Minimalismo e Consumismo.
Há algum tempo, assisti a um documentário no Netflix chamado Minimalism: A Documentary About the Important Things ou Minimalismo: um documentário sobre as coisas importantes – na tradução livre – que apresenta depoimentos de dois protagonistas que são amigos de infância, bem-sucedidos profissionalmente, mas que com o passar do tempo começaram a se sentir totalmente infelizes. A partir de então, os dois passaram a questionar se fazia ou não sentido manter status e bons salários para ter “coisas”. Ao refletirem sobre o assunto, os amigos de longa data decidiram deixar os empregos que rendiam altos salários em busca de um estilo de vida minimalista.
Mas, afinal, o que é minimalismo?
Pensando na mensagem transmitida no documentário, minimalismo está muito além de um estilo onde pessoas procuram viver apenas com o que realmente consideram necessário. Minimalismo significa, também, viver de uma maneira mais livre, leve, feliz; que cada pessoa procura se concentrar em “coisas que realmente sejam importantes para ela”.
Não quer dizer que uma pessoa precise morar em uma casa minúscula, desfazer de todas as roupas, calçados, acessórios, livros e utensílios domésticos para dizer que é minimalista. No entanto, a ideia é que cada indivíduo faça uma profunda reflexão sobre a real necessidade de possuir um volume de coisas que muitas vezes são adquiridas desnecessariamente e/ou de maneira impulsiva.
Apesar de o conceito minimalista ainda não ser entendido por muitos, a falta de uma compreensão efetiva sobre o assunto acaba levando muita gente a pensar que ser minimalista é ser radical ou, ainda, que seus adeptos possam até ser considerados eremitas. Porém, é importante salientar que a essência principal desse conceito nada mais é do que habituar-se a viver sem excessos.
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Consumismo norte-americano
Para mim uma das coisas mais interessantes ao refletir sobre o tema foi constatar que justamente dois homens, teoricamente felizes, com carreiras prósperas e vivendo em um dos lugares mais consumistas do planeta, passaram a repensar suas vidas nesse sentido.
Como muitos sabem, vários lugares aqui nos EUA são considerados verdadeiros paraísos de compras. Comumente escuta-se de pessoas que já tenham vindo ou planejam vir para cá que fazer compras faz parte do roteiro. Não estou aqui para criticar ninguém, mas presumo que muitas pessoas talvez nem imaginem que para se ter novidades em quantidade, os EUA precisam importar parte significativa dessas mercadorias que são produzidas por uma mão de obra barata e até infantil de vários países asiáticos. Como disse em outro artigo, “produtos made in USA – feito nos EUA – torna-se cada vez mais raro.”
Entretanto, é indispensável dizer que não são somente estrangeiros que consomem desenfreadamente por essas bandas, seus compatriotas também. Aliás, compram tanto que muitas famílias alugam depósitos para guardar coisas quando não cabem mais em suas casas.
Outra questão que não consigo entender nessa lógica excessivamente consumista é o comportamento de pessoas que chegam a ser pisoteadas, brigam e se empurram na tentativa de comprar produtos durante a sexta-feira negra ou Black Friday, que acontece após o Thanksgiving ou Dia de Ação de Graças, o feriado que objetiva união e agradecimento, como contei aqui.
Embora a propaganda e o marketing também desempenhem o papel de “criar desejos” que nem sempre sabemos que temos, o fato é que acabamos sendo conduzidos até de uma maneira inconsciente a mantermos nosso vício consumista – para talvez preencher algum vazio – e, como desculpa, acabarmos consumindo mais para nos recompensarmos de alguma forma.
Quer ver um exemplo do que estou tentando dizer? Um dos depoimentos apresentados no documentário, indicava que no passado, a indústria da moda trabalhava focando em coleções durante as quatro estações: primavera, verão, outono e inverno. Atualmente, os lançamentos são feitos a cada semana.
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Na realidade, se pensarmos em qualquer loja de departamento, constataremos que a regra se aplica exatamente dessa maneira e, com isso, quando não compramos roupas para acompanhar o ritmo imposto por essa lógica, passamos a acreditar que estamos sempre fora de moda, pois o que passa a não ter valor social – neste caso, o que está fora de moda – começa a ser desvalorizado.
Nem todo mundo consegue ser minimalista
A maioria dos minimalistas entrevistados no documentário era solteira ou casada sem filhos. Talvez você esteja pensando: seria uma transição fácil para uma família com filhos? Um casal com filhos, que foi entrevistado, deixou claro que, apesar de gostarem da ideia, reconheceu ser muito mais difícil incorporar novos hábitos quando se tem crianças. Penso que a justificativa dada por eles faz todo o sentido, ainda mais por existir uma gama quase infinita de produtos totalmente direcionada ao público infantil.
O mesmo foi dito por outro entrevistado casado e pai de seis filhos. Mesmo tendo reforçado os argumentos pontuados pela família anterior, os dois concordaram que se torna impossível tomar decisões unilaterais quando se trata de uma família maior, porém, eles também acreditam que não deixa de ser uma oportunidade para ensinar aos filhos, desde cedo, sobre um assunto que consideram importante refletir.
Pessoalmente, desde que eu me mudei para cá, recebo questionamentos curiosos sobre a minha frequência de visita aos outlets, ou seja, centros comerciais que vendem vários produtos (especialmente roupas de grife) com preços abaixo dos praticados em lojas convencionais. Há muitos outlets espalhados pelo país, mas sendo muito sincera, digo a vocês que nunca estive em nenhum deles.
A bem da verdade, quando me mudei, trouxe literalmente duas malas e o que comprei durante esse um ano e meio que moro aqui foram coisas que eu realmente precisei, como por exemplo, agasalhos e acessórios para encarar o inverno. Como eu disse aqui, já me peguei pensando se o que ficou realmente tinha importância, já que, até o momento, não me fez falta.
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Honestamente, tenho procurado viver de uma maneira mais leve há alguns anos, mas até assistir ao documentário, eu realmente não sabia que minha mudança de hábito tinha a ver com o conceito – mesmo não me considerando totalmente minimalista.
Reconheço que não é uma mudança feita da noite para o dia, embora afirme que, com o passar do tempo, fui chegando à conclusão de que prefiro colecionar experiências e estar próxima de pessoas que eu gosto a ficar comprando sem necessidade buscando me presentear.
Acredito que quando começamos a pensar e agir desta forma também estaremos colaborando com o meio ambiente e, nesse sentido, me parece que alguns países já estão bem mais avançados. Na Finlândia, por exemplo, existe “uma cultura muito forte de venda de segunda mão. São inúmeros ‘mercados de pulgas’, brechós, grupos de Facebook, empresas online e organizações não-governamentais por todo o país.”
Por experiência, posso dizer que desapegar de coisas é libertador. Além da sensação de leveza já mencionada, também haverá menos dívidas, menos estresse, menos insatisfação e menos desorganização.
Por fim, acredito que um dos maiores aprendizados durante todo esse processo é ter a possibilidade de repensar nossas escolhas, nossos hábitos e tentar viver de uma maneira mais simples, sustentável e consciente.