Hoje o tema é imigração nos EUA.
Alguns encontros corriqueiros são capazes de mudar nossas vidas ou pelo menos a nossa visão de mundo. Funcionam como um agente catalizador que nos faz pensar em coisas e assuntos que antes eram distantes da nossa realidade.
Isso aconteceu comigo recentemente. Era uma linda manhã de sábado, com o céu azul e o sol a pino, e eu estava com minha família no centro de Washington DC, no bairro de Chinatown.
Fui abordada por um rapaz latino que, sem falar inglês, me mostrou um papelzinho com um endereço escrito à mão. Ele queria saber se estava em Washington DC e aquele era o endereço para onde ele pretendia ir.
Eu desconhecia o lugar do endereço e depois de olhar no Google Maps do meu telefone, descobri que se tratava de uma pequena cidade a quase cinco horas de distância daqui. Logo atrás dele estavam a esposa e a filha, muito bem vestidas e carregando apenas uma sacola.
A mulher estava muito aflita e ele conseguiu me dizer que aquele era o endereço de parentes que iriam recebê-los. Não consegui entender de onde eles vinham, mas me pareceram mexicanos. Falavam um espanhol difícil de entender, uma espécie de dialeto que nem meu marido, que é fluente no idioma, conseguiu compreender.
Depois de muita pesquisa na Internet, descobrimos que em Baltimore, a cerca de 1h30 de DC, havia um meio de se chegar à cidade que eles procuravam. Consegui convencer o motorista do ônibus chinês do qual eles desembarcaram a levá-los de volta a Baltimore sem cobrar mais uma passagem.
Eles me agradeceram e partiram. E eu fiquei na calçada com os meus botões….
Quantos será que chegam aqui, vestidos com a melhor roupa no corpo e tendo nas mãos somente um papel, com um endereço vago e a promessa de uma vida melhor? Quantos estão, exatamente nesse momento, em trânsito, cruzando fronteiras, arriscando a vida para chegarem a algum lugar melhor?
Muitos fugindo da fome, da guerra, da miséria, outros seguindo o sonho e o coração…
Migrar é uma das mais fortes tendências da vida contemporânea. Seres humanos ao redor de todo o planeta se mudam, se transferem e partem para novas vidas em outros territórios, outras línguas, outras culturas.
Pensei na minha vida e em como cheguei aqui de forma tão diferente. Entramos pela porta da frente, com a vida já previamente estruturada, emprego e vistos de trabalho e acreditem – não tem sido fácil! Escrevo frequentemente sobre isso em meu blog pessoal.
Sei que faço parte de uma minoria, pois muitos que chegam se tornam anônimos, sem que seu nome e o de sua família façam parte de qualquer estatística. O acesso ao crédito é praticamente impossível sem documentação regularizada e a saída é o chamado subemprego, com longas jornadas de trabalho e grana curta. O sonho dourado se torna rapidamente uma realidade cinzenta e requer um esforço e persistência que não são para qualquer um. Vale a pena? Somente cada um, ciente de suas condições e aspirações, pode responder a essa pergunta.
O novo presidente americano acabou de assumir e o mundo aguarda com apreensão o que ele fará, sobretudo em relação à questão migratória. Haverá realmente o muro na fronteira com o México? Muçulmanos serão fichados, como os judeus foram durante o governo nazista? Infelizmente as expectativas não são boas e arrisco dizer que será cada vez mais difícil embarcar no sonho da vida americana.
Surpreendentemente esse pensamento de repulsa aos imigrantes é visto como ideal por muitos moradores do país, inclusive por aqueles que aqui chegaram há poucos anos atrás como imigrantes!
O que explica esse raciocínio? O que mais ouço é: “dei duro para chegar onde cheguei e não aceito que taxas retiradas do meu salário beneficiem imigrantes”, ou ainda: “imigrantes são uma ameaça constante à segurança e ao desenvolvimento do país”. Trata-se da cultura do medo, amplamente reforçada pelas mídias, que faz com que vejamos o outro como uma ameaça e não um semelhante.
Complicado… Em pleno ano de 2017 o ser humano está mais propenso a construir barreiras do que pontes, e apesar de a Internet ter aproximado culturas e países, estamos nos isolando em nossas ideologias e crenças.
Acompanho com interesse o desenrolar dessa onda migratória que tumultua a Europa e também vejo por aqui, nos EUA, imigrantes de todos os tipos e condições sócioeconômicas. Ouço de amigos e parentes brasileiros o sonho constante de deixar o país… São sintomas de um mundo contemporâneo, onde raízes e origem importam cada vez menos, ao mesmo tempo em que preconceitos e estereótipos causam guerras sangrentas e destruição.
Estamos todos no olho do furacão, com o mundo girando freneticamente e movendo pessoas e vidas para lá e para cá. No calor do acontecimento, fica difícil traçar análises precisas, mas como otimista que sou – ou talvez sonhadora – prefiro acreditar que isso é um sinal da evolução humana, onde cada vez menos nos enxergamos como frutos de uma nação específica, para nos reconhecermos simplesmente como habitantes contemporâneos do mesmo planeta.
Somente a história e o tempo nos trarão as respostas para esses desafios… Caminhemos, porque 2017 está apenas começando!
Chegou nos EUA? Leia sobre as burocracias da chegada!
3 Comments
Excelente texto, minuciosamente descrito, o qual me inspirou a querer saber mais das tuas experiências aí em Washington.
Obrigada!!! 🙂
Muito descritivo……..publique mais