você quer chegar! Abraços
Oi Camila, interessante seus artigos. Estou prestes a ir morar me Billund e não tinha a menor ideia de como seria o dia a dia aí. Estou preocupada com o uso da roupa preta, esta eliminei quase por completo do meu gurada roupa, causa-me depressão.
Uso muita roupa com alguma cor, mesmo no inverno gaúcho, e não sei se terei coragem para retornar ao preto para me compatibilizar com o padrão daí. Gostaria de saber da tua opinião.
Sucesso e abraço fraterno.
Olá Maria Luiza,
A Camila Vicenci Witt parou de colaborar conosco, mas temos outra colunista na Dinamarca chamada Cristiane Leme que talvez possa te ajudar.
Você pode entrar em contato com ela deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM
Maria Luiza, eu moro a 1 h de carro de Billund e posso lhe garantir que não há uma ditadura da moda aqui que nos impeça de usar cores. Meu guarda-roupa é o mais colorido da empresa (e da minha família dinamarquesa, hahaha!).
Estar bem na nossa pele é fundamental. Integrar-se significa continuar sendo você mesma, respeitando a cultura do país pra onde você se mudar, sem necessariamente ter que mudar para se adequar. Não precisa voltar a usar preto só porque muita gente na Dinamarca usa. Abrace a sua personalidade e mostre-a para o mundo! Tenha orgulho de usar as cores que te fazem feliz!
Abraços e as boas vindas! E aproveite para ler outros artigos sobre a Dinamarca, eu e minhas colegas colunistas temos mais de 100 artigos publicados 🙂
Camila, amei seu texto e sua forma de escrever. Cheguei à pouco em CPH e o que escreves aqui me ajuda muito. Seria possível um contato contigo? Abç (biancagomesprofessora@hotmail.com)
Olá Bianca,
A Camila Vicenci Witt, infelizmente parou de colaborar conosco.
Obrigada,
Edição BPM
Bianca, tem grupos de brasileiros na Dinamarca no Facebook, e há um grupo bem grande de brasileiros e brasileiras em Copenhague.
Dê uma procurada por esses grupos. Eu moro na Dinamarca, mas na Vestjylland, a mais de 300 km de Copenhague…
Recomendo dar uma lida em outros textos sobre a Dinamarca, temos mais de 100 textos publicados e 3 colunistas ativas no país.