Tenho 26 anos de vida e posso afirmar que, desde que saí dos 15, não me considero fã louca de nada. Tenho uma banda favorita que me esforço bastante para poder ver ao vivo, acompanho muitos atores, pois adoro cinema, sigo famosos no Instagram mas não me descabelo por nenhum.
Cresci ouvindo punk rock e, quando ainda não era expatriada, frequentei muitos festivais e shows ao vivo na capital paulista do Brasil. Ir a shows sempre foi uma baita de uma forma de diversão pra mim e adoro a maneira como o povo brasileiro se joga nesses eventos sociais.
Vale tudo: dançar sem ritmo, cantar sem saber a letra, balbuciar um inglês enrolado, acampar em filas, dormir na porta de hotéis na esperança de uma foto e jogar presentes no palco. Não é a toa que muitos cantores e bandas que passam pelo Brasil dizem que lá encontram a melhor plateia. Somos os fãs loucos, os que se jogam (até demais) e fontes infinitas de calor.
Uma experiência surreal
Recentemente, pela primeira vez desde que me mudei para a China, tive vontade de mexer meus palitinhos para assistir uma performance ao vivo. Não vou nem esconder o fato de que eu, no auge dos meus mais-pra-30-do-que-pra-20, me peguei suspirando pelo ídolo canadense Shawn Mendes. Desde que comecei a prestar atenção no swag do garoto, me encantei pelo som e, por sorte ou coincidência, foi logo quando ele decidiu adicionar algumas datas na Ásia em sua nova turnê.
Típico chinês, onde a oferta nem sempre acompanha a bilionária demanda, os ingressos se esgotaram em horas. E foi logo aí que já começou a saga de assistir um ídolo ocidental em terras orientais.
Negociei meu ingresso online, pelo TAOBAO (também conhecido como o mercado livre chinês) e fiquei umas boas semanas me questionando se esse ingresso sequer chegaria ou passaria na catraca do evento. Afinal, estou na terra do Made in China, se é que me entendem.
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No dia do evento, comecei a comparar tudo que via com as minhas muitas experiências musicais no Brasil logo no começo.
Primeiro, cambista aqui é tão sutil, mas tão sutil que acho que se não fosse a pequena malandragem natural do brasileiro, não daria pra saber quem são. Eles ficam a paisana esperando alguém, que também já tenha sacado quem são eles, se aproximar. Como as leis chinesas são quase que 100% aplicáveis (a impunidade passa longe nesse país), acredito que o mercado de cambistas seja uma atividade bem perigosa para quem a pratica.
O Império do silêncio
Nada de gritaria nas calçadas, os vendedores ambulantes são escassos e o ritmo flui como se fosse um dia normal. Nos arredores da maior arena de entretenimento de Shanghai, a Mercedes Bens Arena, o vaivém era um pouco mais intenso do que o normal, mas tudo bem longe do caótico.
Se fosse no Brasil, logo saindo do metrô já seria possível comprar uma garrafinha da Catuaba em dia de show. Senti falta da bagunça e da sensação de estar, literalmente, em um dia de show. Ninguém me parecia muito empolgado pro evento que estava prestes a acontecer.
O lado bom fica por conta da organização estrutural do evento. Cheguei em cima da hora e meu lugar estava lá, intacto, não enfrentei empurrões nem multidões. Todo e qualquer lugar na Arena era marcado e com cadeiras até que bem confortáveis. Eu, inocente, achei que ninguém as usaria, mas o povo chinês passou o show inteiro sentado.
No meu setor, o mais barato e mais alto da Arena, vi mais uns quatro ou cinco estrangeiros ameaçando se levantar, com medo da reação de quem estava atrás.
Muitas cabeças grudadas no celular, postando vídeos ao vivo na linha do tempo do WeChat e respondendo mensagens. Não vi ninguém cantando, gesticulando ou se deixando levar pelo talento do músico que ali performava.
Shawn Mendes fez um show encantador, cru e apaixonante mas os chineses pareciam 100% blindados a tudo isso. O mesmo povo que esgotou os ingressos em menos de 24 horas.
Eu, a extraterrestre
Além de ter me jogado nas canções que adoro, assistir um ídolo canadense ao vivo na China foi também um alívio cômico na minha rotina. Fui filmada por chineses da minha esquerda e da minha direita. Provavelmente pelos que estavam atrás de mim também.
Tentei ao máximo não me deixar conter pelo silêncio deles e deixei a voz sair. Incomodei, chamei atenção e virei assunto, seja da pior ou da melhor forma. Deixei meu corpo engatar no ritmo da setlist deliciosa de Shawn Mendes o máximo possível, sem incomodar quem estava atrás de mim, já que todos insistiam em permanecer sentados e atônitos ao ritmo do cantor.
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Honestamente, eu se fosse o Shawn Mendes, não voltaria para a China. Aqui até a gritaria não contagia. A interação com o público é tragicômica e quase que inexistente, ainda que ele se esforçasse. Não é como se a Arena estivesse em silêncio, isso não. Mas o engajamento é tão ralo que deve ser impossível não comparar com outros lugares. Toda vez que ele mirava o microfone pra plateia eu soltava um riso silencioso, achando engraçado aquela calmaria toda.
No Brasil o ouvido até treme de tanto barulho e é uma delícia fazer parte de uma plateia tão astral. Um pouco antes do show terminar, Shawn arriscou um cover de Fix You, do Coldplay, e nem isso surtiu efeito. Eu era absolutamente a única do meu setor gritando “lights will guiiiiiide you hoooome” e passei por louca. Não acho que Shanghai tenha sido o melhor lugar da carreira de Shawn Mendes. Inclusive, ele já esteve no Brasil. Difícil competir.
Feliz final de festa
Mas uma coisa é indiscutível: os chineses sempre saem na frente em tudo que envolve estrutura. A Mercedes Benz Arena é uma construção que comporta confortavelmente mais de 22 mil pessoas. Mesmo que gigante e em dia de evento, o local estava limpo em menos de meia hora após o término do show.
Demorei a conseguir um táxi para voltar para casa e reparei muito na calmaria e rapidez que tudo voltou “ao normal”. Nenhuma garrafinha de água no chão sequer. Seguranças arrumando grades é um mito pelo simples fato de que aqui elas mal se fazem necessárias. Nenhum fã suando em bicas, nenhum fã desmaiado, nenhum grupinho de garotas miando sons de empolgação.
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Será que eles são estranhos ou nós é que somos?
Foram duas horas de show e duas horas de olhares divididos entre o músico e os arredores no qual eu estava inserida. O segurança da seção 327 olhava muito pra mim e não desviava quando meu olhar encontrava o dele. Ele tinha um sorriso de risada presa no rosto, como quem estava achando um verdadeiro barato o tanto que eu, a laowai (termo chinês para “estrangeiro”) estava me divertindo naquele fileira cheia de gente com a cabeça a 90 graus e o celular sempre com a tela ligada.
Quando Shawn terminou sua última música, desci as escadas e cruzei com ele. Ele sorriu com os dentes, balançou a cabeça e me deu um “joia” tímido de aprovação. Acho que ele se divertiu mais vendo meus dotes artísticos do que os do próprio Shawn Mendes.