O que aprendi com os franceses.
Acredito que todos que já foram ou pretendem ir à França já tenham ouvido falar pelo menos duas coisas sobre os franceses: que não tomam banho e que são (muito) mal-humorados. Bom, como francesa, filha de pais franceses, devo dizer que a primeira afirmação é relativa, mas no geral não se confirma.
A verdade é que no frio algumas pessoas entendem que transpiram menos e que, portanto, não precisam de tantos banhos (coisa que para nós, brasileiros, é inconcebível, já que historicamente herdamos hábitos indígenas e não europeus que, por sua vez, evitavam o banho com medo de adoecerem por meio da água). Agora, a questão do mau humor realmente não tem como defender! É real. Mas se serve de consolo, não é algo tão generalizado, ou seja, dá para conviver com isso.
Há dois tipos de situação: quando você está de passagem pela França e quando você mora na França. No primeiro cenário, um pouco de bom humor resolve. Quer dizer, você provavelmente sentará no terraço de alguma brasserie parisiense e será maltratado pelo garçom. Aceite. Faz parte da sua experiência como viajante, como turista. A desculpa deles, em cidades como Paris, para esta e outras provas de mau humor e impaciência é que lidam com milhões de turistas desorientados todos os dias.
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No fim, estão cansados demais para responder com gentileza a qualquer pergunta sobre como chegar ao Louvre ou à avenida mais famosa e cara do mundo, a Champs Élysées. Em Paris, vai chover, você terá problemas para ser entendido caso fale somente inglês. Até o taxista ou Uber te tratará com certa indiferença. Mas, no fim, a cidade luz não tem esse nome à toa. E se você souber passar por cima e até prever esses pormenores, sua viagem será inesquecível como tanto sonhou.
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Outra coisa que vale ressaltar é que sua experiência em Paris não necessariamente é um reflexo da sua experiência na França. Isto é, a França tem outras regiões belíssimas que valem uma visita. O jeito francês poderá parecer um pouco menos mal-humorado no sul, por exemplo, onde o clima é mais ameno. Então, se posso deixar uma dica, aproveite para viajar e descobrir outras facetas da França e deixe-se surpreender.
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Já o segundo cenário é um pouco mais complexo; pois, claro, você lida com isso todos os dias, o tempo todo. Embora você não esteja turistando por aí, terá que lidar com o jeitinho super direto dos franceses, um sarcasmo fino, tiradas que provocam, uma sinceridade aguçada. Pessoalmente, achei que tiraria de letra; afinal, sou francesa, filha de franceses, criada em escola francesa… Que nada!
Aliás, é curioso. Pois, no Brasil, tantas vezes me senti um peixe fora d’água com amigos brasileiros que viam em mim “uma francesinha”. E agora que estou aqui o que mais me perguntam é “seu francês é ótimo, mas você não é daqui, não é?”
Minha resposta? No início me dava ao trabalho de explicar “sou francesa do Brasil” e procurava certa graça nisso. Alguns se interessavam pela história, outros nem por isso. Era como se um ponto de interrogação gigante se desenhasse na face deles e se dessem por satisfeitos, mesmo não entendendo o que eu quis dizer. Tipo, tanto faz.
Pertencendo ou não, efetivamente, àquele lugar, claro que tudo sempre foi facilitado pelo fato de falar francês fluente, mas principalmente por conhecer a cultura deles. Nesse sentido, aprendi bastante com os franceses.
A primeira lição importante (ainda mais em uma cidade fronteira com a Alemanha) é: seja pontual. Se der, esteja sempre um pouco adiantado (mas não espere ser atendido antes do horário por conta disso). Outra coisa, um hábito muito francês: não se dê por satisfeito. Eles adoram um debate caloroso! Então, seja num happy hour ou até num jantar informal. Caso surja algum tema polêmico, não se intimide e libere o advogado do diabo que há em você; com uma certeza, mesmo que o tom da conversa extrapole um pouco, no final, é isso que faz um francês voltar pra casa feliz. Exercite seu poder de argumentação e não se desgaste.
Por fim, aprendi a ter sempre uma resposta na ponta da língua. É meio assustador, até, mas entre “euh…” e outras interjeições, os franceses parecem nunca hesitar!
Quantas vezes quando eu era criança meus pais perguntavam: “você sabe…” ou “você se lembra…” e eu respondia “não” e eles retrucavam “claro que sabe” ou “claro que lembra!”
Parece um exemplo bobo, eu sei, apenas uma força de expressão. Mas está tão enraizado que te coloca inserido num sistema categórico, de clarezas, de respostas na ponta da língua. E muito embora possa soar como algo duro e terrível, já me sinto tão afrancesada que vejo com normalidade e até como algo que já foi bastante útil, justamente na hora de enfrentar o tal jeitinho mal-humorado e direto dos franceses. Ou seja, quando você faz uma simples pergunta e recebe uma resposta um pouco torta, retribua. Ah, mas lembre-se de acrescentar uma pitada de ironia gentil para não parecer grosseiro gratuitamente.
Conhecer certos aspectos de uma cultura e até o idioma ajuda a se tornar um pouco mais local. Mas minha pergunta é: o quanto realmente queremos nos camuflar atrás dessas novas referências para nos inserirmos numa sociedade, às vezes, muito diferente da nossa.
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Mudar de país significa se dividir entre duas culturas, nessa linha tênue que há entre o que se aprendeu e o que se deixou para trás para absorver novas perspectivas. Esse é o desafio que abraço desde pequena por ser franco-brasileira. Agora, morando na França e aberta ao novo, sem esquecer de onde vim e que carrego muito mais que uma dupla nacionalidade, pela primeira vez encontrei certa familiaridade neste impasse: a cidade que escolhi para morar, Strasbourg, é multicultural e não exige de mim uma clareza sobre a que lugar eu pertenço.