Morar fora é viver de saudade.
Domingo de inverno, o céu amanheceu mais uma vez cinza e com uma temperatura sutil de 3◦ graus, e a sensação térmica não passa dos O◦. Depois de quase um mês e meio de chuvas intensas e frequentes, eu começo a perceber que desde novembro ainda não consegui ter uma verdadeira semana de sol.
Todo inverno é a mesma coisa, eu fico sem qualquer tipo de ânimo para sair da cama, mas nesse ano a situação começou a ficar mais crítica, a ponto de eu achar que estava entrando em uma fase de pré-depressão.
Dei graças a Deus por ter tido a sugestão de uma terapeuta floral de tomar vitamina D. É tão bom poder contar com uma opinião externa, principalmente quando você começa a confundir a lamúria e a lerdeza, ocasionadas por pura falta de sol, com depressão. Lembrei dela perguntado – “como assim uma brasileira troca um país abençoado pelo sol, por isso? Por chuva e frio o tempo inteiro ?!”
Pois é, tenho que admitir que certas vezes eu também me faço a mesma pergunta.
O domingo começou com Bebel Gilberto se instalando pela minha sala, cantando simplesmente. Nessas horas me lembro dos meus finais de semana ensolarados e quentes de Brasília, mais exatamente quando minha irmã acordava e ligava sistematicamente o rádio na estação Nova Brasil, e com isso vinha o cheiro de café e a rotina de regar todas as plantas da casa.
Leia também: E por falar em saudade…
Depois da nostalgia de Bebel, Vinícius de Morais chegou catando – “Oriá raiô, obá obá obá” e o namorado, que não consegue identificar bem essa parte da música, me pergunta o que isso quer dizer. Eu, super orgulhosa do meu português, digo que ele está dizendo “ô Maria raiou”…! Olhei logo em seguida na internet, numa tentativa fracassada de resgatar a minha certeza e descubro que durante anos cantei errado, ao menos comecei o dia aprendendo alguma coisa (yes)!
Mas a nostalgia, que insiste em me fazer companhia nesse dia, me faz lembrar como eu costumava gastar um tempo enorme procurando novos artistas brasileiros, apresentando as descobertas pros amigos, recebendo sugestões na mesa de um bar, ou botando a música pra tocar em festinhas. A busca ainda continua, mas a troca entre amigos nem tanto.
Mudar de país me permitiu conquistar algumas coisas, além de possibilitar um crescimento pessoal sem tamanho, mas isso também ocasionou ganho de distância e a perda de algumas amizades.
Eu costumo dizer que morar fora é viver de saudade, em todos os sentidos. É a família que não pode estar presente fisicamente para celebrar os bons momentos, e nem dar colo nas situações difíceis, são também os amigos que invadiam a casa nos finais de semana e que eram companhia certa para uma “breja” no bar, ou para receber uma ligação a qualquer hora do dia e estarem lá quando você precisava. Tem também os lugares favoritos, a praia das férias, a reunião de família no final do ano, a viagem com os amigos, as festas, os aniversários, os casamentos, as comemorações…
Leia também: tudo que você precisa saber para morar na França
Algumas dessas amizades, de uma vida toda, continuam, ainda bem! Mas apesar disso, a comunicação se torna menos frequente e muitas vezes se resume a um “como está a vida?”, que a gente acaba contando em 3 longas frases e termina dizendo “que saudade eu tenho de você”. Às vezes parecemos dar a impressão de que fomos embora deixando tudo para trás, quando a verdade é que optamos apenas por viver novas aventuras, mas o amor e a falta que as amizades fazem, continuam os mesmos.
Daí pausa para alguns meses, até a gente tentar resgatar o fio da amizade novamente.
A gente pensa que tem que conhecer pessoas novas, viver a vida como ela deve ser vivida, e aí conhecemos de fato, pessoas com quem nos identificamos, pessoas maravilhosas, criamos novos laços de amizades, mas eles não podem substituir os antigos, muito menos aqueles de uma vida inteira. E a saudade continua, e num comportamento sadomasoquista nos vemos revendo fotos antigas e tentando relembrar alguns desses momentos, pensando que eles foram suficientemente bons e intensos para durarem o que tiveram que durar.
