Nos Estados Unidos, seja superficial.
Quando cheguei nos Estado Unidos, percebi que aqui, a forma como as pessoas se comportam em sociedade é diferente. Mas não sabia direito dizer o porquê. Depois de muito pensar e comparar, destaco a principal diferença que eu, como brasileira, pude notar: a superficialidade. Norte-americano é superficial no tom da conversa e é assim que ele espera que você também seja.
Sei que essa minha constatação, tem a perigosa chance de ter as mais diversas interpretações. Mas quero aqui deixar bem claro que me refiro como superficialidade sendo unicamente: mostrar somente a camada mais próxima da superfície. Não me refiro a ser fútil, não ter nada além da camada de fora, nada disso. Estamos entendidos?
Os norte-americanos não gostam de conhecer uns aos outros em sua profundidade e complexidade. Pelo menos não se você não é da família dele ou quando muito, um amigo de infância ou muito próximo. E a sociedade deles vive muito bem, obrigada, sendo assim.
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Agora vamos aos exemplos: quando cheguei aqui percebi o impecável atendimento padronizado de todas as pessoas que lidam com o público. “Olá sou o Fulano e nesta tarde incrível vou atender vocês para que tenham o melhor almoço das suas vidas”. Na minha interpretação latino-americana: “Nossa que cara legal, super mente aberta, preocupado com meu bem estar”. Meus pensamentos mudavam logo na página dois, quando eu tentava aprofundar a conversa, que eu sou do Brasil e blábláblá. O desconforto da conversa era perceptível em seu rosto. Sua expressão era quase que como um apelo silencioso gritando não vamos sair dessa camada superficial, ok?
Claro que existem pessoas dispostas a conversar, eles amam o small talk, que é conversa sobre coisas sem importância. Nosso conhecido quebra-gelo, eles adoram e fazem o tempo todo, mas eu no começo interpretava isso como o início de um papo que levaria a algum lugar, e não. É uma conversa que não vai a lugar nenhum mesmo. Há boatos de que os americanos de Boston e da Califórnia são diferentes. Não sei opinar sobre eles. Mas eu aqui na Pensilvânia, um estado super conservador, percebo que essa camada que demonstramos para a sociedade é a que você deve zelar e permanecer no dia-a-dia. É ela que as pessoas esperam ver na convivência trivial em sociedade. Conversas gerais e superficiais.
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Na escolinha do meu filho de 2 anos a professora o cumprimenta com um aperto de mão. Um dia comentei isso com uma mãe e ela disse: “Ainda bem que é assim, ou você ia querer alguém encostando no seu filho?” Argumentei da importância do toque e do afeto nessa fase da vida. E ela, muito bem treinada no curso de superficialidade a todo custo: “os pais em geral não gostam pois quem tem que beijar e abraçar os filhos são os familiares da criança e não os professores”. Fiz silêncio para absorver essa informação mas aquilo ficou na minha cabeça.
Outro dia uma americana comentou comigo a história do único brasileiro que ela conheceu e conviveu. “Era um cara que trabalhava comigo, muito engraçado e gentil mas ele tinha um problema gravíssimo que ninguém tinha coragem de falar para ele”. Fiz cara de meu-deus-o-que-será-que-tinha-esse-homem. E ela disse: “ele conforme falava ia se aproximando cada vez mais da pessoa e chegava a um ponto a ficar mesmo muito perto. Todos meus colegas de trabalho fugiam dele”. Dei um sorriso de nervoso pensando no coitado do homem que saiu lá do Brasil, veio trabalhar nos USA, trouxe família, lidando com uma nova língua, cultura diferente e virou motivo de piada dos colegas de trabalho.
Não devemos apenas aprender o inglês, mas também minimamente entender que somos culturas muito diferentes. Na Inglaterra é igual aos Estados Unidos nesse ponto. Chegar muito perto e tocar alguém pode ser extremamente ofensivo. É bem difundido o “personal space” de cada um (pense num círculo imaginário em volta de uma pessoa). Isso é levado muito a sério por lá. Ai de quem não respeitar o personal space do outro. No dicionário urbano, esse espaço pessoal é definido como o “raio de cerca de um metro ao redor de uma pessoa. Apenas familiares e amigos próximos podem adentrá-lo. Se alguém invadir esse espaço você pode sentir ansiedade e ódio”. Perceberam a seriedade disso? Ansiedade e ódio, minha gente.
