Liberação da maconha em Seattle.
Em 2012, depois de um referendo popular, a maioria dos eleitores do estado de Washington decidiram pela liberação do consumo e comercialização da maconha. Diferente de outros lugares, esse assunto aqui nem provoca polêmicas! Digo isso porque a maioria dos moradores da região, mesmo os não consumidores de maconha, são favoráveis à legalização de seu uso.
Minha colega, Camila Picolli do BPM, já escreveu em seus textos o quanto Seattle é uma cidade diferente da maioria das grandes cidades norte-americanas. Há aqui uma atmosfera muito mais liberal, tanto em comportamentos políticos, quanto sociais. Seattle é famosa por respeitar as opções de gênero e sexo e também por ser a capital do primeiro estado americano a liberar o uso da maconha para fins recreativos.
No início desse ano, o estado da Califórnia também aderiu à legalização. Saiba mais no texto de Raiane Rosenthal, grifado abaixo no “leia também”.
Leia também: Legalização da maconha na Califórnia
O que isso significa? No estado de Washington, qualquer pessoa, maior de 21 anos, pode entrar nas “dispensarias” especializadas em venda de maconha e comprar seu próprio baseado. O consumo em espaços públicos, contudo, continua sendo proibido.
Na prática houve um gigante aumento da receita estadual, já que os lucros resultantes da comercialização da maconha, são taxados em 37% – Washington tem a taxa mais alta do país! Trata-se de um número que beira os U$9 bilhões de dólares anualmente. Houve também um grande aumento das oportunidades de emprego, seja em lojas, ou em fazendas que cultivam e produzem a cannabis. Evidentemente, o consumo da maconha também é alto e diferente de outros lugares por onde passei – de São Paulo a Nova Iorque – não se trata de um comportamento “marginalizado”. A legalização da droga não se restringe somente ao seu consumidor, mas principalmente à sua comercialização, que deixa de fazer parte de uma organização criminosa, com fazendas de trabalho escravo e infantil na América Latina, e se torna uma importante fonte de arrecadação e emprego.
Um dado interessante é que as lojas só aceitam pagamento em dinheiro, e não podem usar contas bancárias. O motivo para isso é que os bancos são entidades regulamentadas pelo Governo Federal, e no âmbito Federal, a comercialização de maconha é crime. Se as lojas usassem contas bancárias, poderiam ter suas contas bloqueadas e os proprietários seriam presos fora do estado. Trata- se então de um negócio bilionário, movimentado em “cash” (dinheiro vivo!).
Os entusiastas da maconha defendem que a erva, comprovadamente mais inofensiva do que o tabaco e o álcool, tem poderes medicinais, sendo inclusive uma alternativa saudável a anti-depressivos. Além disso, essa mesma linha afirma que a maconha não causa dependência química e que dizer que é “porta de entrada” para drogas mais fortes é um equívoco.
Existe um livro interessante sobre o assunto, que trata da epidemia de heroína no país e o quanto ela está dissociada do consumo de “cannabis”. O livro chama-se Dreamland, do escritor Sam Quinoune. Segundo o autor, a dependência de opióides começa na prescrição desenfreada de medicamentos, que desde a primeira infância, tem sido receitados quase que indiscriminadamente. De analgésicos a ansiolíticos, a medicina – sobretudo nos anos 2000 – foca absolutamente na prescrição de medicamentos e não em tratamentos alternativos ou naturais. Há, inclusive, uma mudança de paradigma no trato de questões que eram comuns na infância da minha geração (anos 80), onde ansiedade, medo da escola, dificuldade de relacionamentos, etc., jamais eram tratados como problemas psicológicos que necessitassem de intervenções químicas.
Não sou especialista em educação, psicologia ou drogas, mas sou uma atenta observadora da vida cotidiana e posso afirmar, sim, que as novas gerações têm muito mais problemas relacionados à ansiedade do que a minha. Pode-se atribuir isso ao boom das redes sociais, ao excesso de informação, etc. Mas é de fato, um problema, que precisamos encarar. Assim como o consumo de drogas.
Seattle decidiu dar um passo em relação a isso, abrindo o caminho da descriminalização, para quebrar o tabu e a marginalização com que a maconha, normalmente, é associada. Por ser relativamente recente, não podemos ainda afirmar se a decisão foi de fato positiva. Na prática, vejo que a grande maioria da população faz uso regular da erva. As lojas que vendem maconha são bonitas e organizadas, e nem de longe lembram pontos de droga, ou “bocas de fumo”. Há uma infinidade de produtos, que vão desde a variação de ervas, até balas, chocolates e outros tantos produtos comestíveis, que levam cannabis na sua composição.
Por outro lado,há uma linha de pesquisa, dirigida por neurocientistas da Escola Médica de Harvard, que afirmam que o consumo precoce de maconha, sobretudo em crianças e adolescentes, pode provocar danos irreversíveis ao cérebro, diminuindo a atividade normal de raciocínio.
Uma busca no Google pode deixar qualquer um ainda mais confuso, já que como todo assunto polêmico, os dois lados (que defendem a descriminalização e os que a rejeitam) se baseiam em estudos, estatísticas e pesquisas acadêmicas.
O fato que faz com que eu me posicione a favor da descriminalização vai além a do direito de escolha de cada cidadão e sim contra o efeito negativo que a criminalização resulta em populações mais pobres (e de maioria negras) aqui nos EUA. Os números da criminalidade em Seattle, caíram consideravelmente depois da legalização, uma vez que enfraqueceram os cartéis de distribuição ilegal da droga.
A criminalização tem maior impacto em populações carentes, sobretudo de afro-americanos e latinos, que são sempre o elo mais fraco dessa corrente. Dados oficiais apontam que a cada 0.01 hora uma pessoa é presa no país por porte indevido de maconha, sendo que afro-americanos são 3.73 vezes mais condenados do que brancos. Isso explicita a delicada – e cruel- relação entre criminalidade e preconceito.
Deixando a hipocrisia de lado, sabe-se que a maconha é consumida em larga escala no mundo todo e não se trata de um privilégio de uma ou outra classe social, acontece em todos os lugares, mas as grandes vítimas serão sempre os que estão às margens da sociedade, tanto aqui nos Estados Unidos, como no Brasil.
E por falar na nossa terra, os grandes centros urbanos brasileiros, sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo, têm sofrido por anos com a escalada desmedida da violência, normalmente associada ao tráfico e às grandes facções criminosas, que dominam as comunidades carentes. Será que a legalização da maconha, não poderia ser finalmente considerada como uma alternativa no combate à carnificina que assistimos, ao invés de tanques e exércitos armados nas ruas? Para pensar…. gostaria de ouvir a sua opinião!
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