O que a TV não conta sobre Nova Iorque.
Esse mês eu resolvi escrever sobre um tópico bem popular: séries e filmes. Contei um pouco da história da cidade e relacionei a ascensão da mesma com dois seriados bem populares do fim dos anos 1990.
Ao final do texto eu tento desvendar: por que amamos NY?
- No passado: A crise dos anos 1970 e 1980
- O começo da reviravolta: Campanha I Love NY
- O que é real em Friends e Sex And The City
- Filmes que fomentam nosso imaginário
Séries e filmes elevam a cidade o tempo todo; contam sobre suas ruas, transformam feriados em eventos cobiçados, mexem com o mercado imobiliário e, claro, geram milhões de empregos afetando diretamente a economia da cidade, do estado e do país.
Em Nova Iorque a indústria enaltece a cultura de uma cidade que não precisa mais de tantos holofotes para atrair turistas e aspirantes a moradores, mas nem sempre foi assim.
A cidade passou por severas crises durante toda a década de 1970. A crise financeira afetou Nova Iorque em muitos aspectos, o mais grave deles (a demissão de quase 40% dos policiais na época) contribuiu para outra crise: a da violência.
O metrô de Nova Iorque, por exemplo, já foi considerado o lugar mais perigoso do mundo. O apagão de 1977 contribuiu muito para o aumento dos índices (já alarmantes) de violência gerada por traficantes que dominavam uma cidade infestada por viciados em crack e heroína. A prostituição também enchia as ruas e comércios com “programas para adultos.”
Baseada em séries e filmes que assisti durante os anos 1990 e 2000 nunca imaginei que Nova Iorque tinha um passado “dark” (tenebroso mesmo).
O único filme que retrata um pouco disso, que eu vi muito nova para perceber suas nuances, foi “Party Monster.” Ainda assim, confesso que, pela minha ingenuidade da época, eu nem sei se o filme mostrava uma cidade perigosa mesmo ou apenas um mundo muito diferente que me cegou a ponto de eu não perceber seu real contexto.
A campanha “I love NY” (“Eu amo NY” – foto de destaque) foi encomendada pelo que a gente poderia chamar ou traduzir de Secretaria do Comércio do Estado de Nova Iorque, em 1977. A cidade passou por uma revitalização entre os anos 1980 e 1990, e com muita ajuda da indústria audiovisual, se transformou no destino cobiçado que é hoje.
Antes de chegar à cidade eu tentei estudar um pouco sobre o que esperava por mim, fiz isso com prazer assistindo (às vezes re-assistindo) séries e filmes que eu amo. Tenho certeza que ao final do texto você vai me xingar porque não citei a sua série favorita – desculpa, mas não tem espaço suficiente no mundo para falar de tanta produção boa que já aconteceu por aqui.
Friends, a série mais aclamada de Nova Iorque, estreou em setembro de 1994 e o último episódio foi ao ar dez anos depois. Muitas pessoas perto dos seus 30 anos (para mais ou para menos) cresceram assistindo as aventuras dos seis amigos na Big Apple.
Autores raivosos (como esse aqui) defendem que a série criou uma geração de neuróticos e egoístas, iludidos com a ideia de que problemas simplesmente desaparecem em episódios de 30 minutos.
Eu não discordo totalmente, mas eu acho também que a curva profissional de quase todos os personagens (menos da Phoebe) demonstra uma dura realidade de Nova Iorque: a alta competitividade e os baixos salários (já escrevi sobre procurar emprego na cidade).
Além da questão empregatícia, os amigos passam por questões sérias durante os dez anos de convivência. Ross tem um colapso mental (o que é bem comum entre os moradores da cidade), que o afasta do trabalho por um ano; Phoebe foi moradora de rua, uma realidade que pouco se fala sobre os EUA; Chandler teve uma infância disfuncional; Rachel sofre alguns abusos psicológicos nos relacionamentos e no emprego; Mônica tem vários problemas de compulsão; e Joey, que claramente não fazia parte da sociedade que estava inserido, demorou muito para conseguir se sustentar como ator.
A série apresenta esses jovens como um modelo a ser almejado ou a gente faz questão de ignorar seus problemas colocando nosso foco no apartamento perfeito (que obviamente não era condizente com a realidade)?
Um pouco menos romantizada do que Friends, e também com muitos problemas, temos a minha segunda série favorita: Sex And The City (Sexo e a Cidade), que estreou em 1998, teve seis temporadas e dois filmes.
Em Sex And The City vemos muito mais Nova Iorque e seus dramas, a história conta sobre quatro amigas solteiras que dividem suas angústias profissionais e amorosas em brunches (um café da manhã em horário de almoço) semanais.
A série é bem mais adulta, suas personagens principais já passaram dos trinta e têm carreiras mais exploradas do que os seis amigos de Friends. No show da HBO, Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) narra seu relacionamento abusivo com um personagem chamado apenas pelo seu apelido, o Mr. Big (que remete a um órgão masculino supostamente grande).
As amigas estão inseridas de fato na comunidade novaiorquina, têm aspirações plausíveis para uma sociedade no fim dos anos 1990, problemas de autoestima, ansiedade, dívidas, casamentos falidos e muitas questões a serem resolvidas com os núcleos que as cercam. Elas viajam, se deparam com a violência, compram imóveis, fazem concessões, enfim, são responsáveis por si.
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O studio onde Carrie mora é bem mais realista do que o apartamento de dois quartos da Mônica; já sua invejada coleção de sapatos quase a levou à falência, o que (ao meu ver) traz realismo à série.
Nova Iorque está mais crua em Sex And The City. Vários personagens que aparecem ao longo da série são grossos e insensíveis, como acontece de verdade por aqui.
Acompanhamos invernos gelados e verões sufocantes, exatamente como é; a vida social das amigas é agitada e cheia de decepções; o lado negro da mágica Nova Iorque é pincelado nas crônicas românticas de Carrie.
A licença poética dos roteiros habita o imaginário de sonhadores que querem passar o natal na cidade, inspirados por “Esqueceram de Mim”; passear no Central Park revivendo o “Outono em NY; casar no Plaza por causa de “Noivas em Guerra”; andar na Quinta Avenida com o figurino de “O Diabo Veste Prada”; e planejam incontáveis férias, cursos e mudanças definitivas porque um dia se apaixonaram, com seus personagens favoritos, pela cidade que nunca dorme.
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As decepções por aqui são inúmeras, boa parte delas acontecem porque a indústria do audiovisual cria uma expectativa bem mais lúdica do que a realidade.
Uma indústria potente, como a do audiovisual, é fundamental para a construção da cultura e para a economia de um país.
5 Comments
Que análise bacana, Lari. Eu simplesmente adorei. Parabéns!
Obrigada pelo comentário, Lili!! Fico feliz que você tenha gostado. Mais sobre minhas aventuras eu conto no podcast e no Twitter. 😉
Ahhh e Lili, esse mês tem texto extra meu sobre o feminismo em NY.
Olá Larissa,
Achei que sua análise foi no ponto, a comédia a serviço da ilusão do glamour. Gostei muito da amarração que você da industria visual e a realidade dos residentes.
Beijos!
Oi, Alessandra.
Muito obrigada pelo comentário e pelos elogios! =)
Espero que você volte sempre e te convido a conhecer meus outros conteúdos, o podcast “Tudo Sobre Coisa Nenhuma” e meu twitter @lalaorlari.
Beijos e até a próxima. =)