Como é morar nos EUA, um país de armas sem Kinder Ovo
Enquanto estou em casa escrevendo a coluna do BPM do próximo mês, recebo um e-mail da escola dos meus filhos. No texto informam que os colégios da cidade estão em lockdown (completamente fechados, ninguém entra ninguém sai, cortinas abaixadas e janelas trancadas) por causa do tiroteio que aconteceu esta manhã na Central Michigan University, local que fica muito próximo de onde vivemos. Não se sabem mais detalhes, não se tem ideia de quantos feridos, se a pessoa em questão já foi detida ou se anda perambulando por aí procurando mais vítimas.
Moro no estado do Michigan, bem ao norte dos EUA, região tradicionalista, onde Donald Trump venceu as eleições por ampla margem e onde quase todo mundo tem armas em casa. A única coisa que sinto no momento além de uma preocupação óbvia absurda, é uma sensação de impotência crescente. É o desespero por ter meus filhos, um em cada escola, sem ter como me comunicar com eles ou poder ir busca-los. É saber que vivo num país onde qualquer pessoa pode ir no Wal Mart e sair de lá com um revolver carregado. É tão fácil comprar uma arma automática que a pessoa sequer precisa provar se sabe atirar ou se está mentalmente apta para possuir um artefato desses. As lojas de munição estão em todas as esquinas, literalmente. O resultado disso é que qualquer pessoa desequilibrada ou que tenha um mau dia pode, sem pensar duas vezes, atirar em quem cruza seu caminho.
As crianças aqui no Michigan aprendem a caçar patos e veados desde pequenas, e sabem do funcionamento de um rifle muitas vezes melhor do que sabem fazer uma redação na escola. É uma tradição no nosso estado, a caça é liberada em determinados meses e as pessoas consomem a carne durante o restante do ano. É algo típico e inclusive usado no controle do excesso de animais. Mas é a porta de entrada para o livre acesso às armas. Tenho receio de deixar meu filho de 6 anos ir na casa de amigos porque não sei a quantidade de armas que a família possui, e se estão bem guardadas longe das crianças. Tenho uma sensação constante de insegurança quando escuto sirenes de policia em horário escolar, ou quando minha filha de 11 anos me pergunta se pode acontecer um shooting na escola. Parte meu coração responder que não, sabendo que confio apenas na minha intuição e no anjo da guarda dela. Os treinamentos em classe são cada vez mais frequentes, os alunos têm que se esconder embaixo das mesas, fazer barricadas na porta e silêncio completo. Como é possível que crianças dessa idade, ao invés de aprender matemática, estejam aprendendo a se defender de ataques como se estivessem em um país em guerra?
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E pensar que um dos motivos que deixei o Brasil foi pela segurança. Aqui sei que não vou ser assaltada no farol, não vão invadir minha casa na madrugada, nem roubar as bicicletas ou o celular durante um passeio. Mas deixo meus filhos na escola todos os dias com o coração apertado. A cada mês, a cada semana, são mais frequentes as noticias de tiroteios nas escolas, mais pais desesperados pedindo por soluções por perderem seus filhos tão prematuramente.
Não é possível que um jovem desequilibrado, abalado muitas vezes por sofrer abusos na propria família ou na escola, não encontre apoio de nenhuma forma. Políticas anti bullying, acompanhamento psicológico, por onde andam? Sim, existem, mas estão longe de ser efetivas. Esse mesmo jovem então resolve comprar uma arma (ou pegar em casa a arma dos pais) e descontar tudo em pessoas inocentes. A verdade é que uma pessoa que não está bem mentalmente não pode ter acesso à armas. De nenhum tipo. E isso só se consegue com mudanças nas leis e na legislação americana. Quantas pessoas mais o governo vai esperar morrer para tomar uma atitude? Crianças! Que morrem por causa de uma lei obsoleta e parada no tempo, da época em que as pessoas moravam em fazendas e precisavam sim se defender. Mas hoje a realidade mudou, e infelizmente para pior.
É tal o disparate em que os EUA se encontram, que ironicamente aqui o Kinder Ovo é proibido porque se considera perigoso para as crianças. Que país é esse onde uma criança pode ter acesso à armas de fogo mas não a um brinquedo de plástico dentro de um ovo de chocolate? Temos um presidente completamente desequilibrado e sem noção alguma de como governar um país que descamba para o pior, que segue ladeira abaixo com seus pré-conceitos e leis de armamento do século 18. Ou mudam as leis, ou mudam as leis. Não há mais atalho. Cada criança tem o direito de acordar de manhã sabendo que vai a escola e no fim do dia retornará a sua família. Cada pai e mãe tem o direito de deixar seus filhos na escola e ir trabalhar tranquilo, sabendo que no fim do dia receberá um beijo e braço de boa noite. Não se aceita nada menos que isso.
3 Comments
sei que não é o ponto do post, mas Trump não venceu por ampla margem no Michigan. Pelo contrário, foi por menos de 11 mil votos (0,4%) de diferença. O estado é sempre bem disputado entre os partidos.
Obrigada pela informação precisa, Caio!
Fico preocupada quando leio noticias de pessoas desiquilibrada que atacam escolas com criancas aos cuidados de orgaos governamentais ou escolas particulares, nao importa o desespero que deve trazer aos pais e à outras criancas que devem viver num panico conciente ou no subconciente o tempo todo!Temos um Deus todo poderoso e muitas vezes é pela fé que nós e nossos filhos, familiares, amigos enfim em toda parte recebemos à protecao divina. Se nao fosse à protecao divina nao sabemos se estariamos aqui hoje, nesse momento! Jenny, sinto muito por voce e sua familia! Sei que o Brasil está em situacao muito pior, más que esse risco tao grande também está tento ai em Michigan, nos USA e ná verdade no mundo inteiro, faz com que oro muito à Deus e peco protecao para sua familia, seus filhos, marido e para voce! Amo ler seus textos! Super interessantes e que faz agente parar mesmo para pensar! Obrigada por dividir suas exsperiencias conosco no BPM! Beijos