A Índia, por sua essência, remete-nos naturalmente a um cenário permeado de mistérios e símbolos, envolto pelo sagrado e pelo mítico, seja por seus aspectos culturais, como por seus aspectos religiosos e sociais. Essa percepção ficou, para mim, ainda mais evidente no período que antecedeu a minha mudança para Bangalore, mediante a reação de deslumbramento e dos comentários criativos e fantasiosos de meus familiares e amigos com a notícia.
Esse turbilhão de emoções, curiosidades e de concepções imaginárias que o tema desperta é coerente com o estilo de vida autêntico e místico da Índia, retratado também por sua arquitetura, por sua gastronomia, pelo comportamento social, pelas vestimentas, pelos hábitos de higiene e alimentação, entre outros aspectos. Particularmente, sobre os hábitos de higiene e alimentação, compartilho aqui minhas impressões e descobertas a respeito.
A Índia não conta com infraestrutura básica de saneamento, o que se traduz num dos piores problemas sanitários do mundo, onde grande parte da população não tem acesso a banheiros ou a rede de esgotos, nem a água tratada. Assim, fatalmente, os hábitos de higienização dos indianos destoam dos parâmetros ocidentais. Em todo o país vê-se verdadeiros esgotos a céu aberto, pois é comum ver homens e mulheres e crianças nas ruas urinando e até defecando publicamente. Por conta das condições de higiene precárias, não há quem passe pela Índia ser sofrer a conhecida “diarreia do viajante”, uma infecção intestinal que afeta praticamente todos os turistas.
Mas se por um lado os indianos convivem com essa “desordem” quanto aos hábitos de higiene, com os hábitos alimentares observa-se um comportamento radicalmente oposto. Os indianos acreditam que os alimentos são mais do que simples fonte de nutriente para o corpo e devem estar alinhados ao universo para promover o bem-estar do corpo e da mente. A preparação de alguns produtos corresponde praticamente a um ritual mágico de alquimia, cujos pratos são elaborados harmoniosamente, numa intensa profusão de cores fortes e de aromas e sabores intensos, muito intensos para o nosso olfato e paladar.
Essa culinária tão peculiar tem como ponto forte a masala, uma mistura de duas ou mais especiarias e aromatizantes especiais moídos, acrescentada em inúmeros pratos para realçar seu aroma. No comércio de rua, é comum as frutas serem consumidas com masala. A sua composição varia de região para região, mas os ingredientes mais comuns são pimenta, cravinho, louro, cominho preto, cominho, canela, cardamomo, noz-moscada, anis e sementes de coentro. Dentre os pratos típicos da Índia, têm destaque o nan (pão que exige um forno específico), o famoso byriani (arroz misturado a diferentes temperos), o saboroso lassi (iogurte, água, sal e especiarias preparado com manga, pistache ou frutas diversas) e, é claro, o chai (chá misturado a especiarias).
Na Índia, a religião predominante é o Hinduísmo – no qual a vaca é considerada animal sagrado _ e, por isso, grande parte da população é vegetariana. Nesse sentido, os indianos criaram um sistema de marcação para distinguir os produtos alimentares elaborados exclusivamente com ingredientes vegetarianos (veg), identificados com um ponto verde dentro de um quadrado verde, dos produtos que contêm em sua composição ingredientes de origem animal (no veg), exceto leite e seus derivados diretos, cujo símbolo é um ponto marrom dentro de um quadrado marrom. Quase todos os restaurantes oferecem as opções veg e no veg, com a respectiva indicação no cardápio.
Outro aspecto peculiar é que, tanto em lugares público como privados, os indianos utilizam-se da mão direita para comer, isso porque a mão esquerda é utilizada para situações impuras e para limpeza. Tal hábito deve-se ao cuidado decorre da crença, originada da medicina ayurvédica, de que a digestão dos alimentos não começa na boca em contato com as enzimas presentes na saliva, mas a partir do momento em que o alimento é tocado e sentido pelas pontas do dedo. É assim que a energia sutil presente nos alimentos é absorvida pelo nosso corpo e entra em harmonia com as nossas energias. Por isso, apesar de quase todos os restaurantes oferecerem talheres, ainda há alguns onde é preciso solicitá-los. Sob o prisma ocidental, o hábito adotado para preservar a pureza da energia dos alimentos em prol do corpo e da alma opõe-se a questões básicas de higiene para preservar a saúde do corpo.
Para nós, ocidentais, toda essa diversidade e até mesmo a postura dicotômica relativamente à alimentação e aos hábitos de higiene têm forte impacto sob nossos sentidos, pois as informações desse novo contexto são contrastantes a nossa experiência e, num primeiro momento, essa mescla torna-se de difícil compreensão.
Some-se a isso o fato de que a maioria dos supermercados só vendem produtos indianos, sendo muito difícil encontrar variedade de queijos, pães e até de macarrão. Para nós, de outra cultura, isso implica a necessidade de recriar hábitos e de usar maior criatividade na elaboração do cardápio, já que é muito complicado manter uma rotina com hábitos tão distintos.
Para mim, o estilo de vida e os costumes dos indianos representam uma grande descoberta que eu tenho prazer em vivenciar, com o cuidado de usufruí-la da melhor maneira possível, sem, contudo, distanciar-me da minha identidade. Tal descoberta representa a natural oportunidade de crescimento interior, pois nesse novo contexto é possível abrir-se gradativamente para essa disparidade cultural que a vida aqui nos possibilita, num exercício constante de aprimoramento dos sentidos com o objetivo de flexibilizar o nosso olhar para o novo.
10 Comments
Adorei o texto,Rachel! Alias, acabei de me mudar de Mumbai para Bangalore e ja estou gostando muito do clima menos caotico que a cidade oferece. Um abraco e…sucesso!
OI Juliana, me adiciona no face para conversarmos. Que bom que gostou do texto.
Gostei mto de conhecer esse lado cultural dos indianos,são informações que acrescentam nossos conhecimentos culturais.Eu,particularmente,aprecio mto essas diferenças.Agora,essa falta de higiene,ter que conviver com ela,fica a desejar.A gente consegue comer o que eles preparam e vendem?Difícil,né?Do jeito que sou nojenta, ía passar aperto aí, apesar de achar a arquitetura deles mto linda e curtir as roupas e adorar andar pelos mercados,lotados de gente.Não dá pra ser totalmente feliz em nenhum lugar do mundo, pelas suas diferenças culturais e religiosas.Mas …adoraria conhecer esse país.
Estamos te esperando!!!
Adorei seu texto.
Perfeito!!
Que Bom!
Olá, Raquel, gostei muito de seu texto, tudo relacionado a Índia me atrai. Conhecer esse país é um sonho q pretendo realizar um dia. Parabéns pelo texto.
Que bom que gostou!!!
Gostei muito do texto Parabéns. Eu tenho muita vontade de conhecer esse país me sinto muito atraída.
Gostei do seu texto, conheci um rapaz da Índia e estou amando conversar com ele, e estou muito curiosa a me aprofundar em conhecer a os hábitos e costumes. Agora uma coisa q me ficou assustada foi com a higienização. Parabéns e Deus te abençoe..