Seattle respeita a humanidade em todas as suas diferenças.
Muitas vezes somos surpreendidos com nossas próprias mudanças de opiniões, paradigmas e comportamentos. Eu diria, que enquanto estivermos vivos, estaremos sempre em constante mudança e evolução.
Para àqueles, que como eu, tiveram ou têm a oportunidade de viver fora do Brasil, essa experiência é ainda mais intensa.
Me mudei para Seattle em 2016, depois de três anos vivendo na Virginia. Apesar de já ter vivenciado muitas experiências novas e transformações, foi aqui, na cidade do grunge, do Nirvana e de Kurt Cobain, que senti na pele o nascimento de uma nova Gabriela.
Eu cresci em uma família típica de classe média paulistana, cheia de “certezas”, e valores imutáveis, que eram passados através de gerações. Uma certa inflexibilidade de opinião e a falsa convicção de que os meus valores morais eram os corretos. Ainda mais por ter frequentado um colégio católico de nome muito sugestivo: Virgem Poderosa.
Passei quase 40 anos da minha vida em bolhas. A bolha da família; a bolha dos amigos; a bolha do trabalho; a bolha da vizinhança, etc… Todos com comportamentos e valores muito similares. É preciso viramos a vida de cabeça para baixo para enxergarmos o quanto estamos sempre isolados em padrões que acabam nos definindo.
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A Filosofia, tão maltratada no nosso país tupiniquim, sempre traz respostas a tudo. Vejam o “Mito da Caverna”, escrito por Platão, séculos antes de Cristo. Para quem não conhece, transcrevo aqui uma explicação sucinta:
O Mito da Caverna
“De acordo com a história formulada por Platão, existia um grupo de pessoas que viviam numa grande caverna, com seus braços, pernas e pescoços presos por correntes, forçando-os a fixarem-se unicamente para a parede que ficava no fundo da caverna.
Atrás dessas pessoas existia uma fogueira e outros indivíduos que transportavam ao redor da luz do fogo imagens de objetos e seres, que tinham as suas sombras projetadas na parede da caverna, onde os prisioneiros ficavam observando.
Como estavam presos, os prisioneiros podiam enxergar apenas as sombras das imagens, julgando serem aquelas projeções a realidade.
Certa vez, uma das pessoas presas nesta caverna conseguiu se libertar das correntes e saiu para o mundo exterior. A princípio, a luz do sol e a diversidade de cores e formas assustou o ex-prisioneiro, fazendo-o querer voltar para a caverna.
No entanto, com o tempo, ele acabou por se admirar com as inúmeras novidades e descobertas que fez. Assim, quis voltar para a caverna e compartilhar com os outros prisioneiros todas as informações e experiências que existiam no mundo exterior.
As pessoas que estavam na caverna, porém, não acreditaram naquilo que o ex-prisioneiro contava e chamaram-no de louco. Para evitar que suas ideias atraíssem outras pessoas para os “perigos da insanidade”, os prisioneiros mataram o fugitivo.” Fonte: Significados.com.br
Chegar em Seattle, foi a minha forma de sair da caverna. Ainda que eu já tivesse visto uns raios de luz nos meus anos de Washington DC, eu continuava presa naquela vida-conceito de subúrbio americano, que tanto lembra a classe média brasileira.
Viver dentro de uma grande cidade americana, já faz uma enorme diferença! A diversidade está na sua porta, no ônibus que você pega, no mercadinho da esquina onde você faz suas compras, no café onde você vai para pausar o seu dia, nas lojas de segunda mão onde você passa a comprar suas roupas, na ausência de zonas de conforto, como shoppings centers gigantes, “Targets” e “Wallmart”, onde tudo é infinitamente parecido.
Seattle consegue dar um passo além! Trata-se de uma das cidades mais tolerantes dos EUA. A tolerância e o respeito às escolhas alheias são uma realidade por aqui. Kurt Cobain, imortalizou isso com sua famosa música : Come as you are. (venha como você for, ou seja o que você quiser!)
Você pode escolher se vestir de Chanel e fazer compras na Nordstrom em downtown, ou sair vestido com seu pijama de unicórnio, saltitando em Capitol Hill. Você pode gostar de homens e mulheres, se apaixonar por pessoas e não gêneros, você pode ganhar a vida tocando Jazz na feira de rua de Ballard, ou capitalizando clientes para a Amazon. Você pode morar numa casa barco de 30 m2 ou em uma mansão com vista para o Lago Washington. Há também – e muito – quem more embaixo de pontes e viadutos, abrigados apenas por uma tenda de camping. Mas mesmo assim, a cidade os recebe, e há o maior número de instituições dedicadas a moradores de rua, no país.
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Você pode frequenter as inúmeras igrejas católicas e protestantes pela cidade, ou você pode ser ateu e ainda assim ser professor de religião em uma escola católica. (sim! esse é o professor da minha filha).
Você pode comprar maconha na loja do bairro, ou nunca ter experimentado um cigarro qualquer…
Seattle é a cidade que abraça a todos. Claro que tem problemas. Claro que existem dificuldades doloridas de se encarar, mas, há respeito. Ninguém julga ninguém e isso parece ser a regra velada que todos seguem.
Seattle me ensinou que o conceito de humanidade é muito mais abrangente do que àquele que a minha vista e minha experiência pessoal alcançavam. Não há certo ou errado, há escolhas, que tem que ser respeitadas. Pouco a pouco, meus preconceitos foram demolidos e fui arrancada para fora da caverna.
A vida está agora – de novo – me colocando em outro lugar e em breve estarei escrevendo de um lugar muito mais conservador e fechado. Mas depois que a nossa alma cresce, ela não encolhe jamais e isso Seattle me ensinou.
Seguimos, ao som de Nirvana!
Até mês que vem.
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Adorei, Gabi!
Bjsss