O Natal e demais feriados na Índia
Para escrever sobre o Natal e os demais feriados na Índia, é preciso fazer um paralelo com a cultura ocidental, que entende o mês de dezembro como um período permeado de muita simbologia, seja pelo clima de paz, alegria e união em comemoração ao nascimento do Menino Jesus, seja pelas festas de confraternização e da troca de presentes entre amigos e familiares, seja pelo sentimento de renovação e de novas realizações para brindar a chegada no Novo Ano com boas energias.
Tomemos o Brasil como exemplo, onde pode-se constatar que, já no início de novembro, as cidades passam a ter um cenário diferente, mais agitado, mais iluminado, mais colorido. As lojas expõem vitrines mais glamorosas, bares e restaurantes ficam lotados com as festas de confraternização, as casas, as calçadas e as avenidas são enfeitadas com decorações especiais e as escolas encerram o ano letivo, o comércio funciona até mais tarde e nas ruas corais, peças de teatro e apresentações artísticas encantam os transeuntes.
Some-se a esse clima festivo a chegada do verão num país tropical, onde as noites quentes convidam as pessoas a passear nas ruas sob o céu estrelado e sob a magia da lua, que faz parecer tudo perfeito e que tudo é possível, reacendendo uma nova chama de esperança em cada coração. É tempo de celebrar a vida com a família, com os amigos, com aqueles que amamos. É tempo de abraçar e de acolher, de trocar afeto e de perdoar, é tempo de união e harmonia abençoado pelos sinos do Natal. O ritual da virada do ano é também um momento especial repleto de fé e esperança que simboliza um novo ciclo, a realização de novos sonhos e a possibilidade de novas conquistas. Esse período de festas, do tempo de férias e de veraneio estende-se até o carnaval, um mix de arte, paixão e criatividade que se constitui na maior festa cultural do nosso país. Apesar de nossos compromissos familiares, sociais e profissionais, nesse tempo permitimo-nos desfrutar de alguns momentos dessa energia que nos renova ao menos por alguns instantes.
Contudo, quando estamos num país com influência religiosa completamente distinta do Brasil, inseridos numa cultura onde ritos e símbolos se fazem presentes rotineiramente, como nos comportamos nessa época de final de ano cujas festividades nos são tão marcantes? Certamente, nossas origens prevalecem e buscamos nos organizar para que, mesmo sendo minoria no país, possamos sentir essa energia vibrante e novas expectativas nesse período de festas.
Como a Índia tem mais de 1 bilhão de habitantes, cerca de 5% da população é cristã que, obviamente, segue as tradições desse calendário religioso. Mesmo assim, a simbologia das festas natalinas aqui é tão pouca expressiva que, à exceção de alguns shoppings com perfil ocidental que enfeitam seus corredores com árvores, luzes e presentes no período que antecede as festas de final de ano, eu e meu círculo de amigas brasileiras costumamos compartilhar em nosso grupo as poucas lojas que encontramos que vendem enfeites de Natal, tal é a restrição nesse sentido.
O dia 25 de dezembro é um feriado religioso, mas sem qualquer celebração alegre que nos remeta à emoção das nossas noites de Natal. Já no Ano Novo algumas redes ocidentais de hotéis promovem festas para celebrar a “virada” do ano, mas tudo sem muito brilho. No primeiro ano que passamos aqui o Ano Novo, tentamos buscar algum lugar para comemorar a data, contudo, não vale a pena porque não há muita procura, há poucas reservas disponíveis e a logística de transporte é complicada.
Como a Índia conta com 800 milhões de seguidores do Hinduísmo, as grandes festividades seguem o calendário dessa religião, além de comemorar também os feriados de cunho patriota. Curiosamente, a legislação vigente obriga que as empresas escolham 12 datas consideradas feriados durante o ano e, caso algum dos feriados oficiais escolhidos seja num final de semana, a empresa tem que escolher outro feriado que ocorra em dia útil para compensar.
Além de difícil de entender, o atendimento a esse tipo de obrigatoriedade é também difícil de administrar no âmbito familiar, por mais curioso que possa parecer. Tal afirmação deve-se a uma experiência pessoal que tive nesse sentido, quando o feriado do colégio do meu filho não coincidiu com o feriado da empresa do meu marido. Normalmente os feriados são escolhidos de acordo com o proprietário da empresa de pequeno e médio porte e as multinacionais tentam se alinhar a essa agenda difusa para que as diferentes religiões tenham suas principais celebrações respeitadas.
Em todo território indiano existem feriados oficiais bastante expressivos, tanto de caráter religioso como patriota. Via de regra, são festivais celebrados em grande estilo, como o Diwalli, que é o festival das luzes, com duração de cinco dias que ocorre anualmente em outubro para celebrar a vitória do bem (Sri Krishna) sobre o mal (Narakasura). Durante o Diwalli as pessoas se arrumam e realizam em suas casas rituais festivos espalhando luzes e velas pelo ambiente, trocando doces e acendendo fogos de artifícios.
O Durga Puja é celebrado no décimo dia do festival de Navratri para comemorar a vitória de Durga, a deusa guerreira, sobre o demônio. O ritual do Puja é realizado dentro dos carros, dentro das casas e de demais estabelecimentos com a finalidade de equilibrar as boas energias do ambiente, ocasião em que os participantes acendem incensos, cantam hinos, oferecem frutas e usam uma vela própria para a cerimônia. Durante o período dessa celebração algumas famílias indianas aproveitam para realizar um ritual de limpeza das impurezas da vida, dos lares e dos objetos, desfazendo-se de tudo que não lhes tem mais utilidade.
O Holi é o festival das cores que ocorre na primavera, entre os meses de fevereiro e março, e que também comemora o triunfo da devoção da vitória do bem sobre o mau. Durante o Holi, num clima de descontração as pessoas atiram pó colorido e água umas nas outras, dançam e cantam durante a celebração.
As datas dos festivais variam de acordo com o calendário hindu que, como tudo na Índia, é confuso de compreender pois se refere a um conjunto de calendários regionais. O calendário oficial de feriados em vigor foi instituído em 1957 pelo governo com a finalidade de unificar os 30 calendários diferentes existentes no país até então.
Já os feriados patriotas mais importantes são o Dia da Independência da Índia (15 de agosto), o aniversário de Gandhi (02 de outubro) e o Dia da República (26 de janeiro).
O povo indiano é festeiro, alegre e vive intensamente todas as celebrações transmitindo devoção por sua cultura, mesmo que isso represente uma contradição a seu estilo de vida, ou seja, um povo com instinto primitivo latente que busca constantemente a elevação espiritual. Em suma, algo fascinante e de difícil compreensão, especialmente para os ocidentais que aqui vivem.
Daí pode-se concluir que viver na Índia é um exercício contínuo de flexibilidade e perseverança em busca da chave que nos levará ao entendimento da essência dessa cultura milenar tão intensa e que sobrevive com autenticidade a todas as imposições do capitalismo.