Nessa vibe, sem fazer muito esforço, acabei me tornando mais brasileira do que eu mesma gostaria de ser. A verdade é que quando você mora fora existe uma tentativa de pertencimento, e aí a sua identidade aflora. Estou insistindo, há exatos três dias, numa tentativa frustrada de fazer tapioca com o polvilho que encontrei na quitanda chinesa da esquina.
Sim, eu moro no país do croissant, do brioche e do mille feuille, mas tudo o que eu queria comer nesse momento era uma tapioquinha com queijo e um suco de maracujá, obrigada!
Ao final dia, eu ligo para o meu pai para desejar mais um “feliz aniversário” à distância, e em seguida passo mais uma longa hora com a minha mãe no Skype para atualizar as novidades da vida como a gente pode.
Aproveito e faço uma visita ao vivo do apartamento novo, conto os planos e fazemos outros. Depois terminamos a ligação dizendo, mais uma vez: saudades.
Antes de me deitar, lembro que tenho os meus comprimidos de vitamina D, e os tomo torcendo para que na manhã de inverno do dia seguinte saia um raiozinho de sol.
11 Comments
Estou a três meses na Irlanda,entendo você….mas acho que o pior é a falta de calor humano….
Oi Lilly, o calor humano também me faz falta sim, mas depois de quase 5 anos já estou calejada haha
Me reconheci no seu texto. Morar fora é realmente viver com saudades ❤️
Oi Ana, obrigada pela sua visita! Acho que esse sentimento acompanha todas nós que resolvemos nos aventurar pelo mundo.
Bjos
A saudade so nao eh maior do que o amor que tenho pela familia/amigos!
Isso com certeza Tharcila!
Adorei tudo q escreveu.Verdade pura!Parabens e guenta firme.Tudo vai ficar bem.Beijo
Oi Omara, obrigada pela sua visita e pelo comentário ! Guento sim haha, afinal nem tudo é drama, coisas maravilhosas acontecem também 🙂
Bjos
Guuuuuria, me vi no teu texto. Claro, tu um pouco mais adapta que eu hahaha. Tardei quase quatro meses chorando de saudade e agora que estou começando a disfrutar meu intercambio. Eu vivo na Espanha que não é um país tão frio, tenho amigos de todo o mundo, vou de festa mas NADA como se sentir em casa se verdade e isso eu só me sinto no Brasil. Saindo de lá eu pude ver de fora da caverna como dizia Platão e vi sim muitas coisas ruins mas também outras maravilhosos que até agora só vi nos Brasileiros. Temos alguns valores que eu realmente sinto falta de ver nas pessoas aqui. O churrasco de todo domingo( pq sou gaúcha, né), família reunida envolta da mesa, calor humano. Eu fiz dos meus amigos minha família aqui mas nesse vai e vem, vivo de despedidas. Aprendi muito sobre isso pero ainda me dói muito. É uma experiencia incrível viver fora pq tu passa a se conhecer de verdade, a ver o qhe realmente faz falta na tua vida, a força que tem pq alguns dias são realmente dificeis e tu somente gostaria de estar em casa, naquela casa onde tem gente falando, tomando chimarrão e as vezex até discutindo. Uma grande família assim. Viver fora é bem isso, viver de saudade. Saudade do cheiro do feijão, da reunião em família, dos amigos que com o tempo se mostraram de verdade, saudade da simplicidade.
Realmente me reconheci no texto, estou a um mês em Berlim e passei/passo pelo mesmo. Principalmente naqueles dias de céu cinza e frios…me fazendo perguntar porque abandonei o Sol do querido Brasil,os amigos e a família haha
Muito obrigado por compartilhar isto com nós, pois aos poucos vamos aprendendo a viver longe de casa e de tudo aquilo que um dia aprendemos a amar.
Se acontecer um dia de eu morar fora, não vou sentir falta de amigos! Praticamente não tenho amigos mesmo. Vou sentir falta só da minha família.