Imigração, hipocrisia e algumas lições da vida também.
Esses dias estava assistindo um programa de TV local sobre imigrantes. Evidente que o tema me interessa, pois há pouco mais de 3 anos esse é mais um dos vários rótulos que carrego como ser humana.
Ouvindo os depoimentos, percebi como a imigração confronta certas crenças ou verdades universais que trazemos do nosso país de origem. Muitas dessas crenças ou verdades colocam em cheque a nossa forma de pensar e agir em relação àquilo que é diferente. Descobri um lado hipócrita (inclusive da minha parte), outro irônico, mas ao mesmo tempo aprendi que a empatia ainda é o melhor remédio nesses casos.
Sobre ser diferente
De uns tempos pra cá, a gente fala muito mais abertamente sobre diferenças. Pode ser de gênero, de raça, de credo, de preferências sexuais, de estilo de vida. Quando imersos na nossa cultura de origem, sob vários aspectos, o exercício de projeção muitas vezes é prejudicado. Por mais empáticas que possamos ser (ou pensarmos que somos), nada substitui o bom e velho sentir na pele. Explico.
Quando cheguei por aqui, algumas perguntas que me eram feitas logo de cara me incomodavam muito, mas em especial essa aqui:
Você vem de onde?
Às vezes eu nem tinha aberto a boca, e às vezes eu tinha apenas dito Bonjour! (Que significa oi/olá em francês). Na mesma hora eu já me sentia a diferentona da cidade, alguém que visivelmente não pertencia àquele lugar, que tinha um sotaque diferente, traços exóticos e por aí vai. Todas essas interpretações eram por minha conta, claro. Não necessariamente o objetivo era me constranger, mas o resultado era esse. Piorava quando o interlocutor às vezes lançava seu palpite: francesa, mexicana, espanhola, latina?
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Foi quando descobri a primeira ironia sobre minha própria pessoa, que até então se julgava um ser zero preconceito e mega bem resolvido: EU ficava insultada em ser rotulada como latina porque EU achava que pessoas de origem hispânica (generalizando geral, confesso) falando em francês tinham um sotaque horrível e EU não queria ter um sotaque horrível. A palavra EU está em maiúscula para mostrar como o ego fala alto.
Pela primeira vez me senti julgada pela aparência e pelo meu sotaque. Pior, achei que me colocaram numa categoria que eu mesma abominava. Esse foi um golpe 2 em 1: senti como é ruim ser objeto de pré-conceitos e percebi que usei desse mesmo artifício para me colocar acima da situação. É… coisa feia, mas que me ajudou a perceber como o mecanismo funciona de dentro para fora e de fora para dentro. Depois disso, pensei: Ana Carolina, apenas melhore!
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Sobre poder se beneficiar de cotas
Cotas: assunto polêmico no Brasil. Coisa para quem é menos capaz, mais fraco, mais coitadinho, mais pobre, menos inteligente, que tem uma desvantagem de alguma forma. Quero deixar claro que essa nunca foi a minha opinião, mas são normalmente os argumentos mais usados por quem é contra.
Pois bem, na minha nova realidade no Canadá eu me enquadro na categoria Minoria étnica. A primeira vez que me dei conta foi quando comecei a pesquisar sobre mercado de trabalho e oportunidades de emprego no funcionalismo público. Quando você preenche o cadastro, você tem essa opção e, ao selecioná-la, você se torna o que? COTISTA! E como desempregada, você agradece e acha incrível.
Bom esclarecer que esse é um dos artifícios usado pelo governo para favorecer a integração de imigrantes, que compõem cada vez mais uma parcela significativa da população total. Não quer dizer nada daquilo que citei no início desse exemplo, mas quando a gente pensa sobre o assunto, novamente o estigma do cotista vem à tona. O que é que nos diferencia de um cidadão local? Faz pensar…
A verdade é que muitos brasileiros buscam emprego no governo para ter estabilidade financeira, exatamente como no Brasil. E nessa hora, o mais fervoroso opositor do sistema de cotas com certeza vira a casaca. É um caso clássico de dois pesos, duas medidas. Quando a sobrevivência está em jogo, a gente se agarra no que puder. Quero deixar claro que não estou dizendo que todas as pessoas que buscam esse tipo de colocação profissional necessariamente eram contra cotas no Brasil. O fato é que viver essa realidade ajuda a compreender a importância de políticas públicas como essa para democratizar o acesso universal a oportunidades profissionais.
