Não vim aqui falar sobre hambúrguer e batata frita. Que isso faz parte da culinária americana e traz uma série de malefícios para a saúde, a maioria das pessoas já sabem. O post de hoje alerta para os perigos da indústria de alimentos americana, como e por que os EUA se tornaram o país com um dos maiores índices de obesos, diabéticos e cardíacos no mundo, as razões para o surgimento da tendência de alimentos orgânicos, vegetarianos e veganos, além das leis americanas que giram em torno da indústria de alimentos aqui. Há quem acredite que se aqui nos EUA mantermos uma dieta saudável, evitando os famosos fast food, comendo frutas, verduras e proteínas, estaremos sãos e salvos, certo? Errado! Os perigos da indústria de alimentos norte-americana vão muito além dos hambúrgueres gordurosos que ajudam a entupir as veias do coração.
A evolução: do quintal da vovó aos transgênicos
Nos anos 40, no estado da Califórnia, surgiu a primeira lanchonete estilo fast food. Era o fim da Segunda Guerra Mundial, a economia americana saía da recessão e se recuperava rapidamente. Os americanos estavam prontos para experimentar um novo tipo de serviço de alimentação, com padronização, mecanização e eficácia. Queriam algo diferente do que as pessoas estavam acostumadas, diferente dos pratos elaborados feitos pela vovó, com verduras que cresciam no quintal de casa. Assim, surgiu um sistema de alimentação semelhante a uma linha de montagem, com grandes equipamentos que preparassem em grandes quantidades, em pouco tempo e com poucos funcionários, uma pequena variedade de alimentos a preços baixíssimos quando comparados a uma refeição. Nas décadas subsequentes o país cresceu ainda mais, as mulheres, até então em sua maioria donas de casa, passaram a fazer parte da força de trabalho, e o norte americano tinha cada vez menos tempo para cozinhar. O fast food não apenas trouxe um novo conceito de alimentação, mas se tornou um símbolo da cultura americana, reafirmando o capitalismo numa era em que o mundo vivia a Guerra Fria.
A moda da comida rápida evoluiu também para os enlatados, para os congelados, industrializados e os transgênicos (ou geneticamente modificados). O problema é que para acompanhar essa nova forma de alimentação a indústria teve que modificar a forma de produção, e é aí que mora o perigo. Tornou-se impossível acompanhar a demanda produzindo os alimentos de forma natural e foi assim que a dieta americana se tornou tão prejudicial à saúde caso você não tome muito cuidado.
Imagine que nos anos 40 quando queríamos beber um suco, colhíamos a fruta na horta de casa ou comprávamos as frutas da estação disponíveis no mercadinho mais próximo, batíamos tudo no liquidificador com água e o suco estava pronto. Muitas vezes não era necessário nem adicionar açúcar. A carne de frango que comíamos era de uma galinha que levava meses ciscando e sendo alimentada por grãos, até estar pronta para o abate. O mesmo com o boi, que comia apenas grama durante anos até estar pronto pra chegar a nossa mesa de jantar.
Nos anos 60 o cenário já era completamente diferente. O americano passou a frequentar grandes redes de supermercados e encontrar uma variedade enorme de sucos prontos e polpas de frutas congeladas ou enlatadas, além de verduras, folhas e raízes exóticas, antes impossíveis de serem encontradas nos EUA. Isso significa que esses alimentos não foram cultivados localmente e receberam altas injeções de agrotóxicos durante o plantio para sobreviverem à viagem até chagarem ao consumidor. O frango já não levava mais meses para ser abatido e nem era alimentado naturalmente. A galinha passou a ser alimentada com suplementos, para crescer mais rápido e ser abatida em apenas… 35 dias! E o “melhor” de tudo, já é vendida desossada! O boi passou a ser alimentado com milho e hormônios e em apenas um ano e meio já está pronto pro abate.
Não me leve a mal, não herdei da minha mãe o dom de cozinhar e adoro praticidade como muitas outras mulheres. Entretanto há uma linha tênue entre a nossa saúde e a praticidade. Passei a questionar se o ovo de uma galinha que é obrigada a ingerir grandes quantidades de hormônio e cresce em 35 dias é tão saudável quanto o da galinha que cisca e cresce naturalmente em alguns meses. Mas qual é o real problema desses produtos? Essas produções em larga escala não são ótimas para a economia? Esse não é o mundo globalizado que tanto sonhamos? Onde temos acesso a tudo, a qualquer momento, da forma mais rápida, prática e barata possível?
O problema é que elevamos a quantidade de produtos químicos usados para produzir e conservar os alimentos. Muitos desses produtos químicos são tão prejudiciais à nossa saúde que foram banidos em países europeus, asiáticos e latinoamericanos, mas continuam sendo permitidos nos EUA. Elevamos as taxas de açúcar e sódio dos alimentos e atualmente dois a cada três americanos sofrem com problemas de obesidade e seus efeitos colaterais. Mais de 50 milhões de americanos sofrem de diabetes e doenças cardiovasculares, e acredita-se que até 2030 42% da população americana sofrerá de diabete! Passamos a alimentar as vacas com milho (da pior qualidade) e criamos uma bactéria chamada E. Coli, que se desenvolve no intestino de animais que são naturalmente ruminantes, mas que estão alimentados com grãos. A E. Coli pode ser contraída mais facilmente através do leite ou da carne e pode ser fatal para o ser humano (veja o caso do menino Kevin), mas já foi encontrada até em suco de maçã. Desenvolvemos também uma série de herbicidas e sementes transgênicas que em contato com abelhas, fundamentais para a polinização de plantações, as contaminam e as matam, e algumas espécies já foram extintas. Desenvolvemos alimentos em laboratório, como tomates com genes de peixe e cenouras com genes de soja.
