Imagine-se vivendo no inverno chinês e lidando com aquela vontade de tomar uma sopinha. Chineses consomem sopa a beça, é fácil matar o desejo. A cada esquina há um pequeno negócio local, com uma senhora no caixa e algumas opções super quentes no cardápio. Você entra, pede, pega e se senta. Ao seu lado, tem um chinês se deliciando com uma sopa igual a sua. Há apenas um detalhe que separa o momento da refeição de vocês: o barulho.
Os chineses comem fazendo muito barulho. A sopa precisa ser chupada com uma linda sonora. A mastigação é barulhenta, quase que uma nona sinfonia de Beethoven. Para nós, ocidentais, eu diria que é quase impossível encarar o hábito sem entortar levemente o nariz. Acontece que na China, os barulhos são sinônimo de apreciação. Dizem que se você não toma um chá sem chupá-lo altamente, ele não foi bem preparado. O mesmo vale para a comida: se não tem barulho ao comer, não está boa.
São muitos os pequenos hábitos chineses que chamam a atenção de um ocidental morando na Ásia. O barulho pra comer é o que, na minha opinião, se destaca, visto que nós brasileiros costumamos mostrar extrema cautela na mesa, já que isso é sinônimo do que nossas avós chamam de “bons modos”, mas não para por aí.
Falando em bons modos, pra morar na China é preciso se acostumar com arrotos e cuspidas violentas. Aparentemente, na sociedade chinesa, arrotar alto em qualquer lugar ou a qualquer momento ou catarrear na rua, também na hora que quiser, é algo muito aceitável. Nenhum chinês olha esquisito se você fizer isso. É como respirar ou tossir, super natural. Fala sério?!
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No Brasil, quando você pede um iFood ou aquele delivery de pizza do bairro, a comunicação se dá pela combinação entre a campainha e o interfone, certo? Na China, os entregadores até tentam te ligar, mas são impacientes. Se o faminto não atender a ligação, é comum ouvir os entregadores gritando com o queixo pra cima, como se isso fosse carregar a voz até onde ela precisa ir. Eu escuto um entregador gritando todos os dias, normalmente no período da noite. Uma vez foi pra mim.
Chinês também não anda descalço. Isso pra mim é uma heresia! Não há nada mais gostoso do que chegar em casa depois de um dia cheio ou depois de uma caminhada salgada, direto do metrô e esquecer qualquer coisa que toque seus pés cansados. O chinês não conhece o prazer do pé pelado, do geladinho do chão ou da maciez de um tapetinho bem lavado.
Toda casa chinesa tem um pequeno armarinho ao lado da porta, lotado de opções de chinelos para se usar dentro de casa, feitos de plush ou de plástico. É impossível adentrar a casa de uma família local sem que o chinelo seja oferecido, ou melhor, imposto a você. Dizem por aí que o chinelo é fonte certa de energia, já que nunca saiu de casa e pegou “sujeira” da rua, por isso, eles são usados para andar para lá e para cá dentro da casa, protegendo os pés sujos de quem se expôs na rua o dia todo.
Água quente. Tá aí uma coisa que eu não consigo me acostumar. Toda espera em qualquer estabelecimento vem acompanhado de um belo copo de água quente. No restaurante, ao pedir algo, subentende-se que é quente. As fontes públicas de água só a servem em temperatura bem morninha. Água quente, para a cultura medicinal chinesa, é sinônimo de saúde.
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Os médicos orientais acreditam que o líquido, quando morno, equilibra a flora interna dos órgãos e balança o Ph do organismo. Criança com o peito cheio? Água quente. Tosse crônica? Água quente. Dor muscular? Toma água quente que ajuda. Enxaqueca? Nada que uns bons copos de água quente não resolvam. Não vou mentir que me forço a tomar pelo menos um copinho quando acordo pra ver se faz alguma diferença no meu sistema, mas nunca vou me acostumar a matar a sede com água quente.
O bônus fofo desse texto vai para a velha guarda chinesa, que esbanja saúde todas as manhãs. Infelizmente, as senhorinhas e senhorezinhos chineses não se comunicam com os que vem de fora, um pouco pela barreira da língua e um pouco por não se sentirem a vontade perto de nós, mesmo. Mas é impossível não reparar nos hábitos matutinos de alongamento e movimentação física. São exercícios muito singelos, quase que invisíveis para o jovem que está acostumado a levantar 90kg no leg press da academia.
Toda manhã, sem exceção, há um grupo de senhores chineses reunidos em algum parque ou área comum, se exercitando como podem. Praticam o equilíbrio com um dos pés erguido a poucos milímetros do chão. Abrem e fecham os braços em lenta velocidade. Alguns até arriscam os instrumentos de “academia ao ar livre” que algumas áreas dispõem ou fazem movimentos de dança. É uma gracinha! Portanto, fica a dica: se for a China, tente se apegar mais aos “velhinhos” dos alongamentos e menos, bem menos, aos catarros de muitos decibéis.
1 Comment
Delícias estes textos da Tamires! Mesmo qdo está falando de hábitos…argh…difíceis até pra gente, brasileiros, pensar. Affe!
Eu não sobreviveria. Cadê minha água estupidamente gelada, pelo amor?!