Enquanto viajava pela América do Sul, pensei muito como seria voltar para o Brasil. Tive muito medo, confesso. Medo de voltar e ter que ficar sem querer ficar. Medo de enfrentar tudo que deixei para trás, olhar na cara de pessoas que eu fui sem me despedir, medo de encarar ciclos que deixei sem fechar, situações que deixei sem resolver, lembranças que eu pensava que se deixasse congeladas, voltariam a ser o meu presente. Sei, inclusive, que às vezes pensei em voltar, mas resisti por medo de tudo o que disse.
E por isso, creio que antes de voltar ao Brasil, antes de sair novamente, vou compartilhar com vocês a história na ordem de como tudo começou.
Assim como muitas das minhas atitudes impulsivas, quando eu deixei tudo e fugi sentido à fronteira, minha decisão parecia pequena. Eu só olhei para o grupo de franceses hospedados em minha casa e disse ‘’posso ir com vocês?’’ Eu não pensei em nada, talvez fosse irresponsável. Tinha minha casa mobiliada, tinha a faculdade que já estava trancada, mas teria a possibilidade de tentar transferência para alguma outra cidade, afinal, era uma vaga em uma instituição pública em um curso com muita concorrência. Tinha apoio financeiro e uma vida que muitos diriam que sonham em ter, mas não eu.
Só que hoje, quase um ano após passar por tudo que passei, olho minhas fotos e me vejo como uma menininha, ingênua, mimada e apaixonada que chorou muito ao se separar do seu grupo francês de viagem e cruzou todas às fronteiras sozinha, inclusive isso me lembra muito uma música do Gonzaguinha:
Eu apenas queria que você soubesse
Que a minha alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira
Eu apenas queria que você soubesse
Que essa menina hoje é uma mulher
E que essa mulher é uma menina
Que colheu seu fruto flor do seu carinho
Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta
Que hoje eu me gosto muito mais
Porque me entendo muito mais também
E que a atitude de recomeçar é todo dia toda hora
É se respeitar na sua força e fé
E se olhar bem fundo até o dedão do pé
Não que hoje eu seja muito adulta, mas mesmo com minha pouca idade, hoje aos 21, tenho uma visão mais amadurecida… Como disse meu pai ‘’você aprendeu a viver com a vida’’. Claro, um ano viajando sozinha com pouco dinheiro, de carona (veja mais neste post), por alguns países Sul-americanos (Argentina, Bolívia e Peru), aprendendo tudo na prática, aprendendo a vida sem escola e existe forma mais pura?!
Na estrada eu me descobri, reconheci meu grande amor ao nomadismo e hoje não me vejo fixa em uma cidade, não me vejo com uma vida estável. Talvez seja muito estranho, gostar de viver com o coração para sair pela boca, mas eu não desperdiço a chance de uma aventura, me jogo de cabeça, me jogo para realmente enfrentar meus medos.
O dia louco foi quando eu disse: É hora de voltar.
Realmente me senti preparada para retornar ao Brasil. Foi novamente um impulso, em um dia eu disse: Acabou! Esse ciclo realmente acabou, é o fim! Pedi para meu irmão me comprar uma passagem de avião, parcelar em muitas vezes que depois eu explicava aos meus pais que era caso de extrema necessidade e precisava da ajuda deles.
Quando cheguei ao Brasil, chorei muito, no entanto, as lágrimas me purificavam. Em meu segundo dia no país, estava cozinhando para um amigo em São Paulo e disse: A minha comida está sem sabor definido porque tem sabor de transformação. Eu não era a menininha que tinha saído, mas ainda não sabia quem eu era. Hora de colocar os pés no chão, de encarar tudo, de olhar cara a cara muitas pessoas, coisas que deixei de encarar e minhas dores… Brasil, estou aqui!
Cheguei de carona na casa dos meus pais no interior do Paraná – uma cidadezinha de 2 mil habitantes onde cresci – Santo Antônio do Paraíso. Sei que chegar de carona não era necessário, mas era a maneira que eu queria encerrar o ciclo. Choraram muito e pude ver também um amadurecimento na forma em que me olhavam: Ela já é dona de si!
Confesso que algumas coisas eu ignorei e devido a isso, ainda estão em mim. É difícil desapegar de alguns ciclos, porém, antes de ir embora novamente é necessário resolvê-los, principalmente internamente.
Estou contente, voltei para minha cidade, Londrina, e fazendo um balanço, a maior parte das coisas que precisava fazer aqui foram resolvidas. Aceitei também o fato das pessoas já terem se acostumado a não me ter aqui, pois sinto que já não faço parte da vida delas. Já ouvi ‘’é preciso partir, olhar sua vida de longe, entender que tudo segue, que a vida segue mesmo que você não esteja presente’’. Sim, cada um tem a sua rotina e eu já não pertenço mais. Tomei um café com pessoas que gosto muito, compartilhamos nossas histórias, foi belo, mas passageiro, uma despedida com leveza.
Possuo a sensação de ser um peixe fora d’água, as coisas não funcionam no meu ritmo, a filosofia de vida não é a mesma que a minha, a percepção de tempo, a intensidade, nada me pertence… E não vejo problemas, na verdade, fico feliz em me sentir livre para partir.
Parece que foi anteontem que eu sai, ontem que cheguei e já é amanhã que vou. Se a gente não valoriza o nosso tempo de vida, ele escorre pelas mãos. Agora, após 3 meses no Brasil em contato com família e amigos, já é hora de partir, é hora de voltar para minha vida: a estrada!
Eu sou aquela famosa, a filha, a amiga, a colega, a conhecida: Sabe a Mirella? Você viu onde ela está? Ela tem muita coragem, ela sempre disse que queria isso, ela tem a vida dos sonhos, é realizada! A Mirella não para mesmo, ela não tem medo? A Mirella é uma nômade, a gente estudou junto, a gente já foi muito amiga, mas agora ela é do mundo!
Desta vez me despeço sem previsões como todas às outras. Sempre estarei dentro de cada pessoa que amo, algumas eu não vejo há anos, outras voltarei a reencontrar em breve e outras eu amei com o meu melhor por cada minuto que estivemos juntos, mesmo que nunca volte a se repetir. Enfim, gratidão para todas às pessoas, todas as estradas, todas as oportunidades que me permitiram chegar onde hoje estou.
Bem-vindo seja esse novo ciclo e iluminada seja minha nova estrada!