As mulheres indianas são felizes?
Segundo um ditado hindu popular, o nascimento de uma menina é como a chegada de Lakshmi, a deusa da riqueza. Isso deveria garantir um lugar de destaque para as mulheres na sociedade indiana, especialmente agora que o país está crescendo em influência global e economicamente. Hoje em dia é comum ver médicas, advogadas e burocratas bem-vestidas em traje ocidental dirigindo motos ou carros para trabalhar. Contudo, apesar desse avanço, é fato que muitas indianas sofrem como antigamente e têm seu destino marcado por fatos cruéis, discriminação, violência física e sexual.
As agressões contra as mulheres na Índia começam ainda antes do nascimento e se espalham por todas as classes sociais. Muitas famílias indianas, mesmo as mais ricas, veem o nascimento de uma menina como um desperdício financeiro. Gastos com educação, alimentação, pagamento de dotes pesados no momento do casamento e o fato de as mulheres passarem a integrar exclusivamente o núcleo familiar do seu marido fazem as meninas parecerem um fardo.
Isso implica inúmeros assassinatos de bebês do sexo feminino. A problemática é tão grande para o país que o governo proibiu que os médicos revelem o sexo do bebê antes do nascimento, em vista do expressivo número de abortos seletivos de fetos femininos e do infanticídio. As consequências são drásticas. Hoje o país tem 37 milhões de homens a mais que mulheres e esse desequilíbrio resultou no aumento no número de estupros e tráfico humano, tornando a Índia um dos piores países do mundo para uma mulher viver.
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Exemplo disso foi o caso da estudante Jyoti Singh, de 23 anos, morta em decorrência de um estupro coletivo em Nova Delhi em 2012, que colocou em evidência internacional um problema recorrente na sociedade indiana: o abuso sexual contra a mulher. À época, o fato deu lugar a diversas manifestações no país e no mundo. Apesar das medidas preventivas adotadas, as autoridades indianas têm dificuldades para combater crimes crescentes contra as mulheres, em parte porque uma mentalidade feudal prevalece entre os burocratas, magistrados e políticos tanto quanto em outros lugares. Certamente, será preciso uma mudança estrutural nas atitudes da sociedade para que as mulheres sejam mais aceitas e tenham mais segurança na Índia.
Universo paralelo
Entretanto, o cenário crucial sobre o tratamento brutal e discriminatório sofrido pelas indianas contrasta com a imagem vibrante, colorida e plena da mulher indiana, que se mostra feliz com sua cultura e com suas tradições, zela pela formação e pelo futuro da sua família de forma primorosa e concilia sua vida familiar a seus interesses pessoais e a sua carreira.
Na religião hindu, que é a mais praticada na Índia, a maioria dos deuses possuem esposas e eles as amam, respeitam e cuidam delas de forma impecável. Este amor intenso é ilustrado, por exemplo, na linda história entre o príncipe Rama e sua esposa Sita, contada no Ramayana. Daí pode-se deduzir que, para os indianos, a vida é incompleta sem uma esposa e que seu marido fará tudo para fazê-la feliz.
Como entender, então, duas realidades radicalmente distintas?
Em meio a esse caleidoscópio de informações, confesso que na época em que vim morar na Índia senti receio quanto a conviver num ambiente tão conturbado e perigoso para as mulheres. Realmente foi preciso considerar as diferenças de comportamento para não colocar em risco minha segurança pessoal. Após dois anos e meio residindo no país, nunca presenciei nada constrangedor nesse sentido, embora tenha uma rotina bastante cautelosa como não sair às ruas à noite, usar trajes “adequados” e não frequentar lugares nos quais não me sinta segura.
É claro que a adaptação e o entendimento de uma nova cultura exigem paciência, estudo e flexibilidade, especialmente na Índia, com tradições religiosas e culturais tão intensas que misturam-se às crenças, aos valores e ao comportamento do povo. Para essa análise, há que se considerar que a cultura ocidental enfatiza as características e valores individuais que nos diferenciem para que consigamos desenvolver uma boa autoestima, amor próprio e realização pessoal. Já a cultura oriental prioriza os valores sociais e familiares, sem questionamento dos costumes.
Uma das grandes lições que aprendi aqui na Índia foi o desapego a paradigmas, pois isso nos permite lançar um olhar diferenciado e novo para cada circunstância. O aprendizado está na compreensão isenta de crítica ou acolhimento.
Por meio da literatura e da observação dos costumes elaborei meus próprios conceitos e questionamentos sobre o papel da mulher indiana que, num amplo espectro, abrange tanto as jovens que aceitam docilmente o casamento arranjado por sua família __ e muitas mulheres são felizes nesse contexto __, como as jovens que saem de casa e que buscam uma vida independente e que também contam com o apoio da sua família para suportar as pressões sociais __ e que se sentem realizadas a cada conquista, mesmo diante dos preconceitos.
Do material de estudo para melhor compreensão da estrutura familiar dos indianos, indico dois trabalhos em especial: a coletânea da autora Jhumpa Lahiri, nascida em Londres numa família de origem indiana e criada nos EUA que aborda os conflitos e dilemas das famílias indianas que, mesmo que migrem para outros países, não conseguem se desvencilhar das suas raízes e costumes, tamanha a força da sua cultura, e a série “Daughters of Destiny”, produção de Vanessa Roth, que conta a história de cinco meninas da casta dos intocáveis que são atendidas por um projeto denominado de Shanti Bhavan School, aparado pelo empresário Abraham George.
O que importa é que cada qual sinta-se feliz em sua realidade e possa viver suas conquistas com plenitude e sabedoria de forma digna e saudável.
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Onde nao há respeito e liberdade nao ha beleza .Realmente uma linda cultura mas somente para homens muito triste .Ser prisioneira e viver com medo nao vejo nada alem de medo.