Felicidade na Holanda.
De acordo com o relatório das Nações Unidades de 2019 os Países Baixos são o quinto país mais feliz do mundo. Mas afinal, o que seria a felicidade holandesa?
Em 2019 o “top 5”ficou assim: Finlândia, Dinamarca, Noruega, Islândia e Holanda. É importante saber que o relatório classifica os países em seis variáveis que apoiam o bem-estar: renda, liberdade, confiança, expectativa de vida saudável, apoio social e generosidade.
Os pontos chave de classificação me fizeram pensar em como a felicidade pode ser conceituada. Primeiro cai por terra a história de que dinheiro não traz felicidade: os países mais felizes são ricos e renda foi inclusive um fator chave.
Mas será que é o dinheiro em si? Ouso dizer que não é exatamente riqueza naquele conceito de pessoas realmente ricas. É a riqueza na média. Explico: por aqui é difícil se tornar rico, mas ser pobre de verdade é praticamente impossível. E justamente pela maioria da população ser de classe média que os outros fatores da felicidade aparecem.
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Primeiro de tudo, por aqui felicidade realmente está nas pequenas coisas. Mas a verdade é que só é possível aproveitar essas pequenas coisas quando se tem a tranquilidade de saber que se tem casa, comida e o mínimo para se viver com dignidade, por isso a renda é um dos fatores considerados.
O exemplo mais clássico dessa felicidade frugal está em um dia de sol. Não tem felicidade maior para um holandês do que quando o sol resolve dar as caras. Claro que como dias ensolarados são uma raridade por aqui, todo mundo percebe e realmente aproveita quando o sol aparece. Já escrevi aqui como todo mundo sai de casa em dias assim, realmente para aproveitar. E o humor muda completamente. Mas ter tranquilidade para aproveitar esse momento só é possível quando as contas estão pagas.
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Ainda na esteira dos prazeres gratuitos estar ao ar livre, em contato com a natureza, é outro fator de felicidade aqui. As pessoas andam de bicicleta, caminham, fazem trilhas, saem de barquinho pelo canal… com sol é melhor, mas se duvidar vai com chuva também. E ter a liberdade de sair sem se preocupar com segurança faz toda a diferença.
E essa liberdade gera o comportamento de ser fisicamente ativo, que também traz felicidade (junto com as endorfinas). Estar em movimento, fazendo esportes, e em todas as idades, é muito comum, e incentivado. Vejo sempre idosos de bicicleta, ou arrastando o andador mesmo por aí.
A bicicleta em si é o centro da cultura holandesa: mostra a praticidade, a resiliência (porque haja vento na cara), a igualdade já que ricos e pobres estão por aí de bike, e ainda combina a liberdade com a expectativa de vida saudável. E para um país com a culinária baseada em pão, batata e fritura, ajuda e muito a manter todo mundo ativo.
Embora tenham famas de frios, e eles mesmos se digam individualistas, ouso discordar e dizer que vejo os holandeses como uma comunidade unida. Aqui vejo esse senso comum quando as pessoas realmente se preocupam com o bem estar coletivo: respeitar as regras é importante, um ambiente comum agradável também, se incomodam até se o jardim do vizinho está feio (sério), existem benefícios para quem precisa (de aluguel, seguro saúde, etc) e por aí vai. E isso traz uma cerca segurança de que o coletivo funciona. Mais um ponto de felicidade.
* Aqui cabe uma observação, pois ao mesmo tempo holandeses são sim reservados e gostam de manter sua independência. Esse senso comum é muito diferente daquela intimidade nata que temos no Brasil em qualquer fila de banco, festa, torcida ou tragédia. Eu amo essa união brasileira, essa imensa solidariedade, mesmo que desgastada por uma realidade que exige o cada um por si e deus por todos que conhecemos bem.
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Além disso acredito que os holandeses são sim voltados para a família, mas é para a família mais próxima. Eles podem ser avessos ao casamento formal, mas moram com namorados, tem filhos, hipoteca e cachorro juntos. E aqui as crianças são privilegiadas. Tem liberdade para andar por aí, uma ótima educação (gratuita até a faculdade), e é super comum que ao menos um dos pais tenha um horário de trabalho diferenciado para poder ficar com os pimpolhos. Acredito que essa tranquilidade familiar é mais um ponto para construir a felicidade holandesa.
A maioria dos holandeses que eu conheço são curiosos e adoram viajar. Vejo pessoas com os hobbies mais diferentes, indo para todos os cantos do planeta, e fazendo as perguntas mais diretas e indiscretas possíveis. Até mesmo a imensa quantidade de restaurantes de culinárias de outros países mostra como eles são curiosos sobre o mundo (e talvez meio cansados de tanta batata 😀 ). Sair da sua zona de conforto, manter a curiosidade viva, investir mais em experiências e menos em coisas são essenciais para a construção de uma vida feliz.
De uma maneira geral vejo os holandeses como pessoas bem pé no chão, práticos e até pragmáticos. Acho que isso ajuda bastante a passar com mais tranquilidade pelos desafios da vida, e a ter expectativas mais realistas. Existe um resiliência e confiança no futuro que está entranhada na cultura de quem briga com a água e vence.
Não acho que caiba aqui uma comparação generalizada com o Brasil, pelas realidades, culturas, e outros inúmeros fatores que tornariam essa comparação injusta e rasa. Mas acho que cabe sim a reflexão: onde está a nossa felicidade afinal? Assim podemos aproveitar mais os dias de sol.