Somente hoje entendo o porquê quando fui cumprimentar o marido britânico de uma colega de trabalho com um beijinho no rosto o homem CAIU. Isso mesmo, tamanho espanto quando ele viu que eu me aproximava dele com o rosto. Ele recuou e hesitou, enroscou o pé na cadeira, se desequilibrou e caiu no chão do restaurante. Constrangimento para sempre, nunca mais eles quiseram jantar conosco. Perdi potenciais amigos por isso.
Agora que já sabem que se aproximar fisicamente de alguém não é legal, saibam que se aprofundar psicologicamente também não é esperado. Se a conversa sai do tom da camada superficial do ser, ela passa a ser desconfortável para um norte-americano.
Acredito que por isso os norte-americanos sejam um pouco viciados em seriados de investigação policial, pois é uma forma inconsciente de ver que o que está debaixo da superfície, pode ser muito feio. Então melhor não mexer com isso nas pessoas (doses de ironia aplicadas, não é uma verdade, só suposição).
Outra questão é que aqui tudo termina em processo judicial. Isso é fato. Não sei se as pessoas são superficiais para evitar envolvimento que abra precedente para um processo ou se tudo termina em processo justamente porque ninguém quer sair da superficialidade. Encontrei esse site com alguns dos processos judiciais mais engraçados daqui. Uma mulher que processou a Starbucks porque seu café gelado veio com muito gelo. O proprietário de um apartamento processou um casal que pretendia alugar seu imóvel, pois na troca de mensagens o casal utilizou emojis de carinhas sorrindo. O proprietário interpretou que eles fechariam o contrato de aluguel e tirou o anúncio do apartamento do site. O casal não alugou e o proprietário sem entender aqueles emojis fofos, PROCESSOU o casal. Teve até uma americana que processou o Google Maps por ensinar caminho errado. Durma com esse barulho, colega. E tome cuidado ao distribuir emojis pela América (do Norte).
Você deve estar pensando: isso é que é povo civilizado. Ninguém se mete na vida de ninguém. Cada um no seu quadrado. Sim, concordo, não estou aqui escrevendo para criticar e sim para dizer que é diferente do que nós, brasileiros, usualmente estamos acostumados como sociedade. Já falei em outro texto que, depois de um tempo morando na Inglaterra, voltei pro Brasil e estranhei a informalidade das relações. Acho que também vale a reflexão de nosso comportamento social. Gostamos que o William Bonner fale como se estivesse num bar. Que o político fale a real, sem discurso rebuscado. A linguagem do povo. Palavrão.
Vamos admitir: nós amamos a vulnerabilidade exposta do ser humano e temos uma necessidade gigante disso para nos conectar.
Pense se não é assim. Somos um povo unido pelo sofrimento. Se você não se dá mal, nem que seja por um pouquinho, você não tem tanto valor. Por que pensamos assim? Agora, não tente vir aqui na América do Norte achando que dizer que você teve uma infância triste vai te abrir mais portas. A vulnerabilidade não conecta as pessoas aqui. Não da mesma forma que no Brasil.
Queria encerrar esse texto com uma frase poderosa do famosíssimo psicólogo Aaron Beck, “Há mais na superfície do que nosso olhar alcança”. E tenho certeza que existe muito mais do que minha superficial percepção de superficialidade nessa sociedade.
Só para refletir.
E cuidado com os Emojis.
2 Comments
Meu Deus agora deu vontade de ir pros states, nunca tive vontade de sair daqui, mas essa coisa de respeitar o personal space eu tenho e sofro aqui no brasil, iria adorar não me sentir a estranha por não gostar de “grude” ou proximidade.
Oi Analu! Acabei de chegar nos EUA, Pensilvania também, moro em Newtown e vc? Abraços. Samila