Quando a maioria das pessoas pensam no Oriente Médio geralmente existem duas impressões diferentes: uma de que é um lugar perigoso, tomado por conflitos e guerras; a outra é de grandiosidade, muito dinheiro e luxo, com Dubai sendo uma grande referência disso.
E o resto da região que não aparece tanto na mídia do Brasil, como é?
Morei em Omã por quase seis anos, um país do Golfo Árabe que faz fronteira com a Arábia Saudita, o Iêmen e os Emirados Árabes. E posso dizer que é um lugar totalmente diferente de seus vizinhos: ao contrário da Arábia Saudita, Omã não é tão rígido (mulheres podem dirigir, andar sem vestir uma abaya e estrangeiros podem comprar e consumir álcool).
Omã também é um dos países mais seguros e pacíficos do mundo, ao contrário de seu vizinho Iêmen que enfrenta sérios problemas com o terrorismo.
Por ser um país árabe que se diferencia por sua mente mais “ocidental” e por suas portas abertas para o turismo, sempre me perguntam se Omã é como Dubai ou Abu Dhabi, populares destinos para turistas e que se destacaram nos últimos anos por suas extravagâncias.
Na minha opinião, a capital de Omã, Muscat, é um oposto de Dubai. As duas tem seus atrativos, mas são completamente diferentes. Para quem está na região, vale a pena conhecer os dois lugares, já que a experiência em cada é incomparável.
Ambas Muscat e Dubai passaram por um processo de modernização e ocidentalização em épocas similares. Muscat estava longe de ser uma capital cinquenta anos atrás, já que as gerações passadas de omanis eram divididas em tribos (muitas das quais nômades) espalhadas pelas montanhas, pelo deserto, ou vivendo na área portuária. Já nos Emirados Árabes, além de comunidades beduínas pelo deserto, Dubai era uma vila de pescadores.
Até a descoberta do petróleo, ambos os países enfrentavam um alto índice de pobreza. Com o petróleo em alta, muitas empresas estrangeiras se deslocaram para a área, trazendo um fluxo enorme de pessoas do mundo todo, enquanto a população local experienciava uma riqueza quase que imediata.
No caso de Omã, mesmo com a modernização sua história e o legado cultural de seu povo é autêntico e evidente: as ruas estreitas do souq (mercado tradicional), o palácio do sultão com uma arquitetura islâmica típica, as ruínas do forte construído séculos atrás; nas montanhas, vilas centenárias ocupam a paisagem, assim como sítios arqueológicos. Por decreto do sultão todos prédios não podem ultrapassar uma certa altura e a cor predominante das paredes é o branco.
Muitos omanis também mantiveram suas tradições: nas vilas, muitas pessoas ainda usam roupas feitas a mão com lã de cordeiro e tecidos do souq. Muitos comércios também são dirigidos por gerações pelas mesmas famílias locais.
Em Dubai, a modernização significou um total desprendimento da cultura local, sob a impressão de que o único modelo para o progresso era o usado pelos países ocidentais.
Portanto, os emiratis decidiram construir algo ainda maior e melhor do que já existia em outras grandes metrópoles: não é surpresa de que fizeram o primeiro hotel 7 estrelas do mundo, construíram ilhas artificiais e ofereceram seus lotes para celebridades mundiais, construíram a maior torre e o maior shopping center do mundo. Como uma jogada de marketing para atrair turistas atrás de uma experiência mais “autêntica” do Oriente, Dubai construiu uma “cidade antiga” com canais, um souq e um estilo de arquitetura arabesco. Isso a metros de distância do moderníssimo Burj Khalifa e rodeado por boates e bares ao lado de lojas “tradicionais” de tapetes e incenso.
A cultura do consumismo em Dubai é muito mais forte do que em Muscat. Notei isso observando ambos os locais e os expatriados em ambos os lugares.
Dubai é um constante desfile de moda, onde marcas de luxo e alta tecnologia estão presentes em cada detalhe, sendo das roupas embaixo das abayas das emiratis aos carros de luxo rodeando as avenidas.
Muscat tinha seu lado glamouroso também, mas de uma forma mais pé no chão. Enquanto um final de semana em Dubai pode se resumir a um passeio de iate na Dubai Marina ou uma festa exclusiva no Armani Hotel, em Muscat muitos de seus habitantes (especialmente expatriados) iam passar o dia na praia, ou fazer um passeio pelos oásis ou dunas no interior.
Vale a pena conhecer Dubai? Sim, com certeza. Sua arquitetura futurista e o fato de que uma cidade dessa dimensão surgiu tão rápido a fazem interessante e bela de sua maneira.
Mas, acho que Dubai se esqueceu demais de seu passado e com isso, perdeu grande parte do charme que caracteriza os países árabes.
Muscat talvez seja menos impressionante em termos de sua arquitetura mais simples e seus atrativos focados para o turismo apenas. Mas, a hospitalidade de seu povo, suas paisagens naturais e sua história muitíssima bem preservada fazem a capital de Omã um lugar imperdível para quem procura conhecer mais sobre a região.
2 Comments
Texto simples e muito bem escrito.
Parabéns para a autora.
Nunca tinha avaliado a evolução histórica desses lugares por este ângulo. Muitos associam prédios espelhados e ilhas artificiais como sinônimo da prosperidade, porém se esquecem de que o desligamento com o passado implica na dissolução da cultura de um povo. Foi isso o que aconteceu com Dubai. Virou um lugar magnífico do ponto de vista estético, porém pobre culturalmente.
Ótimo texto da autora.