O Brasil em Cuba: uma permuta de arte e amor.
Com muita alegria, estava passeando de bike pelas ruas quando me deparei com o desenho de Luiz Gonzaga em um muro. Me arrepiei da cabeça aos pés. Só entende o motivo quem tá fora do país. Fiquei doida procurando saber quem fez, o porquê da inspiração, enfim, uma aproximação com aquela emoção que o muro me provocou.
Corri a internet, buscando o Instagram da Fábrica de Arte de Cuba que possui o muro de Gonzagão. Fui com a velocidade de uma criança que corre atrás do carrinho de picolé. Depois de várias tentativas de conexão com a internet, consegui!, mas… havia um aviso que estavam passando por uma reformulação e que, logo, logo, teriam uma reabertura com novidades. Meu coração bateu forte sentindo uma brasilidade envolvida nessa história. Busquei todos os “arrobas” (@) do post pra esmiuçar mais sobre o assunto, cavando qualquer tipo de notícia vinculada ao muro. Cheguei ao Instagram do SePermuta.
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SePermuta é um projeto de intercâmbio artístico entre Recife e Havana que fala sobre as semelhanças entre essas duas cidades. Tudo começou quando esses dois mundos se encontraram através do amor. O artista cubano, David Alfonso Suárez, que se apaixonou por uma brasileira e foi morar em Recife. E esse amor se reproduziu em mais amores. Amor pela cidade do Recife, amores fraternos de amizade com outros artistas, enfim, sempre o amor que une. E em uma tarde de sol sentindo saudade da sua querida Havana e contando sobre seu sentimento de déjà vu quando caminhava pelo Recife antigo e via nele sua amada cidade, nasceu a ideia dessa troca artística entre eles, para mostrar o quão próximos podemos ser, que até se pode mesclar e fazer uma arte só.
É interessante isso, porque se passou a mesma coisa com minha mãe, essa baianinha arretada, aqui em Havana. Quando caminhávamos em Havana velha, ela relatou essa mesma sensação de já ter visto ou conhecido aquelas ruas e casarões antigos, uma identificação muito forte com o Pelourinho, em Salvador.
Essa sensação nos dá pertencimento, nos transmite um sentimento de acolhimento muito bom, e deixa a adaptação um “tintim” mais fácil. E, além disso, o brasileiro tem muito de cubano e vice-versa. Somos muito parecidos de personalidade. Muitos vão torcer o nariz pra isso que estou dizendo. Aliás, esse momento de ignorância cega e encrudecimento nos deixa longe de enxergar isso. Entretanto, eu vejo que aquele jeitinho do brasileiro é bem forte por aqui, aquela ginga malandra, a maneira de cantar mulher do carioca, a alegria na hora de dançar nas festas e nas piadas das dificuldades vividas no dia a dia, a descontração, a falta de formalidade, vejo muito do brasileiro no cubano.
Mas, o fato é que o SePermuta trouxe o Brasil pra Cuba e fiquei fascinada com a ideia, a arte feita pelas mãos de 10 pessoas, cubanos e brasileiros. Se misturando e se colocando em cena com sua bagagem de história, influências e criatividade. O muro de um quarteirão inteiro construído com base nas influências desses dois países. Nele você poderá ver a figura do galo da madrugada, esse ícone do carnaval de Recife, dirigindo um almendrón, a figura de carro antigo presente no cotidiano da cidade de Havana. Também aparecem instrumentos de percurssão, o bongó cubano e o timbal brasileiro. As palavras “Oxe” e “Buenas” presentes de maneira harmônica. O chapéu do cangaço na sereia e no “guajiro” -o homem do campo cubano. Uma arte com bastante cores que traduz essas duas cidades.
Dentro do projeto coordenado por Maria Eduarda Belém, tem os artistas de Recife, que são: Sofia Lobo e Coletivo Vacilante (Alexandre Pons, Heitor Pontes e Luciano Mattos); e os de Havana: David Alfonso, Anabel Alfonso, Darién Sánchez, Edel Rodríguez (Mola), Gabriela Gutiérrez, Nelson Ponce e Raúl Valdés (Raupa). Os brasileiros com um estilo improvisado, cheio de liberdade e de senso de inspiração do momento, enquanto os artistas cubanos detinham o primor técnico associado com um norte, um planejamento.
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Como deu certo essas duas formas tão antagônicas de fazer arte? Através da amabilidade, do entrosamento, alegria e disponibilidade que foi se desenvolvendo durante almoços e momentos de socialização. Foi aí que aconteceu a magia que se transformou em arte. Resultou uma combinação com múltiplas influências e que foi se acertando ao longo do caminho, aprendendo uns com os outros e se permitindo uma abertura para o que era novo no mundo de cada um. Isso é grandioso porque é muito raro no meio artístico de egos inflados e muita vaidade, em que cada um defende sua técnica e sua obra com garras afiadas. No final, foi tão lindo o resultado e tão impressionante o sentimento de euforia de ambas as partes que era perceptível ao falar com cada um deles.
A Fábrica de Arte Cubana (FAC) é o lugar ideal para este tipo de intervenção. Um lugar que vale muito a pena conhecer por ser um local vanguardista, democrático e único, comparável muitas vezes ao mundo artístico vanguardista de Nova York.
A FAC é uma antiga fábrica que foi dividida em várias partes que eles deram o nome de nave, mapearam o lugar com as naves numéricas para que você possa saber onde está, porque muitas vezes vai achar que está em um labirinto, com cada espaço muito bem aproveitado para mostrar toda a riqueza cultural deste país. Tem teatro, mostras de arte em pintura, foto e escultura, tem também show, bar, restaurante, lojas, enfim é uma mistura de tudo. O ingresso é 2 CUC (equivalente a 2 dólares) e com isso é possível explorar tudo, ir ao show, teatro, bar, ver arte. Menores não podem entrar e funciona somente à noite. E com muitas opções para agradar a todos. É o espaço onde Cuba se abre para o mundo mostrando o que há de melhor em sua cultura.