O expatriado brasileiro e a depressão de temporada.
Você pode até gostar do verão, mas, às vezes, cansa do calor em excesso e, também, não se importa nem um pouco com aqueles dias chuvosos e com a chegada do inverno. Afinal, nos vestimos mais elegantes com o frio e temos mais disposição para certas atividades do dia a dia.
Você também está pensando em se mudar de país e está à procura de maior qualidade de vida, taxas menores de corrupção e maiores de segurança pública. Então, a chance é grande de você acabar considerando um país do hemisfério Norte e, possivelmente, com a disponibilidade para aprender o idioma e os atrativos culturais, você pode acabar optando pela Inglaterra.
Pois bem, você já deve saber que uma das características mais marcantes de todos os países do Reino Unido (do qual a Inglaterra é parte) é o clima cinza e chuvoso. Somos tão famosos por isso que, quando alguém vem passar três dias de férias por aqui, e se depara com dias ensolarados, fica extremamente impressionado.
A verdade é que, ainda que o sol apareça, ele geralmente vem visitar por umas duas horas no final da tarde e em alguns dias de verão e de outono. Não é a toa que muitos dos grandes escritores provém desse país e que o trench coat mais famoso do mundo é da marca Britânica Burberry.
Por tudo isso, quando algum familiar ou amigo que ama sol, praia e fica mal humorado com chuva, vem me perguntar sobre a vida aqui, meu alarme soa e eu já largo alguma alternativa, como Portugal, ou até Austrália. Isso porquê, depois de ter morado na terra de Shakespeare por um total de 7 anos, eu vivi e vi de perto as dificuldades que podem ser apresentadas pelo famoso clima local.
Leia também: Tudo que você precisa saber para morar na Inglaterra
Sendo alguém que, no Brasil, amava dias chuvosos de praia, para poder ler meus livros, e adorava inverno, para poder curtir uma lareira e um vinho, ainda assim, eu tive uma dificuldade muito grande com os períodos de frio prolongado e até com alguns verões fracassados (nunca vou esquecer o verão de 2012, com seus constantes 15 graus e chuva).
O problema é que a gente confunde o – agora oficial – transtorno afetivo sazonal (seasonal affective disorder) com a sensação de tristeza. Quando não sente um vazio profundo, falta de apetite e pensamentos extremamente negativos, muitas vezes acaba por não se dar conta de que, ainda assim, pode estar sendo afetado por esse mal. Por isso, vamos a alguns pontos:
O que é o Transtorno Afetivo Sazonal?
Ainda existe muita discussão sobre o que é e o que causa, exatamente, esse transtorno. O que se imagina, no momento, é que se trate de uma forma de depressão que ocorre sempre na mesma época do ano, onde há maior isolamento social e menor contato com a luz solar.
Em minha experiência como expatriada brasileira morando na Inglaterra, fui me dar conta pela primeira vez da seriedade dessa condição, quando ia e voltava do trabalho em Londres. Pegando o metrô no horário de pico e acostumada com o “imperfeito, porém confiável”, serviço de transporte oferecido na capital Inglesa, me surpreendia nos dias que o trem simplesmente parava e nenhuma explicação era dada imediatamente. Mas, logo era anunciado no auto-falante: “mais uma pessoa acabou de cometer suicídio nos trilhos do trem”. E o pior: comecei a notar que, em certas épocas, a coisa acontecia diariamente.
Foi então que me dei conta de que, a tal “depressão de temporada” existia de fato e que, em alguns casos, podia ir bem mais longe do que as características típicas desse transtorno. A saber: ganho de apetite (principalmente desejo de carboidratos), irritabilidade e cansaço.
Além de você sentir muito menos vontade de falar com os outros, eles também serão muito menos receptivos a qualquer tentativa de socialização, o que contribui para a sensação de isolamento e falta de significância. E essa percepção, me leva ao próximo ponto!
Sabedoria local para aplacar a tristeza
Até recentemente, eu acreditava que aqueles que foram criados nestes países cinzas, eram menos afetados. Em certo ponto, pode ser verdade – já que eles não ficam vendo fotos da família e amigos nas praias brasileiras em janeiro – mas, brincadeiras à parte, eles também podem ser, profundamente, atingidos.
Nós tínhamos um vizinho em Londres que sentia a necessidade de informar que sofria deste mal, pois não queria ofender ninguém com seu comportamento no inverno. Durante 3 meses do ano, ele se negava a abrir a porta, sair no jardim ou, sequer, receber os filhos.
Porém, existem alguns aspectos gerais da cultura deste povo, nos quais podemos observar uma sabedoria sobre aproveitar a vida, mesmo naqueles dias em que o brasileiro se negaria a sair do sofá.
Tendo filhos, por exemplo, somos informados na escola que qualquer dia é para se brincar no jardim e que “não existe dia ruim, apenas roupas inadequadas”.
No quesito celebração, então, eu acho o povo inglês uma espécie de “gênio calado”. O brasileiro tem aquela alegria espontânea e não se pode negar que o inglês nunca será assim, porém, aqui, eles não se levam muito a sério. Criança sai de casa em dia de chuva com a intenção de pular em poça de lama e, qualquer aniversário (que seja de 70 anos), é comemorado com chapeuzinho na cabeça, bolo e brincadeiras de festa. Do Natal então, nem se fala! Dezembro é, simplesmente, um mês inteiro de músicas bregas, agasalhos cafonas e jantares com amigos de longa data.
A maior dificuldade, geralmente, vem agora, em janeiro e fevereiro. No primeiro mês do ano, recomendo para aqueles que moram aqui, dar uma escapadinha para o sul do continente europeu, onde geralmente conseguimos encontrar, pelo menos, o sol e para onde as passagens e estadias chegam a custar 1/4 do preço encontrado no verão. Já em fevereiro, por conta das férias escolares de 10 dias, os preços são muito mais altos para viajar, mas é possível encontrar muitas atrações em promoção no Reino Unido, além de ser uma temporada intensa para cinema e teatro.
Já dentre as alternativas mais simples para ajudar a aplacar algumas das sensações negativas destes períodos prolongados de frio, estão as noites mais longas de sono e os exercícios físicos (que procuro seguir), além do dispositivo de fototerapia para os dias mais escuros e os comprimidos de vitamina D, que ainda não possuo. Mas para isso, temos o Amazon.
*É importante lembrar: ao sentir a necessidade de maior apoio, nada substitui ajuda profissional!
4 Comments
Adorei Betina, spot on! Moro aqua ha 20 anos e sofro de Janeiro a meio de marco, todo ano.
É brabo, né Kiki? Difícil dizer que a gente um dia acostuma hehehe
Perfeito seu artigo! Como me identifiquei! Uma curisosidade, onde em Buckinghamshire voce vive? Moro em High Wycombe ha alguns anos mas ainda nao conheco muita gente por aqui. Bj
Olá Michelle! Obrigada 🙂 Eu moro em Wendover, bem menor do que High Wycombe, mas ambos os locais têm as suas vantagens. Se você quiser, pode me adicionar no Facebook ou insta (uso mais o segundo) e uma hora dessas, a gente toma um café ou chá juntas – eu tenho uma cliente na sua cidade e, apesar de normalmente atendê-la pela internet, às vezes vou até aí para uma sessão presencial 😉