São seis anos e meio morando fora do país. No começo não sabia se era uma situação temporária e achava que logo voltaria. Com o passar do tempo, essa opção foi ficando cada vez mais distante da realidade e, hoje em dia, sinto que minha vida é muito mais aqui do que lá. Aquele sentimento de que nascemos para o mundo e não temos raízes fixas, do qual provavelmente muita gente que mora fora compartilha. E temos, de tempos em tempos, o desafio de nos organizar para arranjar um tempinho e visitar o Brasil.
No início do ano, em janeiro, passei duas semanas no país, entre Salvador e São Paulo. Foi uma viagem meio de última hora, para resolver algumas pendências e rever a família e amigos, pois tinha uns dias de férias que não tirei ainda do ano passado. Apesar de nunca deixarmos de ser o que somos, e eu tenho muito orgulho de dizer que sou brasileira e amo tudo (ou quase tudo) que diz respeito à nossa cultura, a sensação quando volto vai ficando cada vez mais estranha com o passar dos anos.
Não é necessariamente um estranho ruim, e sim um sentimento de “despertencimento”, como se aquele lugar ao mesmo tempo que é reconhecível e familiar, não parecesse mais o mesmo, e eu não me encaixasse mais como um dia já me encaixei naquele contexto. Tento voltar ao Brasil pelo menos uma vez por ano, pois sempre tenho pendências para resolver ou eventos de família e amigos (natal, aniversários, casamentos), mas a cada ano a vida vai se tornando mais corrida e achamos um jeito de trazer todas as documentações, contas de banco, consultas médicas etc., para onde vivemos e não mais depender do nosso país de origem.
Quando vivia na Grécia, por exemplo, tinha um seguro de saúde que não cobria algumas coisas e acabava deixando para ir a médicos e fazer exames ao viajar para o Brasil. Mas isso acabava dando uma dor de cabeça pois, ao chegar lá, tinha a agenda cheia de compromissos e não sobrava muito tempo para relaxar e aproveitar o tempo livre com as pessoas. Hoje em dia, na Alemanha, vou sempre que preciso a médicos, mas ainda assim tive que fazer uma maratona de exames dessa última vez no Brasil para ter uma segunda opinião (nem sempre confiamos 100% nos médicos daqui).
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Amizades e laços que se perdem
Morar fora do país é se abrir para uma nova cultura e novas amizades, mas ao mesmo tempo é deixar para trás pessoas que foram importantes em nossa trajetória e com quem muitas vezes não mantemos o mesmo contato. Ainda que hoje em dia estejamos rodeados de possibilidades tecnológicas e diferentes maneiras de se comunicar, a rotina acaba nos engolindo e é difícil se organizar e falar com todo mundo. Aqueles contatos não tão próximos acabam se perdendo, o que é sempre uma pena, pois no fundo gostaríamos de ter “um milhão de amigos”, como diria o nosso rei. Mas, infelizmente, manter amizades à distância não é das tarefas mais fáceis.
E acabamos aprendendo a superar e entender que as pessoas têm suas vidas e rotinas, e o fato de não ter tempo para dar um alô não é nada pessoal. É natural e vai acontecer, mesmo com amizades que imaginávamos serem para sempre. Eu diria que essa é uma parte às vezes angustiante ao visitar o Brasil. Você sabe que não tem muito tempo e gostaria de rever e conversar com o maior número de pessoas possível, mas é muito complicado se organizar em tão poucos dias.
Com isso, muitas pessoas acabam se chateando e se afastando ao achar que não queremos mais seguir com a amizade, mas nem sempre é o caso. Muitas vezes damos mais atenção à família, principalmente aos pais e irmãos, porque a conexão é forte e a saudade é dura de aguentar. Ainda que a gente tente se organizar, o tempo é curto e os amigos de longa data e mais próximos acabam sendo prioridade.
Sensação de não mais pertencer
Depois de tantos quilômetros viajados e longas esperas em aeroportos, chegamos finalmente ao nosso país! E que sentimento predomina nesse momento? Fora a alegria de rever as pessoas queridas e matar as saudades? A minha sensação às vezes é de como se eu atravessasse um portal e voltasse ao passado, ou entrasse em uma outra dimensão. Tudo continua tão igual e ao mesmo tempo tão diferente.
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E com o passar dos dias, vamos nos lembrando de momentos que vivemos ali, bons e ruins, e construindo novas memórias desse curto período em que tentamos aproveitar ao máximo cada minuto da viagem. E como é difícil! E vamos também reaprendendo os caminhos, lembrando dos lugares e do comportamento e atitude das pessoas. E a sensação que temos é quase a mesma de quando chegamos no país onde agora vivemos, temos que nos readaptar e mudar uma chavinha dentro da nossa cabeça, evitando, assim, sentir-nos como estrangeiros em nosso próprio país.
Voltar ao Brasil sempre me traz uma mistura de emoções e sentimentos. Depois das eleições do ano passado, acrescentou-se a essa mistura uma carga de angústia e de receio do que acontecerá nos próximos anos e de como eu me sentiria ao retornar. Acabei voltando mais cedo do que planejava e todos esses sentimentos vieram à tona, mas ainda a certeza de que tenho orgulho do meu povo e da minha cultura que permanece e que, mesmo à distância, essa conexão nunca se perderá.