Há oito meses eu participei da gravação de um filme, como figurante. Fui convidada por um amigo francês e fomos para o local marcado às três horas da tarde. Quando cheguei ao set de filmagem, não tinha ideia de sobre o que era o filme. Ele me disse, então, que o nome do filme era Kartini.
Ainda sem entender muito do que estava acontecendo, me chamaram para as arrumações. Maquiaram-me, arrumaram o meu cabelo, escolheram as roupas que eu iria usar, tudo de época. Bom, o filme era algo que aconteceu no passado, isso eu já tinha entendido.
Fiquei então até a hora do jantar ‘sem fazer nada’, apenas esperando para gravar, mas nada aconteceu. Jantamos e permaneci no aguardo.
Ok, até aí pensei que Kartini fosse apenas mais uma palavra em indonésio e resolvi que iria me aprofundar nela depois, já que eu não sabia o significado. Finalmente me chamaram para gravar, mais de nove horas da noite. Durante a gravação, conforme as cenas aconteciam, eu me dei conta de que Kartini era o nome da personagem principal do filme e que, para fazerem um filme em seu nome, ela provavelmente tinha sido alguém importante.
Fui então pesquisar na internet quem era essa tal moça e encontrei um texto, aqui no BPM, de um ano atrás. Ainda assim, em uma homenagem à Kartini, pesquisei a sua bibliografia mais a fundo e resolvi falar sobre ela novamente.
Kartini nasceu em 21 de abril de 1879, de uma família nobre. Seu pai foi um aristocrata javanês que trabalhava para o governo colonial holandês. Na época, a Indonésia era conhecida por Dutch East Indies (Índias Orientais Holandesas), ainda colonizada pelos holandeses.
Devido ao histórico da família, muito próxima dos oficiais da época, Kartini teve a oportunidade de frequentar uma escola primária holandesa. A escola abriu os olhos da menina para os ideais ocidentais. Durante este tempo, ela também teve aulas de costura com uma senhora holandesa, que passava sempre suas visões feministas às alunas e foi, portanto, essencial em plantar a semente para o ativismo que Kartini viria a ter quando mais velha.
Quando Kartini chegou à adolescência, a tradição javanesa ditou que ela deixasse sua escola holandesa devido à necessidade de estar protegida dentro de casa, lugar considerado apropriado para uma jovem nobre feminina. Algo, a meu ponto de vista, machista e quadrado, porém que fazia parte da sociedade na época.
Lutando para se adaptar ao isolamento, Kartini escrevia cartas à sua professora de costura e aos seus colegas de escola holandeses, protestando contra a desigualdade de gênero das tradições javanesas, como casamentos forçados em uma idade jovem, que negava às mulheres a liberdade de prosseguir uma educação, entre outras coisas. Suas cartas também expressavam seus sentimentos nacionalistas javaneses.
Ironicamente, em sua ânsia de escapar de seu isolamento, Kartini aceitou rapidamente uma proposta de casamento arranjada por seu pai. Em 8 de novembro de 1903, Kartini se casou com o regente de Rembang, Raden Adipati Joyodiningrat, que estava em seu terceiro casamento e já tinha 12 filhos.
Na mesma época, Kartini recebera uma bolsa de estudos para estudar no exterior, e o casamento infelizmente rompeu suas esperanças de aceitá-la. Conforme a tradição javanesa, e ainda hoje em famílias mais tradicionais aqui em Jacarta, logo que as meninas terminam a faculdade (20 e poucos anos), é esperado que elas se casem. Existe uma pressão dos pais e dos familiares – muitas vezes até como brincadeiras, mas com um fundo de verdade. Outro dia, num aniversário de uma amiga de 23 anos, o irmão dela comentou: “Já está na hora de se casar…”
Voltando à história de Kartini, ela tinha a intenção e uma vontade muito forte de espalhar uma mensagem feminista para o mundo. Por sorte, teve a aprovação de seu novo marido e começou a planejar a abertura de sua própria escola para meninas javanesas.
Com a ajuda do governo holandês, no mesmo ano em que se casou, ela abriu a primeira escola primária indonésia para as meninas locais, sem discriminação relacionada ao seu status social. A escola ensinava às meninas um currículo mais progressista, baseado no Ocidente. Para Kartini, a educação ideal de uma jovem incentivava o empoderamento e a iluminação.
Ela também promoveu a sua vida ao longo da educação. Kartini se relacionava regularmente com feministas e com oficiais coloniais holandeses, que lhe ajudavam a promover a causa da emancipação das mulheres javanesas, numa realidade de leis e tradições opressivas.
Infelizmente, em 17 de setembro de 1904, com apenas 25 anos de idade, Kartini faleceu devido a complicações ao dar à luz seu primeiro filho. Suas duas irmãs continuaram a sua luta, mais escolas foram fundadas para meninas e uma instituição foi criada para financiar os estudos dessas crianças.
Sete anos depois de sua morte, em 1911, um de seus correspondentes publicou uma coleção de suas cartas. Kartini teve uma história muito marcante e relembrada até hoje pelo povo indonésio, ela foi a grande pioneira na área de direitos das mulheres. Hoje em dia, seu aniversário é comemorado, anualmente, como o Dia de Kartini.
Este ano, uma semana antes de seu aniversário, houve a estreia do filme “Kartini”, sim, aquele mesmo que eu comentei no início do texto e que está na foto de capa. Eu estive lá, para ver a minha estreia no cinema, porém não entendi muita coisa já que o filme era em javanês com legenda em indonésio, mas valeu a pena!
E também, no dia 21 de abril, ou no Dia de Kartini, todos os meus colegas de trabalho foram trabalhar à caráter, houve até votação do melhor traje feminino e masculino – roupas tradicionais. Uma experiência muito legal, em memória e lembrança à esta grande mulher, vista como uma heroína nacional.
Para os interessados, suas cartas podem ser encontradas nos livros: Out of Darkness to Light, Vida da Mulher na Vila e Cartas de uma Princesa Javanesa.
Espero que tenham gostado desse pouquinho de história Indonésia.
Até a próxima!