Mudando do México para a Holanda.
Cada país tem sua história e ela define seus rumos e as características de seu povo. Acho que comparar dois países com histórias, economias, governos e povos tão diferentes não seria justo, sem antes fazer uma análise profunda dos fatos e motivos que levaram cada um destes países às situações onde eles se encontram agora.
Infelizmente o México, assim como a maioria dos países da América Latina, carrega o peso do colonialismo, da exploração, e de toda a miséria gerada pela corrupção, pelo narcotráfico e por problemas que conhecemos muito bem. Faço então apenas uma descrição das diferenças que encontrei vivendo nestes dois países, deixando claro que vivi três anos no México mas estou na Holanda há menos de quatro meses.
A verdade é que mudar de país é sempre difícil. Você tem que dizer adeus a toda sua vida e arrancar e carregar suas raízes com você, para uma terra desconhecida. Você se despede das coisas que aprendeu a amar (ou ao menos, se acostumou a enfrentar), dos amigos, da sua casa, do idioma e começa a desbravar um mundo completamente desconhecido. E no caso da Holanda, com uma língua que, nem que a gente se esforce muito a gente consegue entender.
Leia também: Tudo que você precisa saber para morar na Holanda
(Antes de continuar, queria deixar claro que eu sei que a Holanda não é um país. A força do hábito me faz seguir usando este termo. Deixo aqui o link para um texto ótimo, que explica tudo sobre este país tão peculiar, que na verdade se chama Nederland: Afinal é Holland ou The Netherlands?)
E então você sai do México, o país do “Estoy acá para servirle” e chega em Nederland, o país do “faça você mesmo”. A verdade é que a escassez de serviços gera simplicidade e eficiência. Os produtos para que você cuide de seu próprio jardim, limpe sua casa, faça sua comida, ou instale sua TV a cabo e sua internet sem a necessidade de ninguém, são muito práticos.
As casas são pequenas, você vai ao supermercado a pé, ou de bicicleta, não faz compras grandes nem tem uma despensa lotada (aliás, nem tem despensa). Você compra a comida do dia, sem desperdício, sem dificuldades. E, quando você se acostuma, se liberta de um monte de costumes antigos e até de algumas neuroses (principalmente daquelas que nossas avós nos ensinaram). Eu, por exemplo, não passo mais roupa, compro batatas que já vem descascadas e cozidas, e uso um espanador que gruda na poeira que me faz sentir quase o Harry Potter!
Isto é uma grande diferença entre os dois países e, do meu ponto de vista, vai ser a maior e melhor lição que minhas filhas poderiam ter. No México as crianças são superprotegidas, mas não só por uma questão de segurança, é a cultura mesmo. A criança não carrega sua mochila, não penteia seu cabelo, não faz a lição sozinha, não amarra o próprio tênis. Isto sempre me incomodou e aqui, finalmente posso exigir muito mais responsabilidade, afinal elas também têm muito mais independência, e uma coisa leva à outra. Aqui elas arrumam a cama, põe a louça e a roupa na máquina, ajudam na faxina e na cozinha e, principalmente, vão para a escola sozinhas, de bicicleta. Ou seja, a responsabilidade de carregar a mochila e mais ainda, a de chegar na escola na hora é toda delas. E, isso acontece faça chuva ou faça sol! Outro choque para mim também…
– Mas elas vão de bicicleta até quando chove? (e chove o tempo todo)
A resposta dos holandeses é:
– Crianças não derretem!
Esta resposta já nos leva a outro ponto: O holandês é um povo muito seco. Na verdade acho que é um povo muito direto. E nisto, completamente diferente do mexicano. O povo mexicano é extremamente gentil. Incapaz de te dizer não, sem antes te dar meia hora de explicações e desculpas. O holandês é prático. Se a resposta é não, ele vai te dizer e você pode achar que foi uma grosseria, mas acredite, não é nada pessoal.
Posso contar várias cenas onde me senti quase agredida por respostas assim, mas também posso dizer que já recebi ajuda espontânea de estranhos na rua, em varias ocasiões diferentes. Ou porque estava parecendo perdida (e estava mesmo!) ou porque estava carregando muito peso, ou por não saber o que fazer em alguma situação específica, ou simplesmente por não entender a língua.
