Fazendo amigos longe de casa.
Quando eu cheguei a Barcelona, há mais ou menos oito anos, lembro-me de conversar com um amigo que vivia aqui sobre como fazer amigos longe de casa, e ele me disse: “Cuidado, não faça somente amigos brasileiros, ou você não vai se integrar em nada com a cultura local!”
Naquele momento, vinha para fazer um mestrado e morar na Espanha por um ano, e realmente levei a sério o conselho que recebi. Tentei me aproximar de pessoas daqui, de estrangeiros em geral, mas não procurei as comunidades de brasileiros nem me esforcei para fazer amigos conterrâneos. Durante muito tempo acredito que foi uma decisão inteligente, visto que me permitiu abrir mais meus horizontes e conhecer gente nova, que tinha uma visão do mundo muito diferente da minha. Fazia parte da experiência como um todo, de explorar o novo e o desconhecido.
Leia também: Tudo que você precisa saber para morar na Espanha
Quando você convive com pessoas de outro país, de outra cultura, tudo tem uma perspectiva diferente. E o mais curioso é que, de alguma maneira, você também se torna uma pessoa diferente do que era, intencionalmente. As piadas, as referências culturais, as músicas, os anúncios da TV… tudo o que você viveu até aquele momento não significam o mesmo para os seus novos amigos. O mundo, da maneira que você viveu e o entendeu até agora, não existe para eles, e vice-versa.
Por um lado, isso oferece uma riqueza enorme de experiências, conversas, situações novas. Por outro, faz com que você tenha que filtrar tudo o que pensa antes de falar. Vai saber se essa expressão tem o mesmo sentido em outro idioma? Ou se vai significar o mesmo para alguém que não conhece as mesmas referências que você?
A curto prazo, eu diria que a parte positiva supera em muito a negativa. A quantidade de novidades e coisas que se pode aprender são infinitas e entusiasmantes. A sensação de ter sua vida, e mente, se expandindo é palpável e incrivelmente real. Assim, fiz vários amigos locais e de outros países, com os quais aprendi muito e me diverti ainda mais comparando as diferentes maneiras de ver o mundo!
Com o tempo essa sensação acaba se transformando. Não estou falando em meses, mas em anos… principalmente, estou falando de quando a decisão de estar fora não é mais algo temporário, mas quando você se vê fazendo planos definitivos de viver em outro país, sem previsão ou passagem de volta já compradas. Aí, a coisa começa a mudar de figura.
Leia também: Você sofre de brasileirofobia?
Com essa decisão, várias sensações mudaram dentro de mim. Não é que porque seja uma decisão definitiva, para toda a vida. Afinal de contas, isso não sabemos realmente nunca, não é mesmo? Mas quando os planos de voltar ao Brasil ficaram mais distantes, e a certeza de que a vida nova aqui iria durar mais que o inicialmente previsto, muitas coisas mudaram na maneira como eu via meus amigos e minhas relações com eles.
Para começar, as diferenças que antes pareciam maravilhosas, interessantes e intrigantes, passaram a ser cada vez mais complicadas, cansativas e estressantes. A necessidade de contar uma piada simples ou fazer um comentário e não ter que explicar o background foi crescendo até ficar insuportável. Os maus entendidos que antes pareciam sempre muito engraçados, agora eram cada vez mais constrangedores e repetitivos.
Tive que rever minha decisão inicial, e entender que fazer amigos brasileiros não só era importante nesse momento, mas era essencial para mim. Alguém com quem possamos compartilhar um olhar, uma risada, e tudo já está entendido. Que saiba do que você está falando porque viveu situações parecidas, que sabe as mesmas expressões e ri das mesmas situações que você. Descobri que compartilhar nacionalidade não é uma questão de passaporte, de raça, de cor ou de sobrenome… mas, sim, de compartilhar referências culturais, de cumplicidade, de vivências. É uma questão de ter brincado dos mesmos jogos e ter dançado as mesmas músicas na adolescência. De ter visto os mesmos anúncios na TV e de ter visto os mesmos atores e piadas nas novelas.
Claro que não deixei meus amigos estrangeiros de lado, nem deixei de fazer novos amigos por aqui! Ainda acho incrível constatar as diferenças e me divirto com a maneira de pensar de cada lugar. Mas tive que reinventar um pouco (ou melhor, ainda estou em processo!) minha maneira de ser e me comportar, porque usava tantos filtros que já nem me reconhecia mais! No final das contas, tive que começar a buscar algo entre o meu eu original, que existia no Brasil, e o que eu tinha criado por aqui. Essa busca é interna e externa ao mesmo tempo, e nada fácil de alcançar.
Agora tento balancear meu tempo entre fazer novos amigos, encontrar os antigos, entrar em novas atividade e comunidades para estar com brasileiros perdidos por essas bandas, e ao mesmo tempo rever os amigos locais sempre que possível. Mas o mais importante disso tudo está sendo tentar encontrar a mim mesma, entre tantas línguas, culturas e hábitos diferentes!