Como brasileira e amante do sol de verão eu não poderia deixar de passar em branco (com o perdão do trocadilho infame), esses dias de neve que estou vivendo.
Antes, um breve resumo da minha relação de altos e baixos com a neve. Vi pela primeira vez o famoso floquinho branco quando já era adulta, na minha lua de mel. Estávamos eu e meu marido perdidos em uma estradinha nos Alpes Suíços, em pleno verão europeu, julho de 1996. Fomos parar sem querer no pico de uma montanha (em nossa defesa, naquela época não existiam GPS, eram mapas rodoviários de papel e olhe lá…) e pudemos ver uns pequenos montes de neve, apesar do verão.
Fiquei encantada e me lembro de quase deitar no chão para tentar agarrar aquele montinho precioso com as mãos. Foi um encontro tímido, mas que permanece ainda hoje na minha lembrança.
Alguns anos depois passei um inverno terrível e escuro em Chicago e confesso que fiquei de mal da neve. Ventava de uma forma absurda, e aquele gelo todo cortando o meu rosto não foi nada divertido nem agradável!
Outros invernos vieram e finalmente eu e meu marido, mais uma vez, nos perdemos na montanha. Dessa vez sem desculpas, a não ser a nossa burrice mesmo. Tivemos a brilhante ideia de subirmos a montanha dos Pirineus na divisa com Espanha e França, em pleno mês de fevereiro, com neve aos montes, para dar uma espiada na estação de esqui. O detalhe é que já estava anoitecendo e nenhum esquiador cauteloso ainda estava por ali. Despreparados e com um carro alugado sem tração nas quatro rodas, deslizamos feio na íngreme e estreita estrada e mesmo depois de estarmos a salvo na cidade de Andorra, nossas pernas e nosso coração não paravam de bater. Foi um dos maiores sustos da minha vida.
Essas aventuras mal sucedidas nunca despertaram a minha paixão pela neve e quando podia viajar, eu sempre escolhia uma praia ou cidade interessante e nunca as montanhas geladas. Esquiar jamais me despertou qualquer interesse.
Mas a vida tem dessas coisas e eis que me mudo para os EUA, no estado da Virginia, que tem um bom bocado de dias de inverno rigoroso. O primeiro foi extremamente frio, com temperaturas que ficaram semanas abaixo de zero, e com tamanha friaca até a neve se intimida em aparecer. Essa é uma informação interessante para que desconhece o inverno rigoroso do hemisfério norte, só neva quando a temperatura não está tão baixa, sempre em torno dos -3 e -5C.
No inverno passado tivemos alguns dias de neve sim, mas nada que causasse grande impedimento ou transtorno e assim a minha relação com a branquinha continuou distante e equilibrada.
Esse ano foi diferente. Uma nevasca de proporções históricas atingiu toda a costa leste americana e teve seu ápice em Washington D.C. e arredores, incluindo a cidade que eu moro. Fiquei apreensiva no começo, com o tom catastrófico das previsões anunciadas nas mídias.
Procurei me preparar deixando a geladeira cheia, comprando roupas de neve para enfrentar os dias de tormenta e arrumei a minha casa para o que estava por vir.
Começou de mansinho, às 11h00 da manhã de sexta-feira, 22 de janeiro. Era bonito de ver os flocos caindo e assim eles continuaram ininterruptamente até a madrugada do domingo. O céu ficou branco, inclusive a noite, com uma gigantesca nuvem de neve estacionada sobre nós. Em alguns momentos o vento soprou tão forte que podia escutá-lo debaixo das minhas cobertas. Tudo foi ficando cada vez mais branco e cada vez mais coberto pela neve. Para sair de casa era preciso afundar o pé, e a sensação era a mesma de caminhar em dunas de areia, só que geladas.
Foi então que algo aconteceu. Era o comecinho da madrugada de sábado, meia-noite e alguma coisa, e todos em casa estavam dormindo. Sozinha, sentada na minha sala, fiquei olhando pela janela. Uma imensidão branca, que refletia a luz dos postes da rua e de algumas casas, as sombras das árvores nuas, despidas pelo inverno, e o silêncio. Um silêncio tão profundo que eu consegui ouvir pela primeira vez o som dos meus sentimentos.
Nunca senti uma conexão tão forte com algo que vinha da natureza. Era eu, aqui dentro quentinha, e a neve lá fora, que caía sem parar. Paz…. Não senti medo, tédio, tristeza ou alegria, apenas uma plenitude.
O branco foi se espalhando e tomando conta de mim, levando embora e qualquer outro sentimento. Quase como mágica, me apaixonei. Me descobri encantada pela beleza gelada que via lá fora, e pelo recolhimento que ela me obrigava.
Amanheceu e a tempestade continuou impiedosa, aumentando ainda mais o volume de neve ao nosso redor. Finalmente chegou domingo, ou Sunday para os americanos fazendo jus ao nome de dia do Sol.
O sol brilhava forte e o azul do céu estava tão profundo e intenso que era preciso se proteger com óculos escuros. Ao redor o branco, puríssimo, gelado e macio.
A beleza que a natureza proporciona depois da nevasca é inesquecível. As cores, ampliadas pelo branco de fundo, adquirem um caráter quase que tridimensional. Me senti como se estivesse vagando em uma pintura colorida e poderosa de Van Gogh, meu ídolo.
Saí para brincar, sentar, escorregar e até comer aquela maravilha toda e que reconciliação bonita! Neve, me tornei mais uma de suas amantes, e agora estarei esperando por você ansiosamente a cada inverno que viverei em minha vida….
Deixando as divagações de lado algumas dicas úteis para lidar com a neve:
1 – Vista-se adequadamente. Roupas e calçados impermeáveis são fundamentais. Por baixo do casaco grosso e a prova de água e vento, mantenha-se aquecido com camadas de roupas quentes e leves, especializadas para dias de neve. O melhor é comprar as roupas certas em lojas especializadas em esportes de inverno, pois serão confortáveis e apropriadas. A elegância deve dar lugar ao conforto. Ficar molhado e gelado é terrível!
2- Não dirija em hipótese alguma se não estiver acostumado ou com carro com tração nas quatro rodas. Com a neve baixa o chão fica muito escorregadio e é quase impossível controlar seu carro, principalmente em curvas, descidas e freadas bruscas. Com a neve alta, a chance de você atolar e ficar preso é grande.
3- Mantenha-se hidratado. Andar e brincar na neve é um exercício físico de alta intensidade. Seu corpo sua e apesar do frio você se desidrata muito rápido.
4- Proteja seus lábios, mãos e rosto. A neve queima! Além de refletir muito a luz do sol, o gelo irrita e queima a pele, podendo machucar se ficar em contato por muito tempo.
5 – Aproveite! Com a mesma rapidez que chega, ela vai embora e volta só um ano depois. Por mais que você seja um ser tropical convicto, acredite, deixa saudades.
6- Tire muitas fotos e compartilhe. Além de deliciar aqueles que não tem a chance de conviver com a neve, você constrói uma rede de memórias. E o visual é tão bonito, que mesmo o pior dos fotógrafos conseguirá fotos incríveis!
7. Exercite a paciência, afinal serão pelo menos alguns dias sem poder sair de casa e é possível que você sofra de “Cabin Fever”, ou o sentimento de desânimo e depressão por se sentir isolado, dentro de casa. O melhor antídoto é relaxar e aproveitar o visual único.
1 Comment
Amei !!! Vamos imigrar para EUA este ano e tenho temor só da neve, apesar de ser do Sul do Brasil!!! Mas tua definição tão poética da neve me encantou. Parabéns e obrigada.