Os leitores que acompanham os meus textos no Brasileiras Pelo Mundo, com certeza já leram o artigo que escrevi há algum tempo sobre a alimentação nos EUA. Hoje, compartilho com vocês minha experiência com as fazendas urbanas norte-americanas, algo que não apenas ajuda a manter uma alimentação mais saudável, mas que também beneficia a mente, pode nos ajudar a criar um novo grupo de amigos em nosso novo país e, acima de tudo, nos empodera.
O começo
Quando era criança, uma das minhas maiores alegrias era ajudar minha mãe a cuidar da horta que tínhamos no quintal de casa. A cada novo tomate que crescia no pé eu fazia uma festa, estava no auge dos meus 3 anos de idade. Com o tempo e as inúmeras mudanças que fizemos, a horta passou a ser algo com o qual eu só tinha contato durante as férias, quando visitava a casa dos meus avós maternos e paternos. Minha família toda tem forte descendência indígena. Meu avô, até hoje, aos 97 anos, ainda prefere se curar através das ervas que tem no quintal do que ingerir qualquer remédio prescrito por um médico profissional. Apesar de eu passar o ano inteiro sem contato praticamente algum com a natureza, era durante as férias que o sangue indígena aflorava e eu passava horas ouvindo as explicações do meu avô sobre a criação de porcos e galinhas, ajudando-o a molhar as plantas ou colher frutas que sempre cresceram em grande abundância na casa dele. Era nas férias que eu reecontrava as tradições que sempre cercaram a minha família e era assim que eu também me “reencontrava”. Mal sabia eu que, anos mais tarde, a tal horta do quintal da família teria um nome mais chique: fazenda urbana.
Em 2010 veio a mudança para os EUA. Sozinha, aqui eu não teria minha mãe para escolher as melhores frutas e verduras, fazer o chá da erva “não-sei-o-quê” quando eu ficasse doente ou me dizer qual o peixe mais fresco deveria comprar. Eu tinha que me virar pra tentar comer bem e o começo foi um desastre. Porém, entre uma pesquisa e outra, uma conversa e outra e muitas idas frustadas a grandes redes de supermercado, percebi que a minha geração estava prestando muito mais atenção na origem de seus alimentos, na forma como a comida era produzida e o que estávamos ingerindo. O número de jovens que, como eu, deixavam os fast-foods e hipermercados de lado para comprar nas feiras de rua e se envolviam cada vez mais com o plantio urbano de suas próprias frutas e verduras só fazia crescer. Comprar comida pré-pronta já não era mais tão “cool”. Cool, era fazer parte da real geração saúde, e com isso, as opções de comida saudável cresciam cada vez mais. Aprendi que não era preciso um grande espaço ou uma larga escala, o importante era cultivar o próprio alimento, de forma sustentável, ou seja, de forma natural e consciente. Tudo muito bonito na teoria né? Mas e na prática? Eu simplesmente não conseguia produzir NADA no meu apartmento nos primeiros anos. Minha horta nunca ia pra frente e até criança primária conseguia plantar “feijão no algodão” melhor do que eu. Foi aí que eu descobri as chamadas “urban farms”, ou fazendas urbanas, em português, e isso causou uma mini-revolução na minha vida.
O recomeço
Se eu não conseguia cultivar algo em casa, isso não siginificava que eu não poderia cultivar na rua. Foi assim que decidi me unir à uma fazenda urbana comunitária de uma igreja, que ficava, literalmente, ao lado do meu apartamento. Todo mundo que participava era voluntário. Cada participante doava um valor X para a compra de sementes e adubo natural, e todo domingo, pela manhã, nos reuníamos para cuidar da nossa fazendinha. E sim, ela ficava no meio da cidade de St. Louis, cercada de casas, prédios, semáforos e engarrafmento. Quando chegava a hora de colher, tudo que havia sido produzido era dividido por igual entre os voluntários, e assim, tudo mundo voltava pra casa com frutas e verduras que foram cultivadas de forma 100% sustentável e praticamente de graça.
Aqui em Washington, D.C. já encontrei um outro grupo. Como o espaço no Distrito é super limitado e cheio de regras, nossa fazenda urbana foi construída em cima de dois containers. Sim, containers, desses que usam pra fazer mudança. Era o espaço que a gente tinha disponível e por que não utilizá-lo? Além disso, aprendi tanto que na janela do meu apartamento eu já plantei manjericão, tomate, alface, couve, coentro e cebolinha. E por enquanto tá dando certo…
Tipos de fazendas urbanas nos EUA
Existem diversos tipos de fazendas urbanas: comunitárias, com fins lucrativos, outras do governo, mas ainda assim seguem a linha de sustentabilidade.
As fazendas urbanas que buscam lucro geralmente são gerenciadas por pequenos empreendedores/agricultores que buscam oferecer à comunidade daquele bairro/cidade itens produzidos ali mesmo, de forma que não há necessidade de transporte ou uso de químicos para que os itens não estraguem durante o deslocamento. A produção pode ser comprada diretamente com o dono (e até entregue na sua casa) ou em pequenas mercearias daquele bairro. O tamanho das fazendas urbanas varia, mas são sempre pequenas e praticamente qualquer tipo de espaço pode ser utilizado. Os preços nem sempre são super baratos, até porque não há produção em larga escala, mas na maior parte das vezes a qualidade é infinitamente melhor do que qualquer grande rede de supermercado poderia oferecer. Quem não prefere um tomate ou um manjericão bem fresquinho?
O número de fazendas urbanas cresceu tanto nos últimos anos nos EUA, que o United States Departmento of Agriculture (USDA) criou um programa de financiamento, em 2013, só para apoiar financeiramente quem quer levar esse tipo de projeto à frente. Mais de 23 mil agricultores urbanos já pegaram financiamento com o governo nos estados da Califórnia, Connecticut e Massachusetts. No total, mais de US$ 518 milhões já foram investidos e seguem dando retorno. O próprio governo federal já criou fazendas urbanas, são 12 no total, e espera-se que em 2017 esse número cresça ainda mais. Em Nova York (NY), por exemplo, foi criada uma incubadora chamada Square Roots. O projeto consiste na criação de fazendas verticais dentro de containers espalhados pela cidade de NY. De acordo com o donos do projeto, fazendas verticais gastam 80% menos água do que as fazendas ao ar livre e exigem muito menos espaço.
Também existem projetos de empoderamento social através das fazendas urbanas. É o caso do Homeless Garden Project, que atrai moradores de rua para uma fazenda urbana de 3 acres, na Califórnia. Lá eles recebem treinamento e todo alimento cultivado é entregue a eles ao final da estação. O projeto não apenas os alimenta, mas os ensino a cultivar algo e os empodera.
Participe você também
Como é possível observar, as fazendas urbanas trazem inúmeros benefícios à sociedade. Não é preciso ter muito talento e nem muito espaço pra agricultura para fazer parte de um projeto bacana e plantar a sua própria comida, basta ter vontade! Quem estiver interessado em fazendas urbanas, pode acessar mais informações aqui.