Mulheres condenadas: a realidade de uma prisão americana.
Março é o mês das mulheres, mas nesse caso nem tudo são flores para centenas de moças e senhoras que vivem e cumprem suas penas na maior prisão feminina do Michigan. A Women´s Huron Valley Correctional Facility é o lar atualmente de cerca de 2200 mulheres condenadas pelos mais diversos crimes, de níveis I a IV na escala carcerária americana (desde tráfico de drogas à crimes de prisão perpétua).
A realidade que elas vivem é longe de ser a ideal para qualquer mulher. Se comparada à situação carcerária que temos no Brasil, a descrição da cadeia americana é até satisfatória, ao menos na teoria. Segundo o governo, todas as prisioneiras de Huron têm acesso a cursos educacionais como horticultura, reparos automotivos, administração, construção e culinária. Também contam com tratamentos médicos e dentários. As grávidas ou mães tem à disposição classes de aconselhamento parental e cursos de pré-natal.
Mas não deixa de ser uma prisão, com tudo de cruel que envolve a instituição. Uma ex-funcionária relata que o local está com a capacidade máxima atingida, que algumas celas não tem espaço nem para cadeiras e drogas são amplamente vistas no local. A relação entre funcionários e prisioneiras é de stress constante, e as horas trabalhadas em excesso fazem com que as carcereiras vivam cansadas e sem capacidade de fazer seu trabalho de forma adequada. Tanto que a prisão hoje em dia está com déficit de 36 funcionários, vagas que não conseguem ser preenchidas por falta de candidatos (mesmo com um surpreendente salário oferecido de 52 mil dólares ao ano).
A superlotação fez com que a prisão convertesse salas de televisão, bibliotecas e outras áreas comuns em celas. O governo americano, ao invés de propor soluções, estuda um corte de mais de 2 milhões de dólares à instituição, o que vem gerando discussões sobre a atual situação carcerária na região. Uma das causas da superlotação é o crescimento no consumo de heroína, droga que vem sendo comercializada ilegalmente em ampla escala no estado. A solução proposta é focar em outras alternativas relacionadas à desintoxicação de entorpecentes, como por exemplo clínicas e instituições menores, onde as mulheres envolvidas podem simultaneamente pagar sua pena à comunidade e receber tratamento adequado.
Mas para os outros tipos de criminosas em Huron, só resta a pena a cumprir, pacientemente para algumas e eternamente para as outras, que não tem perspectiva de saída. A discussão gerada sobre a vida na cadeia levanta as seguintes questões: quem cometeu um crime violento tem direito a exigir benefícios e bem-estar na cadeia? Não seria esse um direito inerente à todas as mulheres, independente do seu passado? Ou o sofrimento diário faz parte da punição por um crime que é pago ao longo dos anos?
Uma mãe relata que sua filha, após passar 8 anos em Huron, atualmente toma remédios psíquicos devido a todo abuso sofrido na prisão, que inclui estupros, violência, e castigos como permanecer nua por dias a fio em minúsculas celas solitárias.
Outra prisioneira saiu da prisão com um tornozelo fraturado, depois de passar 2 semanas trancada com outras 3 prisioneiras num armários de produtos químicos.
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Os trabalhos chamados na prisão como culinários por exemplo, são denunciados como nada mais do que separar comidas estragadas, inclusive com insetos, para servir às outras prisioneiras. Prisioneiras essas que muitas vezes são mulheres com deficiência mental. Huron tem um setor para mulheres com distúrbios da mente, e muitas vezes são elas que sofrem os piores abusos. Uma funcionaria relata: “uma menina de 18 anos, que estava em vigia constante por comportamento suicida, ficou amarrada nua numa cama por 8 dias seguidos. Para chamar a atenção e conseguir ser solta para ao menos tomar um banho, ela bateu sua cabeça contra a cabeceira metálica da cama até conseguir uma fratura exposta e ser liberada das amarras. Essa era uma situação típica que eu enfrentava todos os dias. A única coisa que eu podia fazer era oferecer palavras de encorajamento e orações”, diz a enfermeira da prisão.
O que choca também são as prisioneiras encarceradas ainda como adolescentes. Aos 30 ou 40 anos, já passaram praticamente a vida toda na cadeia. Michigan pode não ter pena de morte, mas tem a prisão perpétua sem chance de liberdade condicional, o que equivale praticamente a uma morte em vida. A autora americana Lora Bex Lempert escreveu um livro muito interessante sobre a vida das prisioneiras em Huron, chamado Women Doing Life. Ela relata que a realidade no cárcere nada tem em comum com séries do Netflix como Orange is the New Black, e que algumas das mulheres mais interessantes que ela já conheceu na vida vivem na prisão. Ela inclusive usa o termo “life-serving women” para se referir à elas, e nunca “prisioners”.
A verdade é que todas as mulheres em Huron cometeram delitos e foram condenadas por seus crimes. Porém nenhum juiz as sentenciou à morte ou a torturas constantes, como as que vem sofrendo nessa instituição. A jornada espiritual parece ser o único caminho a seguir para quem permanece nessa vida limitada e literalmente sem um horizonte à vista. As mulheres convictas vêem em suas orações um escape e uma luz a abrandar um pouco a escuridão que as rodeia.
Para se pensar. Nesse mês da mulher, nem todas são reconhecidas como tal.
4 Comments
Olá Jenny. Seu texto é muito bom. Aqui no Texas, conheci duas senhoras que trabalham em uma prisão estadual. Elas também relatam o stress contínuo e a falta de pessoal.
Abraços.
Hej Jenny! Acabei de ler seu texto ” Mulheres Condenadas ” Parece que à relidade dessas mulheres sao muito sofrida em muita parte no mundo. Já antes de chegarem à um tribunal e ser condenada à prisao, tinham algum tipo de ” prisioneras ” ná vida que viviam. Triste más interessante de ler seu texto! Beijos
Olá Jhenny. Gostaria da sua ajuda se possível.
Pretendo escrever um artigo comparativo entre as legislações brasileiras e a norte americana, quanto aos direitos das mulheres encarceradas. Você acha que poderia me ajudar, encaminhando artigos, livros em pdf e afins?
Olá Luana,
A Jenny Rosén, infelizmente parou de colaborar conosco.
Obrigada,
Edição BPM