Acho que não preciso falar das diferenças, gritantes, sobre a segurança, o transporte público, o sistema de saúde e educação e todas estas coisas que para nós, latino americanos, são quase um milagre. Aqui as coisas funcionam. Todas. O trânsito funciona (pedestres, bicicletas, bondes, ônibus e carros convivem em perfeita harmonia e sem stress).
As escolas são boas e para todos e o governo controla cada criança diariamente. Nenhuma criança pode viver aqui sem estar matriculada em uma escola e se ela falta sem motivo, os pais são até multados. O sistema de saúde é muito diferente, mas é considerado um dos melhores do mundo. Não há crimes (só roubo de bicicletas), não há mendigos, não há pobreza, não há desemprego, não há crianças abandonadas na rua (nem cachorros), não há insegurança nem medo.
E, em outro patamar, é tudo muito simples, não há exagero, não há ostentação. Ninguém se importa se seu carro (ou sua bicicleta) é do último modelo ou de alguma marca importante, não há salto alto, desfile de moda, marcas, competições, comparações ou exibicionismo. Cada um cuida da sua vida, e a vida é boa! E, ainda que isto pareça antissocial, todo mundo se ajuda, os vizinhos têm as chaves das casas ao lado, recebem encomendas caso você não esteja, alimentam seus animais, cuidam das suas crianças, te trazem flores de boas vindas ou de Natal. Sim…Eu posso jurar que os holandeses são simpáticos!
Mas, acho que a diferença mais chocante é a honestidade. E aqui, deixo claro que a comparação não é só com o mexicano, mas com vários povos (incluindo o Brasil) que estão acostumados com o “jeitinho”, que tentam levar vantagem sempre, tirar proveito de qualquer oportunidade, lesar a quem for necessário em beneficio próprio.
Aqui na Holanda as pessoas são honestas, os preços são justos, e não mudam dependendo da sua cor, do seu sotaque ou da sua cara de turista. Os direitos e deveres são bem definidos e bem cumpridos. Sim, é o país das regras, há regras para tudo, mas elas são respeitadas por todos, em função de um bem geral.
Ninguém nem sonha em quebrar uma regra em beneficio próprio pois isto, obviamente, lesaria um sistema que foi todo desenvolvido para o bem do próprio povo. Os impostos são altos, mas o retorno é visível, reconhecido e apreciado. O povo respeita seus políticos pois se sente respeitado também. É um ciclo de coisas boas com as quais nós não estamos acostumados.
Claro que a vida na Holanda não tem só pontos positivos, eu poderia escrever mais umas três páginas falando da dificuldade com o idioma, dos costumes tão diferentes e principalmente do vento horrível e do clima. Considero o clima outro fator determinante das características de um povo. O frio e a falta de luz acabam isolando as pessoas, enquanto o calor é um convite a encontros, passeios, churrascos e festas, e nisso o México é especialista.
Mas acho que chegar aqui no fim do verão fez muita diferença. Tenho certeza que, depois do inverno, meu texto vai ser bem menos moderado. Por enquanto, o que posso dizer é que viver num país onde tudo funciona, onde minhas filhas vão e voltam da escola sozinhas (e chegam inteiras, vivas e felizes), onde posso caminhar a noite sem medo, onde posso confiar nas pessoas e não preciso provar nada para ninguém, tem sido uma experiência maravilhosa.
2 Comments
Adorei, Roberta! Mudei da Cidade do México para Londres e posso dizer que nossos sentimentos e impressões são muito parecidos! Minha conclusão é igual a sua, mesmo tendo chegado no meio do inverno.
Oi Ana Paula, que bom saber! É bom ver que não estamos tão erradas em nossas análises e sentimentos. É como eu sempre digo…todo lugar tem coisas boas e ruins, mas é impossível negar a realidade…e no final a conclusão em relação à America Latina é sempre a mesma…Beijos e obrigada pelo comentário.