Sobre aceitar empregos abaixo da real capacidade e experiência profissional no exterior
Esse ponto é um assunto recorrente. Muitos que continuam no Brasil não entendem o que faz uma pessoa aceitar empregos mais singelos no exterior e que nunca aceitariam na terra natal. Não estou nem falando de subemprego, até porque isso pode ser muito relativo. Tem quem ache que servir os outros de alguma forma (como em restaurante, lojas ou hotéis, por exemplo) se encaixe nessa categoria. Vamos deixar uma coisa clara aqui.
Qualquer serviço prestado de forma digna tem o seu valor. Subemprego não se encaixa nessa definição. Simples assim. Várias colunistas aqui do BPM já deram depoimentos reais sobre como a transição profissional é difícil e como é importante se planejar e abrir a cabeça sobre a realidade que se poderá encontrar diante de um novo e desconhecido contexto.
Esses dias conversei com brasileiros que me contaram a trajetória inusitada que precisaram seguir para finalmente se encontrar no lugar em que gostariam de estar hoje. Não há desmérito algum, aliás, diria que isso só fortalece o caráter e a descoberta daquilo que é realmente importante para cada um.
Dito isso, é importante reforçar que a atuação em áreas diferentes daquelas em que trabalhávamos no Brasil pode ser a ponte temporária que levará à auto-realização pessoal em outro país. Essa caminhada coloca a gente no nosso devido lugar, para o bem ou para o mal. Fato!
Moral da história
Aprendi que toda história não tem apenas dois lados, mas vários. A polarização nos limita demais e a gente precisa ficar alerta para não ver apenas a superfície, seja de coisas, situações ou pessoas.
Calçar o sapato de outros e perceber que ele pode se ajustar perfeitamente aos nossos pés abre tantas perspectivas positivas na nossa evolução como ser humano, que é natural se interessar pelo diferente, ser menos exigente sobre o que significa sucesso e, sobretudo, encontrar o nosso lugar de direito onde quer que estejamos. Tudo começa dentro da gente. Esse exercício se aplica em qualquer lugar do mundo!
5 Comments
Super entendo. Quando meu então namorado (hoje marido) se referiu a mim como latina, eu achei super estranho e até meio ofensivo, e também percebi que de certa forma me achava melhor ou superior que as latinhas de língua hispânica. Que vergonha… Hoje já me acostumei a marcar “hispânica” nos formulários de job application. E é verdade que a transição profissional é difícil…. Já estou aqui nos EUA há 3 anos, sempre trabalhei, mas ainda não consegui um emprego mais estável e comparável com o que eu tinha no Brasil…
Olá
Gostaria de saber, para quem está morando no Canadá, como funciona o trabalho em comparação com o brasileiro, principalmente no que tange às questões de direitos dos trabalhadores, como férias, final de semana, aposentadoria (se eh que como residentes permanentes temos esse direito). Enfim, como eh trocar uma vida confortável no Brasil (não obstante todos os demais problemas que enfrentamos aqui) pelo desconhecido no Canadá. Abraços e parabéns pelos tectos aqui no BPM
Olá Luciana,
A Ana Carolina Sommer parou de colaborar conosco, mas temos outras colunistas no Canadá que talvez possam te ajudar.
Você pode entrar em contato com elas deixando um comentário em um dos textos publicados mais recentemente no site.
Obrigada,
Edição BPM
Luciana, estou de volta ao BPM e vou escrever sobre o tema que vc sugere! Fique de olho que logo sai. Obrigada por nos acompanhar. Bjs
Olá, só um aviso usar ”preferencia sexual” é errado, o certo é orientação sexual