O Castro e o movimento LGBTQ em São Francisco
O texto da série “Bairros de São Francisco” deste mês é pra lá de especial. Nos dias 29 e 30 de junho, em São Francisco, comemorou-se a parada do orgulho gay. Essa cidade é a epítome do espírito LGBTQ do mundo e, por essa razão, esse mês me sinto feliz e movida a falar do “Castro”, o bairro mais gay de São Francisco. E digo mais gay porque a cidade toda é marcada pela tolerância e você encontrará bandeiras com as cores do arco-íris LGBTQ ao redor da cidade inteira.
Andar pelo Castro é uma aventura única. Primeiramente, o bairro é, de forma geral, mais colorido que qualquer outra vizinhança da cidade. Na entrada do bairro, no Harvey Milk Plaza, na intersecção das ruas Market e Castro, você já será recebido com a maior bandeira LGBTQ que já viu na vida. Essa bandeira está num mastro no bairro desde de 1997, inicialmente colocada apenas durante as comemorações do orgulho gay, mas posteriormente, colocada permanentemente na entrada do bairro. Ela funciona como afirmação de inclusão e a mensagem que passa é a seguinte: aqui somos tolerantes com todas as formas de expressão de amor e esperamos nada menos de você, visitante.
É inevitável não notar a onda de energia positiva, vibrante pelas ruas. Um misto de liberação e alegria mesmo. Você escuta o barulho das músicas altas tocando nos bares e boates a qualquer hora do dia. Mas, não é só isso: o bairro serve bem aos moradores também e tem mercados, barbearias, lojas e restaurantes magníficos. E isso, para mim, foi o diferencial. Já vi muitas cidades que criaram bairros gays (aqui nos Estados Unidos mesmo) como sinônimo unicamente de vida noturna e liberação sexual. Não traduzem a realidade da vida de pessoas que dependem das mesmas facilidades no dia-a-dia que qualquer bairro deveria ter. Eu já fui ao Castro para festar, mas também para comer e fazer compras. E a verdade é que valeu cada minuto.
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História do Bairro
O Castro, no século XIX, foi ocupado por imigrantes escandinavos. No século XX, no período entre guerras, a partir da década de 30, começou a receber um influxo de imigrantes europeus, principalmente italianos e irlandeses. O bairro se tornou muito miscigenado e ocupado por operários de fábricas.
Durante a Segunda Guerra, o exército americano dispensou milhares de soldados por conta de sua orientação sexual. Muitos dele se estabeleceram na Baía de São Francisco. Nos anos 50, muitas famílias tradicionais migraram do Castro para os subúrbios, gerando uma grande oportunidade imobiliária na região. Em 1963, o primeiro bar gay abriu no bairro com o nome “Missouri Mule”.
A associação do bairro com o movimento LGBTQ começou na década de 60 com o Summer Love no bairro vizinho (Haight-Ashbury). Comunidades hippies se espalharam na região . O evento, em 1967, trouxe para a região milhares de jovens de todo os Estados Unidos, que viram no bairro uma oportunidade de moradia, especialmente depois do Haights ter se tornado violento devido ao comercio ilegal de entorpecentes. A comunidade gay criou no bairro um centro glamuroso, com todas as conveniências, na década de de 70.
O morador mais famoso da região foi Harvey Milk, pequeno empresário e ativista gay. Ele foi a primeira pessoa pública, abertamente gay, a ser eleita para um cargo oficial. Ele passou uma lei que bania discriminação com base em orientação sexual em áreas públicas, venda de propriedades e oportunidades de emprego e se transformou num ícone gay após seu assassinato, um pouco tempo depois. O terno que estava usando quando foi assassinado pode ser visto no museu GLBT do Castro, que merece uma visita. A área se transformou no “point” da vida noturna gay. Na década de 80, com a descoberta e aumento de casos de AIDS, muitas saunas e outros estabelecimentos foram fechados e campanhas de sexo seguro se espalharam na região.
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O que visitar no Castro?
Além do museu citado acima, que é parada obrigatória, um outro prédio que vale a vista é o Teatro do Castro, um cinema construído em 1922 e que ainda tem sessões abertas ao público.
A intersecção entre a rua 18 e a rua Castro é a mais famosa e onde marchas e protestos acontecem. Na divisa da Market com a 17, você encontrará a famosa bandeira gigante que descrevi no começo do artigo.
O parque “Pink Triangle” ou “triângulo cor-de-rosa” também vale uma parada. Lá tem um monumento em homenagem às vítimas homossexuais do nazismo, que eram obrigadas a vestir uniformes com um triangulo rosa para se diferenciarem dos demais prisioneiros nos campos de concentração na Segunda Guerra Mundial.
Se bater uma fome, visite o Hot Cookie, entre as ruas Castro e 19. Os biscoitos de lá são mundialmente famosos, especialmente o cookie com gotas de chocolate e os macarons de côco. A melhor parte é que alguns desses biscoitos têm formatos provocativos, sexuais e divertidos.
Combine seu cookie com um café que é a cara de São Francisco: Weaver’s Coffee and Tea, orgânico e excelente, na rua Market, entre as ruas Castro e Church.
Para fazer comprinhas de roupas divertidas, visite as inúmeras lojas, sex shops e brechós do Castro. As lojas vão de designers locais caríssimos, como a Sui Generis, até marcas mais acessíveis de fabricantes locais, como a Local Take.
Vida Noturna
Claro que, se o Castro é seu ponto alto da visita a São Francisco, você provavelmente vai querer curtir a vida noturna única que o bairro oferece.
Comece com o Twin Peaks, o primeiro bar gay dos Estados Unidos. Sempre lotado, é um bom começo.
Moby Dick é também um bar antigo e famoso, com sinuca e pinball, famoso por seu aquário, cuja função é dar assunto para engatar conversas com estranhos.
Esportes LGBTQ? Tem também. HiTops é um pub cheio de gente bonita, com televisões espalhadas e tem os melhores nachos que já comi na vida.
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Mas, a verdade é que visitar o Castro é uma oportunidade única de não apenas rir, socializar, mas também refletir. Para quem vem de países conservadores, ou em ondas homofóbicas, visitar o Castro é uma excelente oportunidade para questionar o status quo.
Será que criar um mundo de igualdade e tolerância é mesmo uma ameaça à família e aos que pensam diferente? O Castro está aí para provar que é possível viver em harmonia com a diferença. Um mundo de arco-íris, no qual pessoas andam pelas ruas sem medo, não só é possível, mas já existe em pequena escala por aqui.