O pior de tudo é que não há lei nos EUA que obrigue a empresa a dizer se o produto fabricado é transgênico ou não, ou se a vaca, porco ou o frango foram alimentados com hormônios ou não; ou seja, os desavisados ingerem alimentos sem saber ao certo o que contém ali. No entanto, ironicamente há leis que proíbem a publicação de quaisquer imagens de operação industrial alimentar.
A revolução: orgânicos, veganos, vegetarianos ou nutracêuticos?
Sabe aquela velha frase “você é o que você come”? Baseados nela, nos últimos anos, muitos americanos começaram a questionar a indústria de alimentos nos EUA, sua produção, os efeitos desses alimentos futuramente, a ética na criação e abate de animais, além de lutarem por uma alimentação verdadeiramente saudável. Muitas vezes comemos uma salada de alface achando que estamos fazendo um bem à saúde, mas dependendo da forma como aquela alface foi cultivada, ele pode ser tão prejudicial quanto um hambúrguer. Foi aí que surgiu a tendência da alimentação orgânica, vegetariana, vegana e nutracêutica.
Com essa tendência, muitos americanos mudaram os valores da praticidade no consumo de alimentos, deixando de lado o fast food gorduroso, a comida congelada, enlatada e transgênica, voltando a comer alimentos produzidos da forma tradicional e natural. Surgiram por todo o país redes de mercados como Whole Foods e Trader Joe’s, especializados em produtos orgânicos, naturais, sem hormônios, sem transgênicos e com etiquetas descrevendo como aquele alimento foi produzido, dando a opção aos consumidores de saberem o que eles estão ingerindo. As antigas grandes redes de supermercados, como Walmart e Sam’s Club, tiveram que se adaptar a nova tendência e aumentar a oferta de produtos naturais. Surgiram novas cadeias de fast food no estilo “natureba”, como a rede Chipotle, sem hambúrgueres e batatas fritas, e sim com refeições nutritivas, saudáveis e naturais. Aumentou o número de opções de restaurantes vegetarianos e veganos, antes limitados a um público muito específico e encontrados em pequenos números mesmo nas grandes cidades. Os americanos voltaram a frequentar feiras de rua, aqui chamadas de Farmers Markets, onde as pessoas podem comprar produtos fresquinhos diretamente das mãos dos agricultores, apicultores e avicultores locais.
Também surgiram organizações não governamentais que lutam para que leis mais rigorosas sejam aprovadas pelo governo no que diz respeito ao uso de agrotóxicos, leis que beneficiem o consumidor e não as empresas, leis sobre a forma como animais são criados e abatidos, sobre informações disponíveis nas embalagens dos produtos e no que é servido no lanche das escolas para as crianças. Acredite se quiser: muitas crianças americanas não sabem que galinha tem osso, pois para algumas, frango é sinônimo de nuggets ou carne desossada!
Enfim, atualmente existem muitas campanhas para conscientizar a população sobre os perigos da indústria de alimentos americana, e bem aos pouquinhos, como num trabalho de formiguinha, as coisas estão mudando, mas ainda temos um longo caminho pela frente.
Para quem deseja se informar mais sobre o assunto, sugiro assistir o documentário Food, Inc. Veja o trailer:
6 Comments
Excelente post!! Essas informações têm que ser divulgadas mesmo. Morei em NY por 1 ano, e nunca me esqueço da primeira melancia que comi por lá. Nenhuma semente e anormalmente doce! Depois descobri que era geneticamente modificada. É bizarro o quanto manipulam os alimentos pro nosso bel-prazer.
Parabens pela escolha do tema!
Oi Camila!
Obrigada pelo comentário. Fico feliz em saber que você gostou do texto. É, a indústria de alimentos aqui é problemática. Temos que ter muito cuidado!
Continue nos acompanhando! Vem muita coisa boa por aí!
Beijos
excelente texto. Tal problema com a industria de alimentos nos EUA aliados a globalização e a expansão das multinacionais, elevam as consequência desse consumo a escala global, tornando o mundo inteiro dependente de tais alimentos práticos e rápidos, para que assim passem menos tempo comendo ou esperando sua comida estar pronta, para trabalharem cada vez mais no mercado capitalista.
Olá David,
Obrigada pelo comentário e por seguir o Brasileiras Pelo Mundo. Continue nos acompanhando. Vem muita coisa boa por ai!
Abraço
Olá Lorrane, Boa noite!
Sou de São Paulo, graduando do curso de nutrição e talvez você possa me ajudar.
Quais são as principais diferenças entres as legislações americanas quando comparadas com as do Brasil.
No meu trabalho preciso traduzir um rótulo de um produto americano, comparando as duas legislações.
Adorei o post, super interessante.
Prezado Felipe,
Obrigada por acompanhar o Brasileiras Pelo Mundo.
Para informações sobre legislação norte-americana, por gentileza, consulte osítio eletrônico da USDA (https://www.usda.gov/) ou FDA (https://www.fda.gov/)
Boa sorte na sua pesquisa.
Atenciosamente,
Lorrane